Marcelo Zero: O desafio Trump

Tempo de leitura: 3 min

O Desafio Trump

Por Marcelo Zero*

(Os negritos ao longo do artigo são do próprio autor)

1. É um erro considerar Trump como apenas um “bravateiro”, que somente fará ameaças vazias para conseguir alguns objetivos negociáveis.

2. Embora as ameaças façam parte do seu “modus operandi”, ele tem a vontade e os meios para, como disse Marco Rubio, criar um novo “mundo livre”, uma nova ordem mundial centrada nos interesses dos EUA e, mais especificamente, nos valores e na visão ideológica da extrema direita.

3. No que tange, por exemplo, à ofensiva contra os migrantes latino-americanos, sua política de deportações massivas segue e se intensifica. Claro que é uma política que ofende convenções internacionais relativas aos direitos humanos e aos direitos específicos de asilo e refúgio. Mas seus únicos limites reais sãos os práticos. Ter dinheiro e gente suficiente para executá-la. Evidentemente, será impossível deportar 10 milhões de pessoas em apenas 4 anos, mas o estrago será grande. E os países que protestarem serão punidos e obrigados retroceder, como aconteceu com a Colômbia.

4. No que tange ao protecionismo, os únicos limites serão também aqueles que empresas e consumidores dos EUA poderão eventualmente impor. O sistema de solução de controvérsias da OMSC está paralisado desde 2017 e Trump se sente à vontade para fazer o que bem entende.

5. Há o entendimento, dentro do MAGA, que a ordem mundial atual, inclusive a ordem comercial e econômica, funciona como uma arma contra os interesses dos EUA. Há também o entendimento que o protecionismo desnorteado é necessário para impulsionar os interesses dos EUA e gerar empregos. Pode ser uma visão equivocada e estúpida, como afirma o WJS, mas essa é a visão dominante.

6. Assim, Trump tentará de tudo para diminuir os déficits comerciais dos EUA e realocar, em território norte-americano, as indústrias que foram deslocadas para o exterior.

7. E assim será em todas as áreas.

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8. É preciso considerar que extrema direita sempre agiu dessa forma.

9. Sempre agiu preferencialmente pela força, apoiada numa comunicação massiva, insidiosa e muito convincente. Sempre desrespeitou regras e convenções. E se expandiu e se fortaleceu justamente com essa estratégia anticonvencional, com o uso abusivo das bravatas e das mentiras. Bravateiros tendem a se tornar ditadores de fato.

10. Muito provavelmente, Hitler não teria existido sem o seu Goebbels. Aliás, Hitler, Mussolini e outros líderes de extrema direita também foram considerados, durante muito tempo, como bravateiros e provocadores.

11. Até o último momento, os democratas alemães da República de Weimar acreditaram que Hitler seria “domado”, que não faria nada daquilo que ameaçava fazer, já tudo nele era “muito exagerado e absurdo”. Essas ilusões viraram cinzas junto com o Reichstag.

12. Aqui, no Brasil, muita gente só levou o rocambolesco Bolsonaro a sério quando já era tarde demais.

13. Repito e insisto que Trump não é apenas um bravateiro. Ele tem de ser levado a sério. O uso da bravata em si mesmo já é algo sério.

14. Ele está normalizando a ameaça, a força bruta e as mentiras grosseiras como armas geopolíticas legítimas. Seu discurso, por mais absurdo que seja aos nossos ouvidos, tem repercussão, tem público e gera multidão de seguidores, interna e externamente.

15. Junto com as Big Techs, (as super Goebbels) ele está criando uma relação direta com um público mundial, que tende a aceitar sua realidade paralela como algo aceitável e legítimo. Na verdade, a única “realidade”.

16. Ele está levando de roldão as normas e regras mundiais e criando uma nova “normalidade” hobbesiana, na qual as democracias e os princípios básicos do que chamamos de “civilização” poderão ser fortemente erodidos. As bases da diplomacia também.

17. Até mesmo o delírio homicida e cínico da “Riviera do Oriente Médio” é algo muito sério. Pode se tornar uma realidade, ao menos parcial, com o sacrifício dos palestinos e a construção da Grande Israel, o sonho desavergonhado da extremadireita israelense. Alega-se, com razão, que isso seria limpeza étnica. Mas o que Netanyahu estava fazendo até o recente e precário cessar-fogo era o quê?

18. Claro está que os EUA, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, moldaram a ordem mundial a seu favor. É também verdade que, sempre que quiseram, os EUA desrespeitaram as regras que eles mesmos ajudaram a criar.

19. Mas a intenção agora é mais profunda e insidiosa. Trata-se, como declarou Marco Rubio, de se destruir, unilateralmente, uma ordem mundial “caótica”, que funciona como uma “arma” contra os EUA.

20. Trump, é, portanto, um grande desafio real a ser enfrentado por todos os países que têm compromissos com democracia, com o multilateralismo, com o meio ambiente com a multipolaridade e com a construção de uma ordem mundial pacífica e simétrica.

21.E isso não é bravata.

*Marcelo Zero é sociólogo e especialista em Relações Internacionais.

*Este texto não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.

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