João Batista Damasceno: A transitória derrota do mundo do trabalho

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Arte: Kiko/O DIA

A transitória derrota do mundo do trabalho

Por João Batista Damasceno*, no Resistência Lírica

A Idade Média na Europa foi tomada pelo conceito de que o mundo era imutável e que tudo se fazia no tempo da natureza.

O imobilismo tomava conta da realidade. Tratava-se de uma sociedade estratificada onde se dizia que os religiosos rezavam por todos, os nobres lutavam por todos e os trabalhadores trabalhavam por todos.

O desenvolvimento de técnicas de produção implicou aumento da produção de comida e formação de estoques.

A consequência foi o aumento da população de ratos e, posteriormente, a difusão da peste bubônica. Terça parte da população morreu.

A centralidade da religião foi colocada em dúvida e as pessoas passaram a começar a questionar as relações entre as causas e efeitos dos fenômenos. Não subsistiu a ideia do determinismo no qual até então se acreditava.

A racionalidade penetrou nas relações sociais e nos pensamentos e tudo passou a ser objeto de tentativa de compreensão. O progresso técnico foi avassalador. Tudo passou a ser objeto de estudo.

Com a maçã que caiu de uma árvore, Isaac Newton formulou a teoria que explica a Lei da Gravidade.

Outros pensadores formularam outros estudos. Com isto surgiu o tear, dinamizando a indústria têxtil, além de outras máquinas.

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O aumento da técnica liberou mão de obra no campo, que era absorvida nas fábricas das cidades. A ampliação das técnicas passou a implicar, também, a dispensa de mão de obra nas cidades.

A precarização da vida dos trabalhadores resultou em jornadas de trabalho de 16 a 18 horas, fome, desamparo, ausência de moradias e doenças.

Logo os trabalhadores viram que o progresso estava sendo apropriado por alguns em seu desproveito e começaram as rebeliões e revoltas.

Na Idade Moderna, o mundo estava dividido entre as potências que o globalizaram, a partir das Grandes Navegações.

O colonialismo, embora tratado como atuação dos portugueses e espanhóis, serviu a todos os países europeus.

A Inglaterra dinamizou sua indústria com o ouro das Minas Gerais que Portugal lhe fornecia.

Nos Países Baixos se concentravam os rentistas, banqueiros que ganhavam dinheiro financiando empreitadas para espoliação do mundo.

A França nunca respeitou o tratado que dividira o Mundo Novo entre Portugal e Espanha e tomou suas possessões. O mundo tinha donos e os povos estavam a eles submetidos.

Depois de muitas revoltas e rebeliões, os trabalhadores descobriram que o poder político era usado para manutenção dos interesses da classe dominante.

Os trabalhadores descobriram que as sociedades são constituídas por classes sociais e que a uns cabe o trabalho e a outros a apropriação do trabalho social que a estes proporciona o enriquecimento.

No século 19, os trabalhadores ensaiaram a entrada na esfera política para defesa de seus interesses e passaram a pretender a tomada do próprio Estado para que políticas públicas fossem por eles editadas em seus próprios interesses e não apenas aos das classes ricas.

A luta dos trabalhadores para a tomada do poder desde o século 19 deu origem aos partidos políticos, ao direito ao voto, à redução da jornada de trabalho, às garantias sociais, à proteção na velhice, além de outros direitos sociais.

A luta dos trabalhadores por direitos foi uma luta contra os princípios do liberalismo que diz deixar todos em igualdade de disputa para que, por seus próprios meios, atinjam seus objetivos. Mas desconsidera-se a desigualdade originária.

O liberalismo acentua a miséria, pois a disputa sempre favorece os mais fortes. Enquanto o mundo do trabalho cuida da sua subsistência, o capital soberanamente administra os aparatos que lhe ampliam o poder político para a defesa dos seus interesses econômicos.

Foi no século 20 que os trabalhadores mais se organizaram e tomaram a iniciativa para ampliar sua participação política e empreenderam a luta anticolonial, a luta pela libertação da humanidade, a luta pela emancipação dos povos oprimidos, a luta pela emancipação feminina com direito e voto e à participação política, a luta contra o racismo e muitas outras que acabaram por orientar a carta de princípios conhecida como Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana.

O temor de que tudo perdessem levou as classes ricas a buscar contentar os trabalhadores com alguns direitos. Assim, após a 2ª Guerra Mundial foi instituído o Estado do Bem-Estar Social.

Foi a Era de Ouro da história do mundo do trabalho. Os erros cometidos que levaram a um a revés na luta dos trabalhadores por seus direitos e emancipação, notadamente após a queda do Muro de Berlim, são apresentados como triunfo do mundo do capital e derrota definitiva do mundo do trabalho.

Já não se temem as condutas do mundo do trabalho e os direitos estão sendo subtraídos e a vida, precarizada.

Mas, tais erros não são fundamentos para o primado de uma nova ordem que apenas semeia desigualdade, insegurança, miséria e desamparo.

A humanidade sempre se reinventou e haverá de se reinventar.

*João Batista Damasceno é professor e doutor em Ciência Política.

Publicado originariamente no jornal O DIA, em 03/12/2022 

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Comentários

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Nelson

Se levarmos sua definição ao pé da letra, o liberalismo nunca existiu. Não passa de uma quimera que é ainda mais impossível de se materializar que o socialismo implantado por decreto reivindicado por um setor da esquerda. Um sonho divagante que, se aplicado, levaria a humanidade ao caos total.

Historicamente, os detentores do poder econômico sempre procuraram se apossar do poder político para “adequarem” as legislações, de forma a garantirem a manutenção e mesmo a ampliação do primeiro.

O liberalismo prega o “respeito aos contratos”. Expressão que agrada muito aos ouvidos, pois, quem não deseja viver num mundo em que a observação de alguns princípios esteja garantida, ou seja, num meio em que as pessoas possam viver num grau considerável de estabilidade para tocarem suas vidas.

Ah, a providencial linguagem. Sempre sendo utilizada pelos donos do poder para engabelar “os de baixo”. Na prática, para os liberais, os contratos que devem ser respeitados são apenas os que garantam a manutenção do poder econômico sob controle daqueles que já o detêm.

Na prática, os contratos que garantam algum grau de estabilidade para o conjunto da população são desrespeitados ao talante daqueles que detêm o poder econômico sempre que isto lhes for conveniente.

Assim, o regramento (contrato) que protege os ganhos e o poder dos “de cima” não pode ser mexido, é sagrado, é intocável. Já o regramento que dá alguma proteção aos “de baixo”, trabalhadores e micro e pequenos empresários e agricultores, em suma, à grande maioria da população, pode ser alterado ou desrespeitado a qualquer momento, sempre que os de cima o exigirem.

Esse é o roteiro imutável do que ousam chamar de liberalismo. Não é à toa, portanto, que o monumental aparato de propaganda do sistema dominante, quer dizer, do poder econômico, viva a exaltar, à exaustão, o que seriam suas virtudes supostamente excelsas.

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