José Avelange Oliveira: Onda em defesa da democracia deve ser organizada cidade a cidade

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Agricultores da Índia protestaram contra a presença de Bolsonaro no país. Reprodução

Cidade por cidade: Uma outra onda possível

Por José Avelange Oliveira*

É bem provável que a forma mais eficaz de se evitar a completa imbecilização de boa parte dos brasileiros, superexpostos ao discurso neopentecostal e neoconservador, seja o fomento consciente e persistente de iniciativas ligadas à defesa do Estado Democrático de Direito, cidade por cidade, Brasil afora.

Todos os que são capazes de reconhecer e se preocupar com a onda fascistóide crescente, no país e no mundo, tendem a concordar quanto a essa premissa que, por sua vez, pressupõe ao menos duas perguntas fundamentais: Quem? De que maneira?

Possivelmente existem ainda, em cada município, algumas lideranças minimamente lúcidas, capazes de reconhecer o retrocesso da democracia a que estamos assistindo, ultimamente.

É provável que estes líderes comunitários, de bairro, influenciadores locais, etc. estejam desperdiçando muitas energias, em rede social ou presencialmente, com a mera defesa verbal daquilo em que acreditamos.

Urge trocar esta postura praticamente estéril por iniciativas concretas que, se tomadas isoladamente, podem parecer inócuas, mas, uma vez que sejam replicadas em cada cidade ou localidade, chegarão a representar algo bastante significativo para uma nova redemocratização necessária ao país.

Um líder ou uma líder, cada qual com suas irrenunciáveis e diferentes características humanas, ali mesmo onde mora, pode começar a mobilizar pessoas ainda não contaminadas pelo nazifascismo, preferencialmente compondo um grupo enxuto que contemple a diversidade de aptidões profissionais e artísticas locais.

Evidentemente estamos partindo daquela mesma noção dos Comitês Pela Democracia, incentivados por ocasião do Lula Livre, só que desta vez primando pela agregação de indivíduos em perspectiva muito mais abrangente, a fim de não se confundir tal iniciativa com um diretório partidário.

Formado o grupo, sua liderança principal precisa propor um conjunto de atividades, em diferentes frentes, distribuindo tarefas, conforme as aptidões e talentos ali identificados.

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Uma cidade pequena, de alguma forma mobilizada, no interior do país, passaria despercebida há algum tempo atrás, mas, não atualmente, com as tecnologias da informação tão acessíveis.

Daí porque, os talentos existentes em cada grupo popular criado precisam ser provocados a produzir formas criativas de fazer chegar ao conhecimento público e às autoridades devidas a efetividade e permanência da luta contra o desmonte do Estado Democrático de Direitos, em cada região.

Fotografias artísticas, vídeos, manifestações bem documentadas, formação política aberta ao povo, etc.

Tudo ao mesmo tempo, em vários lugares do país, são exemplos de ações possíveis de serem implementadas, replicadas, registradas e amplamente divulgadas, criando assim uma outra onda possível, boa para suplantar aquela depura ignorância fascistóide sobressalente, até aqui.

Dirão talvez os mais céticos que algo disso já foi tentado, que as pessoas estão acomodadas em sua zona de conforto – e de fato estão – mas não é necessário arrebanhar multidões inicialmente, quando se trata de começar a produzir algo com potencial para fazer a diferença, neste cenário político-social deprimente em que nos encontramos.

É importante, em vez de nos preocuparmos apenas com números, observar a força dos símbolos e das palavras, para bem e para mal.

Aparentemente duas noções gerais, impulsionadas por fake news perversas, alavancaram a onda antidemocrática, no Brasil.

São elas a noção de que a violência ultrapassou em muito os limites suportáveis – o que é verdade – e de que os valores espirituais e familiares se perderam completamente, por uma espécie de ateísmo e depravação dos últimos governos.

Assim foi que aqueles que apareceram espertamente falando em Deus e em repressão policial lograram ganhar as eleições, mesmo quando o pacifismo e o moralismo deles não passavam de verniz e marketing.

O fato é que o povo brasileiro parece sedento de Deus, de ordem pública, de paz e, se insistimos em parecer que somos adversários destes conceitos, seja pelo excesso de vermelho, que na esquerda se utiliza para simbolizar o sangue dos que tombaram na luta e na direita se interpreta como sinal de violência atribuída a certos movimentos sociais, vamos perder ou nem chegaremos a conquistar o apoio de um sem número de cidadãos, presas fáceis daqueles que bem aprenderam a explorar a insegurança, o medo e a sede de paz das pessoas.

Não precisamos abrir mão de defender o estado laico, nem de utilizar determinadas cores em nossas manifestações, mas, não custa observar, respeitar um pouco mais a fé e os costumes do povo, em seu estágio atual de desenvolvimento, nem custa perceber que não se pode permitir que neonazis se apropriem das cores e símbolos nacionais, como os conservadores fossem, apenas eles, brasileiros.

É o que acabamos permitindo, esse tempo todo, ao que tudo indica, ao usarmos tão pouco destas cores e símbolos, em nossas lutas.

Não se trata também de sairmos por aí vestindo a camisa da CBF, porque já sabemos em qual time joga quem fez isso, ultimamente, mas de mesclar um pouco, quem sabe, o vermelho com as demais cores que suscitem na opinião pública despolitizada uma impressão menos desconfiada dos progressistas, de quem ouvem dizer que são todos comunistas, no sentido mais distorcido da palavra.

A sugestão aqui é, portanto, para que cada um de nós, nos mais diversos ou distantes rincões do país, comecemos sem demora a construção de uma nova onda pela democracia, por meio da mobilização simpática de pessoas que, com sua diversidade de talentos, venham a produzir ações criativas, ali onde vivem, divulgando-as amplamente pela internet e por todos os meios possíveis, já que a experiência mostra como as mudanças necessárias não costumam vir dos gabinetes, a menos quando devidamente pressionados.

Por isso, é preciso reconhecer e aderir a este fio tênue de esperança planejada, sem o qual continuaríamos desanimados e até omissos, apesar de tão falastrões, em rede social.

As redes sociais serão muito importantes para nós, quando se tornarem veículo de propagação desta outra onda possível, talvez melhor inspirada em Gandhi que em Che, porque, conforme sinalizado anteriormente, a pecha de materialistas e apoiadores da libertinagem e violência, contra o campo progressista, infelizmente colou e surpreendentemente pessoas do povo passaram a repetir esse discurso, recusando-se a ouvir quem prima por seus interesses e aliando-se àqueles que lhes retiram direitos conquistados.

Não é questão de se curvar ao neo conservadorismo em moda. É questão, portanto, de sermos bem sagazes, a meu ver, em nossa nova luta pró-democracia.

*José Avelange Oliveira, Licenciado em Letras pela Universidade Estadual da Bahia, autor do livro Celebridades Decadentes e Outros Episódios Cotidianos, pela Editora PerSe.

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