João Batista Damasceno: A execução de Marielle, o Caso Riocentro e as ações políticas de militares para desmantelar a democracia

Tempo de leitura: 4 min
O que tem em comum o atentado ao Riocentro, em 30 de abril de 1980, com a execução de Marielle, Fotos: Wikipedia e Anistia Internacional

Marielle, Riocentro, intervenção militar e justiça de transição

Por João Batista Damasceno, no Resistência Lírica

O atentado à Marielle Franco suscita inquietação em todos os que se preocupam com a construção da democracia e com o Estado de Direito no Brasil.

A compreensão dos interesses que podem ter motivado sua execução e ocorrências anteriores podem ser o fio da meada capaz de desembolar o novelo.

O atentado ocorreu no 26º dia após a intervenção federal no Rio de Janeiro. O interventor era o general Braga Netto e o Secretário de Segurança Pública o general Richard Nunes.

A intervenção federal fora decretada no dia 16/02/2018 e o atentado em 14/03/2018. O general Braga Netto era o Comandante Militar do Leste, conhecia o Rio de Janeiro e suas dinâmicas.

Em 01/04/2014, em razão de GLO, ocupara a Maré com tropas e blindados, dando sequência à política de ocupação militar das favelas.

É possível relacionar o atentado à Marielle com o Caso Riocentro. Desde 2015 evidenciaram-se movimentações de forças político-militares visando ao desmantelamento dos valores democráticos.

A Comissão Nacional da Verdade (CNV), criada para apurar os atos de violação aos direitos humanos durante a ditadura empresarial-militar, deixara a gorilada em polvorosa.

O relatório, publicizado em dezembro de 2014, com os crimes praticados nos quartéis acirrara os ânimos e opusera a caserna à Presidenta Dilma Rousseff.

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O Comandante do Exército, general Villas Bôas, autorizara seus subordinados a se manifestarem publicamente, encerrando o ciclo do silêncio.

Iniciando o quadro de eloquência, o comandante militar do Sul, general Mourão, concedeu longa entrevista numa TV gaúcha.

Em seguida, no CPOR de Porto Alegre, falou que “a mera substituição da Presidente da República não trará uma mudança significativa no ‘status quo’, mas a vantagem da mudança seria o descarte da incompetência, má gestão e corrupção” e pediu o “despertar da luta patriótica”.

Encorajados por suas declarações, seus comandados, em Santa Maria/RS, prestaram homenagem ao Coronel Brilhante Ustra, acusado de tortura. O golpe estava em curso.

O General Villas Bôas fazia o papel de militar-legalista e os que autorizados por ele se manifestavam eram apresentados como militares-rebeldes.

No dia 27 de fevereiro, onze dias após a intervenção no Rio de Janeiro e quinze dias antes do atentado à Marielle, o interventor Braga Netto, em entrevista, disse que a intervenção era uma espécie de laboratório para outros Estados. “O Rio de Janeiro é um laboratório para o Brasil”, disse.

No dia seguinte o general Mourão despediu-se do Exército e, em discurso, chamou o coronel Ustra de “herói”.

Em entrevista, o general Mourão disse que “A intervenção no Rio de Janeiro é uma intervenção meia-sola. O Braga Netto é um cachorro acuado, no final das contas. Não vai conseguir resolver o problema dessa forma”.

O general disse que o Judiciário deveria “expurgar da vida pública aquelas pessoas que não têm condições de participar”.

Antes, em palestra promovida pela maçonaria em Brasília o general Mourão dissera que seus “companheiros do Alto Comando do Exército” entendiam que uma “intervenção militar” poderia ser adotada se o Judiciário “não solucionar o problema político” do país.

Isto talvez explique o twitter do general Villas Bôas às vésperas do julgamento, no STF, do habeas corpus impetrado em favor do presidente Lula.

A fala do general Mourão acusava a existência no seio militar de forças contrárias à ordem democrática e capazes de tentar uma intervenção, como muitas ocorridas ao longo da República.

Os atos de 08 de janeiro deste ano apenas coroaram uma escalada antidemocrática na esteira de manifestações anteriores, dentre as quais, as de 31 de julho e 07 de setembro de 2022, querendo o adiamento das eleições presidenciais.

As investigações do Caso Marielle precisam conceber a possibilidade de ter sido o atentado articulado por forças que pretendiam implantar o caos para se apresentarem como garantidoras da ordem, em prejuízo da democracia e das liberdades públicas.

Além dos executores, é preciso investigar quem foram os articuladores do atentado, bem como os intermediários mantenedores recíproca relação com milicianos e com forças obscuras dos quartéis.

A cogitação de colocação de bomba no gasômetro do Rio de Janeiro na ‘hora do rush’, para matar milhares de trabalhadores e colocar a culpa nos comunistas, e o Caso Riocentro são demonstrativos do que fazem os que tramam contra as liberdades públicas.

Se no passado os algozes da democracia empregavam suas tropas para execução dos serviços sujos, hoje podem usar terceirizados, como ocorre nas guerras, a exemplo da Guerra do Iraque, onde atuaram empresas privadas com seus mercenários, contratadas pelos EUA para fazer a guerra por eles.

Se havia forças que pretendiam a intervenção nas instituições e garroteamento da democracia, do Estado de Direito e das liberdades estas podem ter tentado implantar o caos.

O general Braga Netto, interventor no Rio de Janeiro, tinha à sua disposição todo o aparato de investigação, espionagem e de segurança federal e estadual, mas sequer recebeu os familiares da Marielle. A notícia de que a arma utilizada era do BOPE reforça a ideia de uso do aparato estatal para o crime.

É preciso esclarecer quem foram os executores do atentado. Mas igualmente quem planejou e quem pode ter intermediado a contratação dos assassinos.

Este pode ser o começo de um desvelamento a indicar a necessidade de fazermos o que não foi feito ao fim do regime empresarial-militar: a justiça de transição, com responsabilização pessoal e institucional dos que atentaram contra o povo brasileiro.

Não podemos permitir que os vermes que se alojam nos porões, de vez em quando, saiam para assombrar as liberdades públicas.

Publicado originariamente no jornal O DIA em 29/07/2023

Leia também:

Carlos Tautz: Marielle, a semi-delação show

Altamiro Borges: Google nega dados ao MP-RJ e emperra investigações do caso Marielle

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Comentários

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Zé Maria

Apenas por Curiosidade:

O Exército ‘braZileiro’ não é Parte Integrante do Estado Brasileiro?
Se é, então como um Inquérito Militar instaurado pelo Exército
pode atribuir culpa ao Poder Executivo ao qual é Subordinado?

.

Zé Maria

https://pbs.twimg.com/media/F2YXdC4XwAkVrIi?format=jpg

“Qualquer matéria sobre esse inquérito militar
deveria começar lembrando a longa tradição
no Brasil de inquéritos militares direcionados
e fraudulentos (Riocentro, Herzog etc.).
Há uma dívida histórica com a Verdade
que ainda não foi paga.”

RUBENS CASARA
Mestre em Ciências Penais e
Doutor em Direito (UNESA/RJ)
Estudos de pós-Doutoramento
na Universidade Paris X.
Professor Universitário e
Pesquisador do CNPQ (UFRJ).
Juiz de Direito do TJ/RJ.
Coordenador de Processo Penal
da Escola de Magistratura RJ.
https://www.escavador.com/sobre/4142145/rubens-roberto-rebello-casara

https://twitter.com/RCasara/status/1686337993861214208
.
.
“Inquérito militar sobre 08/01/23 parece piada,
mas é vergonha [ou Sem-Vergonhice].
Forças Armadas continuam flertando com golpismo
ao culpar um governo que tinha 8 dias
de falta de planejamento para evitar ataques.
Tem culpa quem protegeu acampamento golpista
[na frente de QGs (Quartéis-Generais do Exército]
duramente meses.”

https://youtu.be/gV2JZ5vSf0M
Jornalista KENNEDY ALENCAR
https://twitter.com/KennedyAlencar/status/1686331524147277824
.
.
“Inquérito do Exército tenta acusar o governo Lula
pelos atentados terroristas no 8/1. Dizem que faltou
‘planejamento’… com oito dias de governo.
Mas, nada falam sobre os acampamentos nos QGs em Brasília,
desde o fim das eleições, de onde partiram os terroristas.
Também foi falta de planejamento, ou contrário?
O negacionismo vestiu farda para encobrir
suas próprias responsabilidades.”

https://twitter.com/gleisi/status/1686093113121443840
.
.
“Os militares se acreditam tão impunes
que fazem inquéritos de fake news e
enfiam goela abaixo de uma mídia leniente.”

“Curioso: eu jamais me esqueço do ‘power point’
do Job Lorena de Santana… no Jornal Nacional.
Com um slide e uma vareta na mão, ele ‘provou’
que o sargento do Exército morto no Riocentro
era vítima de terroristas de esquerda.
Que farsa!”

“Não há nada de original no inquérito que culpa o Lula pelo 8 de janeiro:
o inquérito do Riocentro, do Job Lorena de Santana, culpou a esquerda
pelas bombas que os militares da inteligência plantaram,
uma delas matando um homem da inteligência do Exército.
A farsa se repete!”

Jornalista LUIZ CARLOS AZENHA

https://twitter.com/luizazenha23/status/1686060904067088394
https://twitter.com/luizazenha23/status/1686341422079737856
https://twitter.com/luizazenha23/status/1686063265242058752
.
.
“Pior, no texto os responsáveis citados [pela ‘investigação’ do Exército]
foram nomeados pelo General Heleno, do GSI, no Governo Bolsonaro.”

Jornalista BOB FERNANDES
https://twitter.com/Bob_Fernandes/status/1686063236032970775
.
.
“Isso faz lembrar 2 Inquéritos Policiais Militares:

– de 1975 (caso Herzog), conduzido pelo II Exército; e

– de 1981 (caso Riocentro), conduzido pelo I Exército.

Lembra-me também que eu sou o único oficial do Exército
punido pelos eventos que redundaram no 8/1.
Sabe por quê?
Porque fui o único que criticou a decisão ERRADA de autorizar,
incentivar e proteger as manifestações políticas antidemocráticas
e golpistas nas áreas militares defronte aos quartéis por 70 dias.

Os que me puniram foram os que autorizaram as manifestações!

A História já provou a injustiça dos três ‘processos’!

Espero que ainda estejamos numa democracia
para que a JUSTIÇA prevaleça…
mesmo que tarde!”

MARCELO PIMENTEL JORGE DE SOUZA
Oficial (Coronel) na Reserva do Exército
https://twitter.com/MarceloPJS/status/1686066421309054976
.
.

Zé Maria

“Autoridades do Rio de Janeiro dificultaram acesso da PGR
às investigações do caso Marielle, revela Raquel Dodge”

“A investigação ficou estagnada até este ano, quando a
Polícia Federal entrou no caso, por iniciativa do ministro
da Justiça, Flávio Dino.”

“Argumentos do STJ contra federalização do caso Marielle
se dissolvem após declarações da ex-PGR Raquel Dodge”

“Em pedido negado pelo STJ, Dodge já alertava que permanência
das investigações no Rio poderia gerar ‘desvios e simulações’.”

[ Reportagens: Ana Gabriela Sales | Jornal GGN | 29/07/2023 ]

https://jornalggn.com.br/justica/argumentos-do-stj-contra-federalizacao-do-caso-marielle-se-dissolvem/

https://jornalggn.com.br/justica/autoridades-do-rio-dificultaram-acesso-da-pgr-as-investigacoes-do-caso-marielle-revela-dodge

Zé Maria

Os QGs de Bagé/RS e Santa Maria/RS,
onde esses Generais de Extrema-Direita
se criaram, foram Rotas de Movimentos
da “Operação Condor” na América do Sul.

Zé Maria

Excerto

“A notícia de que a arma utilizada [SubMetralhadora]
era do BOPE [PMRJ] reforça a ideia de uso do aparato
estatal para o crime.”

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