Manuel Domingos Neto: Telefonema inesquecível

Tempo de leitura: 2 min
Delfim Neto. Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Telefonema inesquecível

Por Manuel Domingos Neto*

1976. Eu era estudante e Delfim era embaixador em Paris, nomeado por um general com poder de vida e morte sobre militantes políticos.

Aldo Arantes, Haroldo Lima e Vladimir Pomar estavam sendo torturados em São Paulo.

Liguei para a Embaixada. Apresentei-me como empresário israelita, íntimo do Embaixador. Não lembro o nome que inventei. Deu certo, ele atendeu.

“Se não pararem de torturar Aldo, Haroldo e Vladimir, vou te dar um tiro na barriga”.

Desliguei e me afastei morrendo de medo, mas sem pressa, da estação de metrô Odeon.

Na época, o “Chacal” deixava as capitais europeias atemorizadas. Sua atuação estigmatizava a resistência democrática latino-americana. Ajudava a “legitimar” governos sanguinários.

Mas, naquele telefonema, senti-me meio “Chacal”. Foi a reação de um atordoado diante da bestialidade. Obviamente, eu não daria tiro na barriga de ninguém.

1989. Eu analisava a seca nordestina no grande expediente da Câmara dos Deputados.

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Passei em revisão a política da Ditadura para o Nordeste.

Apontei o mal uso dos incentivos fiscais, o clientelismo corrupto, a manipulação estatística, a propaganda demagógica, a penúria renitente dos trabalhadores rurais e o uso despudorado dos sem-arrimo para a ocupação desastrada da Amazônia.

Delfim ouviu-me atentamente, sem pedir aparte.

Ao final, disse-me ter gostado da análise sobre a criação extensiva de gado bovino e perguntou se eu acreditava mesmo na possibilidade de industrialização do onde faltava água.

Respondi que uma média pluviométrica de 600mm anuais não desqualificaria o sertão nordestino como área apta para a agricultura e atividades manufatureiras.

Formou-se uma pequena roda, que incluía Haroldo e Aldo. No ambiente descontraído do plenário, perguntei se ele lembrava da ameaça que recebera quando era embaixador.

Ele me olhou espantado. Certas telefonemas são inesquecíveis.

Manifestei minha alegria por estarmos todos vivos.

2024. Não comemoro a morte de Delfim nem vejo motivos para esquecer a ditadura ou dourar sua ação funesta.

Manuel Domingos Neto é doutor em História pela Universidade de Paris. Autor de O que fazer com o militar – Anotações para uma nova Defesa Nacional (Gabinete de Leitura).

*Este texto não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.

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Zé Maria

“Um resumo biográfico perfeito desse economista perverso que
comandou a Economia do Brasil apenas para a elite do atraso.”
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Zé Maria

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Partido Novo [que nasceu Velho] é o Braço
Mais Fascista e Falcatrua do Neoliberalismo.
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Notícia da Mídia Corporativa Neoliberal

PL libera Salles após “telefone sem fio”
entre Bolsonaro (PL) e Valdemar (PL)

Políticos do Novo e do PL fizeram a ponte
entre Bolsonaro e Valdemar, proibidos pelo STF
de manterem contato pessoal

Salles retornou ao Novo a convite do partido
após ter sido expulso da Sigla em 2020.

Além disso, ele já enfrentava desgaste interno
com Valdemar Costa Neto, presidente do PL,
após te tentado se candidatar a prefeito de SP.

Senador Eduardo Girão (Novo-CE) e o governador
mineiro Romeu Zema (Novo) promoveram uma
tabelinha para conversar com Bolsonaro e fazer
a decisão do ex-presidente chegar a Valdemar
sem criar problemas com o STF.

Primeiro, os dois mobilizaram o senador Rogério Marinho (PL-RN),
novo secretário-geral do PL, para conversar com Bolsonaro.
Depois, Marinho confirmou a Girão o aval do ex-presidente
à saída de Salles.

Coube a Zema a levar a mensagem a Valdemar e se certificar
com o cacique de que Salles estaria, de fato, liberado.

Os planos do Novo para a filiação de Salles envolvam lançá-lo
ao Senado daqui a 2 anos, algo ao qual Bolsonaro não se opôs,
segundo aliados.

O ex-presidente tem trabalhado para lançar o filho 03,
o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), a uma
das duas cadeiras que serão disputadas por estado
para o Senado e não viu com maus olhos a possibilidade
de dois aliados no Parlamento.
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Zé Maria

“O último signatário de um dos atos mais terríveis da ditadura, o AI-5,
que perseguiu, torturou, matou e censurou centenas de pessoas,
morreu hoje aos 96 anos: Delfim Netto.

Infelizmente, ele se vai sem ser julgado pelos seus atos.

No entanto, vai com suas mãos manchadas de sangue,
e quando lembrarmos dele, será apenas pelo sangue
e nada mais.”

https://x.com/slpng_giants_pt/status/1823015308405227838

Zé Maria

https://pbs.twimg.com/media/GUzW60oXQAA7g-2?format=jpg
https://pbs.twimg.com/media/GUzW60pWsAAkXsI?format=jpg

“A memória é uma arma política.

Não há perdão para quem nunca pediu perdão.

Delfim Netto foi a cabeça da economia da ditadura militar,
artífice de ‘milagres’ que nunca ocorreram, peça maior da Oban
e seu aparelho de tortura, do AI-5.

Minimizar isso agora é uma afronta à História.”

Professor VLADIMIR SAFATLE
Filósofo, Psicanalista,
Músico e Ativista Político
https://x.com/Safatle_oficial/status/1823082681737040217
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https://pbs.twimg.com/media/GUyyesxXkAAbIAB?format=jpg
“Delfim Netto [Ministro da Fazenda]
e a Hiperinflação da Ditadura Militar
no Traço do Ziraldo”
https://x.com/BernardoMF/status/1823028267353285094
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