Juristas que denunciaram o golpe de 2016 lançam livro imperdível nesta quinta

Tempo de leitura: 6 min

por Conceição Lemes

Atualmente, a quem devemos recorrer em casos violação de direitos e princípios da Constituição brasileira?

Espantou-se com a pergunta?

Está em dúvida sobre o que responder?

Perdeu totalmente a confiança no nosso sistema de Justiça, incluindo o Supremo Tribunal Federal (STF), que tem abdicado do seu papel de zelar pelo cumprimento da Constituição?

Pois esse sentimento não é só seu.

É uma das consequências do golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, derrubada sem crime de responsabilidade com a cumplicidade do STF, cujos ministros não moveram uma palha sequer para reverter a ilegalidade e a injustiça.

Retrato da avassaladora hegemonia do reacionarismo no Judiciário, onde reinam o punitivismo, a partidarização com viés conservador, o esvaziamento e até afronta à Constituição de 1988, com ataques aos direitos nela consagrados.

Felizmente, há juristas no Brasil que se movimentam contra a corrente.

Cinco deles lançam nesta quinta-feira (04/05), em São Paulo, o livro Brasil em fúria:  Democracia, Política e Direito — Os anos que abalaram o País.

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São nomes conhecidos no meio jurídico, dos movimentos sociais e de leitores do Viomundo: Marcio Sotelo Felippe, Marcelo Semer, Rubens Casara, Giane Ambrósio Alvares e Patrick Mariano.

Brasil em fúria reúne artigos publicados originalmente no Justificando, entre 2014 e 2016, sobre o processo de impeachment, o papel do Judiciário, criminalização da política, punitivismo, o crescimento do fascismo na sociedade brasileira.

O prefácio, belíssimo por sinal, é do professor Alysson Leandro Mascaro, da Faculdade de Direito da USP, do Largo São Francisco.

Sobre os autores, ele diz:

Juristas de altíssima formação, reúnem as mais variadas experiências profissionais – na advocacia, na magistratura e na procuradoria – a um compromisso sólido e profundo com o povo, a classe trabalhadora e os explorados.

(…)

São cinco dos melhores personagens de nossa atual história. Suas palavras e este livro devem ser lidos como testemunhos de quem não se calou: vozes que ecoam o contracanto do hoje e, quiçá, sejam vozes de prenúncio do canto geral do futuro.

Sobre o livro (o negrito é nosso):

(…) Tem a beleza de tocar sentimentos e esperanças que se assombram e se indignam  com a tragédia do imediato político do país e do mundo,  mas, ao mesmo tempo,  tem uma  fina tessitura de um pano de fundo da crítica: atrás dos belos e horrendos atores no palco político-jurídico, denunciam haver a tela e o maquinário  do capital, da mercadoria, da acumulação. 

Dança-se e fala-se à frente, sabendo-se agora que pelas costas há punhais à espera de uma dinâmica sem fim da exploração.

Estrutura-se em quatro eixos.

O primeiro deles, fascismo, chama  a sensibilidade do leitor para o momento  em que, mais uma vez, o capitalismo atravessa contradições  agudas que  são resolvidas, via de regra, pela  exacerbação da exploração, da opressão e da perseguição.

Os regimes do horror do século XX não foram um ponto fora da curva do capitalismo: são, sempre, uma de suas margens próprias.

Este livro se inaugura com o imperativo de denunciar,  nos fatos quotidianos e nos acontecimentos políticos que se apresentam, a escalada atual fascista, buscando contê- lo ou, ao menos, deixando registros para a história da infâmia.

segundo eixo trata dos direitos humanos.

(…) No caso brasileiro contemporâneo, o rápido retrocesso institucional  dos direitos humanos  prova como são frágeis e reflexos das materialidades das relações capitalistas. Dos trabalhadores das periferias às minorias, com tal retrocesso, tem sofrido ainda mais um povo explorado e oprimido.

Num terceiro bloco, a democracia entra  em  cena. Uma leitura crítica há de tirá-la do pedestal que a louva como espaço de liberdade  e igualdade política entre todos, para então entendê-la como forma política específica da reprodução do capital.

Nesse contexto, todas as democracias não são governo do povo nem tampouco são garantidas pelas próprias instituições jurídico-políticas. O capital está acima do voto.

No caso brasileiro, que saiu de uma ditadura militar na década de 1980, as fissuras estruturais da presente democracia são enormes, somadas às investidas presentes de um golpe contra uma presidenta eleita.

Na parte conclusiva do livro, a Justiça é levada à berlinda. Os poderes judiciários brasileiros e o mundo  jurídico a eles correspondente – ministérios públicos, OAB, polícias e, lato sensu, cultura jurídica e meios de comunicação de massa – são destrinchados, analisados e denunciados  como partes não apenas omissas, mas, sim, estruturalmente partícipes de uma brutal derrocada institucional, social, econômica e política.

 Julgamentos parciais, moralismos à Savonarola, total correspondência entre a política jurídica e judicial e os interesses de partidos e movimentos à direita e, ainda, uma simetria ímpar entre o direito e o interesse do capital internacional contra o capital nacional são elementos apontados de modo engajado. Ao menos a história lerá que houve, em nosso tempo, denúncia e resistência contra o regresso.

Marcio Sotelo, Marcelo Semer, Rubens Casara, Giane Alvares e Patrick Mariano são expoentes do pensamento crítico.

Os cinco pensam fora da caixa.

Particularmente, gosto muito do que escrevem e como escrevem. Sou fã, mesmo.

Recomendo entusiasticamente o livro.

Aproveitei a leitura do PDF dos originais e matei algumas curiosidades, perguntando um pouco mais.  Vejam o que nos responderam.

Brasil em Fúria retrata um período de efervescência política no qual a direita foi a maior beneficiada. Como críticos da área do Direito, foi difícil retratar esse período?

Os nossos artigos começaram a ser publicados no site jurídico Justificando em anos difíceis e tristes da história brasileira.

Inicialmente, não tínhamos a ideia de fazer um livro, apenas escrever inquietações e compartilhar olhares sobre o sistema de justiça, a política, o direito penal e a democracia.

Há, entre nós, e isso fica bem nítido no livro, uma sintonia e afinidade ideológica, de forma que os textos se entrelaçam e o olhar de uma aguça e complementa o do outro, embora cada um venha de uma área profissional específica de atuação no direito.

Então, ao mesmo tempo em que assistíamos perplexos aos acontecimentos, a rotina semanal da coluna nos levou a registrar, cada um a seu modo, o que mais nos tocava, claro que com certa angústia e apreensão.

Os textos dos cinco fogem totalmente do convencional na área do direito. Sem se colocarem no pedestal, vocês usam uma linguagem direta, clara.  Foi difícil quebrar o paradigma do pedantismo, arrogância?

Muito difícil. Basta assistir aos debates do STF para ver que o uso de termos jurídicos rebuscados e palavras distantes da maior parte da população brasileira servem para conferir um ar de superioridade, além de representar códigos de poder. O ensino jurídico brasileiro, infelizmente, ainda não saiu do século passado e o positivismo ainda não foi superado. A coluna no Justificando nos deu liberdade total. Se não fosse assim, talvez o livro não saísse, pois, para escrever, é fundamental a liberdade de forma e do pensamento.

O golpe parlamentar-jurídico-midiático completou um ano em 17 de abril. Vocês imaginavam que o Brasil chegaria a esse estado trágico de desmonte dos direitos sociais e a essa indigência moral?

No livro há algumas previsões e projeções do lugar em que poderíamos chegar, se as coisas caminhassem do jeito que estavam.

O golpe foi arquitetado pela FIESP, Globo, Poder Judiciário e por aquilo que havia de mais indigente na política brasileira. O acerto dessas elites foi estabelecido nessas bases: criminalizar a política seletivamente, destruir direitos sociais, ampliar o Estado policial e aumentar o lucro dos empresários.

O livro retrata um pouco esse acerto e traz à cena protagonistas improváveis de um Brasil que ainda se busca enquanto nação.

Que protagonistas?

São pessoas em situação de rua, personagens de filmes e livros, trabalhadores e trabalhadoras, autoridades, etc.

Há nos textos, também, a busca para um olhar a partir do ponto de vista das pessoas mais vulneráveis do sistema capitalista, dos esquecidos, daqueles que mais pagam o preço da voracidade e egoísmo dos de cima.

Niemeyer dizia que “o fodido não tem vez”, mas que a sua arquitetura poderia ao menos servir para que esses tivessem um momento de alento ao contemplá-la, já que dificilmente usufruiria desses espaços de poder.

Essa busca, cremos, deve ser o ponto de partida de toda análise. É isso que tentamos fazer em cada texto escrito, fugindo da lógica técnica e fria que perpetua desigualdades e reproduz injustiças de toda ordem.

OS AUTORES

Giane Ambrósio Alvares é advogada, mestre em Processo Penal pela PUC–SP e membro da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares.

Marcelo Semer é juiz de Direito e escritor. Membro e ex-presidente da Associação Juízes para a Democracia (AJD). Mestre em Direito Penal e doutorando em Criminologia pela USP. Responsável pelo blog Sem Juízo.

Marcio Sotelo Felippe foi procurador do Estado (SP) e ocupou o cargo de procurador-geral do Estado de 1995 a2000. Exerceu docência nas disciplinas Filosofia do Direito e Introdução ao Estudo do Direito. Foi diretor da Escola Superior da Procuradoria Geral do Estado (pós-graduação lato sensu) e membro da Comissão da Verdade da OAB Federal.

Patrick Mariano é advogado e escritor. Mestre em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília e integrante da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares.

Rubens Casara é juiz do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Doutor em Direito, Mestre em Ciências Penais, professor universitário, membro da Associação Juízes para a Democracia (AJD) e do Corpo Freudiano.

PS do Viomundo: O lançamento de Brasil em fúria será na Livraria da Vila, alameda Lorena, 1731, das 19 às 22h.

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