Jorge Wilheim: O doce veneno do pragmatismo
O bravo jornalista anarcossocialista Mino Carta baixou bronca no PT, partido que apoia, sem nele militar, desde sua fundação, irritado em vê-lo praticar deslizes éticos, habituais em outros partidos, mas que um PT deveria evitar. A criação do Partido dos Trabalhadores, em 1980, trazia esperança para todos os que ansiávamos pela rápida superação da “abertura lenta e gradual”.
Havia, contudo, algo de Rousseau no ar. Trabalhador era visto como “o bom selvagem”, ainda não corrompido. Talvez houvesse exagero nessa expectativa. Na militância desse então novo partido, surgiram diversos grupos, dando-lhe vitalidade com suas conflitantes convicções.
Além deles, percebiam-se duas posições básicas: os que defendiam um comportamento radical e os pragmáticos, objetivando, como todo partido, a conquista do poder político legítimo. É óbvio que esta corrente levou a melhor, pois, caso contrário, além de dificuldades eleitorais, o PT não conseguiria governar. Porém, o pragmatismo é fluido, como concordaria Baumann, e percorre múltiplos vasos comunicantes, inclusive os da corrupção. Com isso, começou o empalidecer dos princípios, ainda que se conservassem sempre os objetivos sociais.
O pragmatismo é termo genérico que, em política, serve para quase tudo. Mas ele é apenas instrumental, um modo de ser e agir, a serviço de algo mais sério: o patrimonialismo, que confunde o público com o privado de quem o pratica. Durante os períodos colonial e do Império, nem a igreja nem a adoção do Direito Romano alteraram a noção de que quem governa está autorizado a usar privadamente os bens públicos.
A primeira porque, em nome de Deus, tinha tradição na apropriação; o segundo porque gerou um conjunto de leis idealizadas que pouco correspondiam às práticas dos cidadãos, levando estes a múltiplas formas de contorná-las. Estou me referindo ao jeitinho, comportamento que requer alguma criatividade, mas também oferece a oportunidade da corrupção.
Em livro recente (“São Paulo, uma Interpretação”, 2011) apontei algumas características de nossa cultura: a miscigenação, que nos ensinou a conviver com o diverso; a relação com o território imenso, que incentivou mobilidade e gerou a cultura migrante e a atitude de conquistador, que não aceita os obstáculos de leis; a porosidade social segundo a qual, para fazer parte da classe dominante, é suficiente ter dinheiro; e, como ferramentas a serviço de conquistas individuais ou corporativas, o jeitinho e a corrupção, com o pretexto do pragmatismo, revelando uma indefinição entre o que é público e o que é privado.
O patrimonialismo tem se tornado muito evidente em seu uso pragmático, pernicioso e infiltrado. É notado inclusive no campo partidário, em que cada político espera ser tratado individualmente pelo governante, seja qual for o partido eleito, para permitir a governabilidade. O risco do PT é o de tornar-se um partido igual aos demais no que tange à tolerância patrimonialista.
Apoie o VIOMUNDO
Embora, seja feita justiça, não se conhece enriquecimento suspeito algum de suas lideranças. Contudo, critico porque torço: pelo já provável êxito do governo Dilma, pelos resultados positivos do novo prefeito Haddad e pelo prosseguimento da política de inclusão social. O bom governo da gestão Lula nunca esqueceu o compromisso de diminuir as diferenças, principal sintoma de subdesenvolvimento do continente. É, portanto, possível trabalhar com espírito público, sem recorrer a um pragmatismo fluido, perigoso quando destituído de princípios éticos.
JORGE WILHEIM, 84, arquiteto e urbanista, é autor de projetos como o vale do Anhangabaú e o Pateo do Collegio
Leia também:
Comentários
Valério Marcus
Os que não eram “pragmáticos”, vamos deixar assim, já abandonaram o partido, faz tempo. Não é possível aliar-se à direita mais retrógrada – Sarney, Maluf, Renan, Collor – e continuar posando de esquerdista. Chega de palhaçada.
Eugênia Loureiro
O PT mudou mas não mudou de lado. Quero um PT com idéias de esquerda consistentes, progressista, e sim, pragmático. Bem pragmático. Sem pragmatismo não se constrói nada e para governar é preciso pragmatismo. Como dizia o Betinho. A fome tem pressa. Viva o PT!
J Souza
Bote “pragmatismo” nesse partido… Acho que é o mais “pragmático”!
Julio Silveira
Odeio essa expressão “pragmatismo”, ela serve de justificativa para toda desqualificação quando faltam respostas para explicar o inexplicavel.
Me faz lembrar aquele militante de alto escalão, mui amigo e muito amado, que no auge de seu poder e sua vaidade se mostrou orgulhoso por sua comparação ao Golberi em entrevistas num veiculo que mais tarde lhe detonou. E depois disso, já fora de seu auge, quando flagrado com bom transito entre gente que faria revirar o estomado de bons esquerdistas justificou dizendo não ver nada demais já que precisava sobreviver e prestava serviço como Lobista.
E esse tipo de pragamentismo que está tirando a fé da cidadania sobre a possibilidade de ruptura com os tipos baixos de politica que sempre nos dominou, como a do rouba mas faz por exemplo, e que parece ninguém conseguirá nos libertar.
Leo F.
O partido precisa sair da sua zona de conforto eleitoral, (que aliás, não é perpetua e nem mesmo estável)levando o debate político ao público. Isso sim, estimula a militância e oferece o contraponto à opinião publicada.
Senão, corre o risco de cair na mesma armadilha da Concertación chilena, com Michele Bachelet ao centro.
Francisco
Nesse aniversário de dez anos, o PT deveria apresentar o patrimônio pessoal dos seus dirigente antes e depois do poder e, através de analistas isentos, atestar se o ganho patrimonial foi adequado.
Acredito que a imensa maioria foi adequado.
Essa estatistica e a distribuição de corruptos julgados pelo TCU por partido é a única estatistica que importa na hora do voto em São Paulo.
Marcelo de Matos
O que é pragmatismo? Encontramos o conceito, no Aulete digital: “Comportamento ou atitude, de pessoa ou grupo, que sempre busca resultados práticos, materiais, concretos”. Bom, não? Pragmatismo, porém, é coisa de mulher. A Dilma é pragmática. O homem é sonhador: quer entender os mistérios do mundo: lê Freud, Nietzsche, Lacan, Marx. Quem leu O Feijão e o sonho, de Orígenes Lessa, sentiu isso. A mulher, como as namoradas do ex-goleiro Bruno, preocupa-se mais em arrumar um namorado que tenha uma Range Rover. O PT é pragmático? A meu ver, bem menos do que poderia, ou deveria. Mino Carta não é o único crítico do PT que levanta a questão do moralismo. Muitos querem ver o partido espremido em um modelito de vestal. Às favas o moralismo e os moralistas. O PT tem que cumprir seu papel político sem frescuras. Aliás, está cumprindo muito bem. É o indutor da grande transformação econômica por que passamos: o Brasil dos próximos anos será o terceiro maior destino dos investimentos estrangeiros.
francisco pereira neto
Marcelo
Gostei do seu texto.
O Jarbas Passarinho quando foi assinar o A.I.5 não disse com todas as letras? “`As favas com todos os escrúpulos”
Porque cobram do PT essa postura de virgem imaculada?
Maldita hora em que o Zé Dirceu escolheu para o PT subir ao poder.
E pelo andar da carruagem, parece, por enquanto, muito difícil abatê-los. Pode vir o PIG, oposição que não existe, Millenium, STF, Rodrigo Lemos, Lulipe, Willian…Kkkkkkk
francisco pereira neto
Jorge Wilheim é um ex-tecnocrata muito bem avaliado em suas posições, especialista em urbanismo que serviu a vários governos na época da ditadura.
Mas nem por isso se comporta como tacanho, ao analisar coerentemente os governos Lula e Dilma.
Eu não o vejo no noticiário em rodinhas com políticos de partidos “A” ou “B” e já faz muito tempo que não participa de nenhum governo. É uma pena, porque ainda tem muito a contribuir.
É hilário (no bom sentido) ele criticar Mino, um adepto do PT, mas não militante, pela postura que o partido tomou para poder governar o país.
Haveria outra forma?
A resposta do Jorge diz tudo.
Ana de Abreu
Isso mesmo, companheiro. Esse tal e Jorge Wilhem não tem qualificação para atacar um partido que tem a história de lutas que tem o PT. Esse Jorge é um desqualificado.
Jorge Wilheim: O pragmatismo que ameaça matar o PT | Mesa do Futepoca | Scoop.it
[…] No trilho do Mino Carta […]
Governo Dilma, quem diria, faz a privataria do SUS « Viomundo – O que você não vê na mídia
[…] Jorge Wilheim: O pragmatismo que envenena o PT […]
Deixe seu comentário