Ken Loach: ‘Trabalhismo venceu, mas não é um partido de esquerda; Starmer, apenas um oportunista’

Tempo de leitura: 3 min

O Trabalhismo venceu, mas não é um partido de esquerda

O líder trabalhista Keir Starmer não é um moderado, não é um centrista, mas sim um político de direita, intransigente e orientado para o livre mercado

Por Ken Loach*, em A Terra é Redonda

A vitória dos trabalhistas não é motivo para comemorar. Bem, é uma boa notícia que os conservadores de direita tenham perdido, mas é uma má notícia que a direita e o Partido Trabalhista tenham vencido. Um partido neoliberal.

Acho que já faz algum tempo que está claro que eles venceriam, mas o que não está claro para quem não mora na Inglaterra é que hoje o Partido Trabalhista não é o partido dos trabalhadores, mas o das grandes empresas. É o partido dos grandes negócios.

O seu líder, Keir Starmer, é um oportunista. Ganhou a liderança do partido prometendo água, ferrovias e correios públicos, mas uma vez obtida, desconsiderou essas promessas: mais de 200 mil membros se desfiliaram depois de algumas semanas, foi uma espécie de expurgo.

A tarefa de Keir Starmer era convencer os meios de comunicação de direita e a BBC de que o país estava seguro, que nada mudaria: aproximou-se cada vez mais dos conservadores, no final das eleições quase não havia diferença entre eles.

Que os ricos continuarão ricos. Não haverá propriedade pública, nem políticas radicais.

O Reino Unido continuará a fornecer armas. Para Israel, por exemplo.

Keir Starmer deveria ser um advogado dos direitos humanos, mas ignora os direitos dos palestinos e orgulhosamente se autodenomina um sionista. Ele é um homem de direita.

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A esperança continua de esquerda, mas precisamos nos organizar.

Um caminho existe, a classe operária tem a mesma força de sempre, porque faz tudo: produz serviços, transportes, tudo. Mas se não agir para proteger os seus interesses, cai na propaganda de extrema-direita, e isso destrói a esperança.

Porque a extrema direita sempre apoiará o status quo, as grandes empresas. É dali que vem o dinheiro deles, mas os políticos de direita dirão o que a classe operária gosta de ouvir.

No entanto, basta olhar para suas ações: eles são favoráveis a mais privatizações, eles destruiriam completamente o sistema de saúde pública.

O ex-líder trabalhista Jeremy Corbin foi eleito como independente. Eu o apoiei e também apoiei a sua candidatura publicamente.

Veja, há uma coisa interessante: a votação trabalhista aumentou ligeiramente em termos proporcionais.

Esta eleição não foi uma vitória dos Trabalhistas, mas uma rejeição dos Conservadores: as pessoas votaram em quem pudesse expulsá-los.

Os Trabalhistas obtiveram um terço abundante, o que lhes dá uma grande maioria: é o sistema eleitoral.

Para ganhar as eleições hoje é não basta ser moderado, é preciso ser mentiroso.

Keir Starmer não é um moderado, não é um centrista, mas sim um político de direita, intransigente e orientado para o livre mercado. Ele simplesmente se veste de maneira diferente.

O Labour é um partido de negócios e reiteraram isso: não tributarão os lucros dos banqueiros, não aumentarão os impostos das grandes empresas.

Farão crescer a economia à custa da Grã-Bretanha, lucrando com a força de trabalho, explorando os baixos salários e os sindicatos fracos. Keir Starmer não tem nada a ver com sindicatos, ele os ignora.

Não creio que Rishi Sunak, o primeiro-ministro que deixa o cargo, merecesse toda a hostilidade pessoal a que foi submetido, pois foram Boris Johnson e Liz Truss que destruíram os Conservadores.

Nigel Farage é um populista, uma espécie de Donald Trump. Um homem de direita que afirma falar em nome da classe operária, com quem você beberia alguma coisa. Obviamente, é uma fraude. O seu objetivo é dividir os trabalhadores, culpar os imigrantes e, ao mesmo tempo, cortar os impostos e acabar com os serviços públicos.

Le Pen e Bardella na França estão aí para negócios, estão com o capital, mas usam uma máscara e fazem-no muito bem.

Mas ouvimos falar pouco de como a esquerda está se unindo na França: ela obteve mais votos do que Emmanuel Macron, mas fala-se apenas dele. Chamam Macron de centro, eu o chamaria de direita, como Starmer na Grã-Bretanha.

Ao contrário da esquerda, a extrema direita não mudará o equilíbrio de poder e, embora desagradável, no final prefere-se a direita à esquerda, pois essa lhes tiraria o poder e a riqueza: foi isso que causou o fascismo e o nazismo.

Donald Trump é o desastre final, uma tragédia global. Mas os Democratas são mais uma vez muito de direita.

Joe Biden claramente não consegue lidar com as coisas, é apenas um exemplo grosseiro de vaidade pessoal – os Democratas deveriam ter dito isso desde o início, mas os mecanismos financeiros e políticos são tão corruptos que não conseguem remover alguém que é claramente incompetente.

*Ken Loach é cineasta britânico. Dirigiu, entre outros filmes, Você não estava aqui.

Texto estabelecido a partir de entrevista concedida a Federico Pontiggia.

Tradução: Anselmo Pessoa Neto.

Publicado originalmente no portal Il fatto quotidiano.

*Este texto não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.

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Comentários

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Nelson

Baita rateada.

Na pressa em publicar o comentário, acabei esquecendo de uma palavra importante: nazismo. A frase a seguir deveria ter sido escrita assim:
Gelfenstein conta, comprovando com dados, que as ditas democracias europeias “mantiveram vivo” O NAZISMO desde o final da 2ª Guerra Mundial.

Nelson

É lamentável, mas temos que concordar com a afirmação de Ken Loach.

Em recente artigo, o diplomata venezuelano Sergio Rodríguez Gelfenstein expõe os motivos da ascensão tão grande da ultradireita. Gelfenstein conta, comprovando com dados, que as ditas democracias europeias “mantiveram vivo” desde o final da 2ª Guerra Mundial. Inclusive, livraram uma enorme quantidade de membros do nazismo dos Julgamentos de Nuremberg e colocaram alguns em altos cargos, na ONU e, também, em governos da Europa.

No artigo, o diplomata se reporta a um texto do ex-tenente espanhol Luiz Gonzalo Segura: “Para se ter uma ideia desse avanço tão brutal da ultradireita, basta assinalar que não tinha representação parlamentar no ano de 2010 na Estônia, Eslovênia, Eslováquia, República Checa, Alemanha, França, Portugal ou Espanha. Agora não só tem nesses países como aspira a governar”.

O diplomata venezuelano cita ainda outro trecho interessante do artigo em que Segura liga o crescimento da ultradireita diretamente à crise do sistema capitalista: “é a válvula de escape de que se utiliza a onda de opressão capitalista para liberar tensões e regular a temperatura. É o batalhão com o qual as elites mantêm seu poder quando chega a hora de arrochar a cidadania – aumento da desigualdade e da pobreza enquanto cresce o número de milionários – e, chegado o caso, a ultradireita é também um mal menor”

O artigo de Sergio Gelfenstein foi publicado em duas partes e pode ser lido em:
https://rebelion.org/por-que-se-sorprenden-por-los-avances-de-la-ultraderecha-i/
e
https://rebelion.org/por-que-se-sorprenden-por-los-avances-de-la-ultraderecha-y-ii/

Zé Maria

A Descrição Inicial Realizada
pelo Cineasta Britânico, acima,
parece a Biografia de Tony Blair.

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