Luis Felipe Miguel: Adeus, Líbano?

Tempo de leitura: 3 min
Luís Felipe Miguel: ''Integrantes do governo israelense falam abertamente na eliminação do Líbano como país ou, pelo menos, na instalação de um Estado tampão ao sul. A inação do mundo diante do genocídio em Gaza e a cumplicidade cada vez maior dos Estados Unidos empoderam os assassinos sionistas". Fotos: Reprodução/Redes sociais

Adeus, Líbano?

Por Luis Felipe Miguel (lfelipe.miguel), em seu perfil de rede social

Meu pai nasceu no Líbano – há 100 anos, completados neste janeiro, em Kfarsaroun, cidadezinha ao norte de Beirute.

Com três anos chegou no Brasil e fez todo o caminho do migrante em busca de adaptação. Até esqueceu o idioma árabe, algo que lamentaria pelo resto de sua vida.

Ele morreu com 92 anos, sem jamais ter retornado à terra natal.

Em minha casa, o Líbano esteve presente em algo da culinária, no jogo de gamão, no sotaque carregado de meu avô, sem nunca configurar uma identidade efetiva.

Mas a guerra civil no Líbano marcou a minha infância. Eu era um menino politizado que acompanhava precocemente partes do noticiário, e o conflito naturalmente despertava atenção na minha família.

Meu avô era cristão ortodoxo, mas entendia que os reclamos dos libaneses muçulmanos – mais pobres, afastados do poder por uma regra que congelou a ocupação dos cargos pela distribuição demográfica dos grupos religiosos em 1934 – eram justos.

A conflagração durou longo tempo e logo se misturou com outros conflitos regionais. Ficou cada vez mais claro que o grande problema estava em seu poderoso vizinho, Israel, que se tornou participante central de uma guerra cada vez menos civil.

Apoie o jornalismo independente

Sob o pretexto permanente de uma curiosa “autodefesa” que se manifesta sempre de maneira muito agressiva, Israel passou a fazer incursões mortíferas no território libanês.

Pai de Luís Felipe Miguel nasceu no Líbano, em Kfarsaroun, cidadezinha ao norte de Beirute. Faleceu aos 92 anos

Lembro com clareza da comoção causada pelo massacre de Sabra e Chatila. Milhares de libaneses muçulmanos e de palestinos foram chacinados por milícias cristãs apoiadas pelos sionistas.

Embora a guerra civil tenha oficialmente terminado após longos 15 anos, em 1990, a impressão é que o Líbano jamais deixou de estar em conflito. Beirute, que um dia foi “a Paris do Oriente Médio”, tornou-se sinônimo de devastação incessante.

Quando me tornei professor da UnB, o então Instituto de Ciência Política e Relações Internacionais vivia uma batalha fratricida (que só terminou com sua cisão em duas unidades separadas). Os colegas me diziam, quando eu contava onde estava lecionando: “Aquilo lá é o Líbano!”

Pois é.

Agora, Israel começou uma nova onda de agressões ao Líbano. Como de costume, o assassinato de um alvo específico (um dirigente do Hezbollah ou do Hamas, no caso) justificaria a morte de dezenas ou centenas de civis.

E a destruição de toda a infraestrutura física, de estradas e prédios residenciais a escolas e hospitais, seria justificada pela necessidade de impedir seu uso por grupos armados – mais uma vez, com milhares de mortos como “dano colateral”.

Integrantes do governo israelense falam abertamente na eliminação do Líbano como país ou, pelo menos, na instalação de um Estado tampão ao sul.

Eles já tentaram isso antes e foram derrotados, é verdade.

Mas a inação do mundo diante do genocídio em Gaza e a cumplicidade cada vez maior dos Estados Unidos empoderam os assassinos sionistas.

Eles sentem que podem cometer todas as atrocidades impunemente. A ameaça à sobrevivência do Líbano é real. Israel é hoje a maior ameaça à paz no mundo.

Esperamos, do governo brasileiro, um passo além das declarações retóricas.

Esperamos o rompimento de relações com o Estado sionistas e a solidariedade concreta às suas vítimas.

Em nome de nossa humanidade comum. Em nome dos direitos do povo palestino. E agora, também, em nome da numerosa colônia libanesa no Brasil.

*Luis Felipe Miguel é professor do Instituto de Ciência Política da UnB. Coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades – Demodê (@demode.unb). Autor, entre outros livros, de Democracia na periferia capitalista: impasses do Brasil (Autêntica). [https://amzn.to/45NRwS2]

Apoie o jornalismo independente


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

Nenhum comentário ainda, seja o primeiro!

Deixe seu comentário

Leia também