JN: Como a PGR partidarizada sentou-se sobre investigação do gabinete do ódio
Tempo de leitura: 6 minAtos antidemocráticos: inquérito da PF cita ‘rachadinha’, dinheiro do exterior e uso de verba federal
Relatório da Polícia Federal indicou, em janeiro, que era preciso aprofundar investigações. Cinco meses depois, PGR defendeu arquivamento do caso. Atos pregaram rompimento institucional.
A Polícia Federal indicou pelo menos seis linhas adicionais de investigação no relatório parcial do inquérito que apura a organização de atos antidemocráticos no país em 2020.
A PF pediu novas diligências à Procuradoria-Geral da República em janeiro mas, cinco meses depois, a PGR pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) o arquivamento do caso – sem fazer diligências adicionais.
As investigações dos atos antidemocráticos apuram o financiamento e a organização de manifestações realizadas em abril do ano passado.
A abertura do inquérito foi pedida pela PGR e autorizada pelo STF.
As manifestações levantaram causas inconstitucionais, como ataques ao Congresso e ao STF e apologia ao AI-5, considerado o ato mais repressor da ditadura militar.
Parlamentares e blogueiros bolsonaristas são investigados no inquérito.
A TV Globo teve acesso ao relatório parcial da PF, enviado à PGR no início do ano.
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No documento, a corporação diz ter encontrado indícios de que apoiadores e parlamentares bolsonaristas discutiram ações para a propagação de discursos de ódio e a favor do rompimento institucional.
Ao longo do relatório, a Polícia Federal indica uma série de linhas para o aprofundamento das investigações. Essas sugestões incluem:
— apurar uma suposta articulação para evitar que um sócio do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos fosse chamado para depor à CPI das Fake News;
— conferir se houve direcionamento de verbas do governo federal para sites e canais bolsonaristas;
— investigar repasses a uma empresa de tecnologista ligada à publicidade do Aliança pelo Brasil (partido que Jair Bolsonaro tentou fundar) e que também prestou serviço para parlamentares governistas;
— apurar valores repassados por servidores públicos ao blogueiro Allan dos Santos, incluindo uma funcionária do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES);
— investigar a existência de um braço estrangeiro de financiamento dos atos antidemocráticos, contando com um acordo de cooperação internacional com o Canadá;
— aprofundar investigações sobre uma possível “rachadinha” em gabinetes de deputados governistas na Câmara dos Deputados, com o redirecionamento das verbas para o financiamento dos atos antidemocráticos.
Um despacho obtido pela TV Globo mostra que o relator do caso no STF, ministro Alexandre de Moraes, enviou esse relatório parcial da PF à PGR em 4 de janeiro.
A resposta da PGR, sem aderir às sugestões de diligência, saiu nesta semana.
A PGR afirmou à TV Globo que recebeu o inquérito em fevereiro.
Documento obtido pela reportagem, no entanto, indica que o relatório deu entrada na procuradoria em 5 de janeiro.
A PGR também diz que fez uma “auditagem” da investigação feita pela PF, mas não providenciou novas diligências.
Ao pedir o arquivamento, o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, apontou a falta de aprofundamento nas investigações da Polícia Federal.
Disse, por exemplo, que os policiais não seguiram o rastro do dinheiro usado para organizar e financiar os atos, e que não haveria mais prazo razoável para fazer isso após um ano de inquérito.
O ministro Alexandre de Moraes ainda vai analisar o pedido de arquivamento feito pela PGR e o material produzido pela PF.
Linhas de investigação
Ao longo do relatório, no entanto, a PF sugere aprofundar a investigação em diferentes linhas. Veja abaixo detalhes de algumas delas:
Blogueiro e CPI das Fake News
A Polícia Federal quer ampliar a apuração sobre o blogueiro Allan dos Santos – um dos principais aliados de Jair Bolsonaro, com forte influência sobre deputados da chamada “base ideológica” do governo.
A PF identificou a articulação e a atuação de integrantes do grupo para evitar que um sócio de Allan dos Santos fosse convocado para depor na CPI das Fake News, na Câmara. O tema foi debatido em um aplicativo de mensagens de celular.
Repasses federais a apoiadores
A PF fez uma série de cruzamentos de dados de empresários, políticos e apoiadores do governo.
Outra linha de investigação sugerida trata do possível direcionamento de repasses federais para que sites e outros canais bolsonaristas atacassem as instituições.
A Polícia Federal também pede, especificamente, investigações adicionais sobre a Inclutech Tecnologia, do empresário Sérgio Lima.
A empresa ficou responsável pela marca do partido Aliança pelo Brasil, que Bolsonaro pretendia criar.
A firma recebeu R$ 1,7 milhão de reais pelo projeto, mas também recebeu valores da cota parlamentar de deputados bolsonaristas do PSL.
Segundo o relatório, os deputados Aline Sleutjes, Elieser Girão, José Negrão Peixoto e Bia Kicis pagaram R$ 30,3 mil à Inclutech.
A PF diz no documento que, segundo Sérgio Lima, tais valores “estariam relacionados a prestação de serviço de desenvolvimento de redes sociais de tais parlamentares”.
Os policiais não chegaram a concluir se os recursos impulsionaram a divulgação dos atos antidemocráticos.
Neste caso, a PGR defendeu que o tema seja enviado para a primeira instância, alegando que a suspeita recai sobre pessoas sem foro privilegiado.
Repasses de servidores a blogueiro
A Polícia Federal também apreendeu uma planilha indicando valores repassados por servidores públicos ao canal do blogueiro Allan dos Santos.
A lista inclui uma transferência de R$ 70 mil feita por uma servidora do BNDES a um sócio do blogueiro.
Entre abril e maio de 2020, período do auge dos atos antidemocráticos, houve quase 650 transações para Allan sem identificação de CPF.
“A quantidade de doações, o valor repassado por servidores públicos, a forma do repasse […] indica a necessidade de compreender os fatos e circunstâncias”, diz o relatório da PF.
Financiamento estrangeiro
A PF propôs, em outra linha de investigação, aprofundar a apuração sobre a existência de um braço estrangeiro para financiar os atos antidemocráticos.
O elo, segundo a Polícia Federal, seria o empresário João Bernardo Barbosa, sócio de Allan dos Santos que mora em Miami (EUA).
Investigadores apontam a possibilidade de que os valores tenham sido enviados ao exterior para o recebimento de recursos da chamada “monetização” de páginas bolsonaristas.
Segundo a PF, um pedido de cooperação internacional foi feito à Justiça do Canadá para que o Brasil receba dados adicionais sobre os fatos.
‘Rachadinha’ na Câmara
Outra linha de investigação sugerida trata da possibilidade de uma “rachadinha” ter financiado a rede de ódio.
A “rachadinha” é a prática de o parlamentar ficar com parte dos salários dos servidores do gabinete.
A PF afirma que a deputada Aline Sleutjes (PSL-PR) recebeu diversos depósitos de funcionários do gabinete em suas contas bancárias.
Os investigadores pedem maior apuração sobre esses repasses.
A parlamentar afirmou à corporação que os valores transferidos são legais e se referem, por exemplo, à quitação de um empréstimo feito a seu auxiliar.
Relação entre blogueiros e o Planalto
Em outra frente, a PF defende a apuração de possíveis conexões entre Allan dos Santos e a comunicação oficial do governo federal.
Segundo o relatório, um bilhete encontrado na casa do blogueiro expõe as seguintes ideias:
“Objetivo: materializar a ira popular contra os governadores/prefeitos; fim intermediário: saiam às ruas; fim último: derrubar os governadores/prefeitos.”
Ainda de acordo com a PF, esses “objetivos antidemocráticos externados em manuscritos apreendidos na residência de Allan dos Santos têm de ser interpretados em conjunto com o interesse demonstrado (e ratificado nos relatórios em análise) em obter espaço junto à área de comunicação do governo federal”.
Os investigadores citam que, em 2020, Allan dos Santos enviou mensagens ao tenente-coronel Mauro Cesar Cid, ajudante de ordens do presidente Jair Bolsonaro, tentando influenciar e provocar o rompimento institucional com os atos antidemocráticos.
A troca de mensagens aparece no depoimento de Mauro Cesar Cid à PF.
O blogueiro diz: “As FFAA [Forças Armadas] precisam entrar urgentemente”.
Mais apurações
No relatório, a Polícia Federal também trata das relações entre o blogueiro Allan dos Santos e o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).
Pela internet, os dois combinaram um movimento que pedia a saída do então presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
“No dia 17 de abril do ano passado, o deputado Eduardo Bolsonaro e Allan dos Santos conversam, sobre a #ForaMaia. […] Na mesma ocasião, Allan dos Santos chama o deputado federal Carlos Jordy (PSL-RJ) para participar ao vivo da transmissão pelo YouTube. Após Jordy perguntar sobre o que seria, Allan afirma: ‘Bater no Maia’.”, diz trecho do documento.
A PF utilizou uma investigação da empresa Atlantic Council, uma organização que tem parceria com o Facebook para analisar grupos responsáveis por disseminar desinformações em eleições democráticas.
A corporação obteve dados externos para checar a consistência dessa investigação e identificou dois acessos de Eduardo Bolsonaro a uma das contas apontadas.
A PF diz, no entanto, que o cenário é provisório em razão de pendências em dados de órgãos públicos, incluindo a Presidência da República e o Senado Federal.
Faltou informação, também, da Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, onde atua o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos), filho do presidente.
“Foi comunicado que tal instituição não possui arquitetura de registro de logs de acesso à internet, Logo, não teriam como fornecer dados que pudessem individualizar os usuários da internet no ambiente do mencionado órgão público”, afirma o relatório da PF.
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