Jair de Souza: Whatsapp só estimulou preconceitos plantados pela mídia contra o PT

Tempo de leitura: 6 min
Ricardo Stuckert

A esquerda e os desafios comunicacionais, de hoje e de sempre

Por Jair de Souza*

Há alguns anos a gente vem discutindo o papel que a mídia corporativa hegemônica passou a exercer como principal partido político na defesa dos interesses do capital financeiro e do grande capital em geral.

Este processo, que passou a ter conotações mais nítidas a partir da década de 1970, com o predomínio dos ideais do neoliberalismo por todo o planeta capitalizado, atingiu seu apogeu nos primeiros anos do século XXI.

Mas, como ocorre com todo e qualquer mecanismo de dominação social, com o passar do tempo e com o desenrolar dos embates, as forças sociais que sofrem os efeitos negativos da dominação midiática foram conhecendo melhor os modos de atuação deste aparato e, consequentemente, aprendendo a encontrar formas de neutralizá-lo.

No Brasil, as quatro vitórias presidenciais consecutivas do PT em associação com outras forças não subordinadas por completo às diretrizes do complexo midiático serviram como claro indicador de que a mídia corporativa não estava em condições de continuar sendo o carro chefe da defesa dos interesses do grande capital.

Eu mesmo, num artigo em que analisava o andamento da campanha presidencial de 2010, já antevia que não haveria mais como insistir no mesmo esquema.

Na parte deste artigo em que comentava sobre os efeitos de uma muito provável vitória de Dilma Rousseff contra o candidato da mídia, José Serra, mencionei o seguinte:

“Não será fácil para a mídia corporativa recuperar-se de tal derrota. Não digo que seja impossível, mas será muito difícil. E se as forças populares souberem tirar proveito adequado desta derrota acachapante da mídia corporativa, é possível que as forças do capital hegemônico a descartem de vez como sua representante política. Tratarão de encontrar outros instrumentos e, possivelmente, os encontrarão. Mas isto vai levar um tempinho.”[i]

Sim, eu previa que a mídia corporativa tradicional iria perder o seu protagonismo de até então. Mas, eu não sabia o que estava por vir em substituição e também não acreditava que o processo de mudança de foco se desse em pouco espaço de tempo.

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Por isso, tinha dito “Isto vai levar um tempinho”.

Na verdade, o tempinho foi muito mais breve do que eu e muitos de nós (nós, meros mortais, ressalto) podíamos imaginar.

E, assim, muito rapidamente, o Whatsapp roubou a cena.

No período das eleições de 2010, o Whatsapp ainda não era um aplicativo de uso tão extensivo como passou a ser nos anos seguintes.

Com a aquisição do mesmo pelo grupo proprietário do Facebook, seu uso se tornou generalizado.

Hoje, nos centros urbanos do país, o número de seus usuários é gigantesco, mesmo entre gente de condições socioeconômicas humildes.

Já li vários bons artigos a respeito do uso que a direita (em especial, a extrema-direita) vem fazendo do Whatsapp em várias partes do mundo.

Entre eles, aqueles que abordam as movimentações políticas que salpicaram pelo Oriente Médio, pela Europa Oriental, na Europa Ocidental (Brexit, em destaque) e, até mesmo, nos Estados Unidos (Donald Trump presente!).

E, agora, por fim, o Brasil é a bola da vez.

O processo que levou à eleição de Jair Bolsonaro como presidente do Brasil deve, provavelmente, servir como modelo da capacidade que o Whatsapp tem para possibilitar a manipulação dos sentimentos e instintos de imensas massas humanas ao ponto de levá-las a eleger para o cargo mais importante da nação uma pessoa cujo programa de governo a maior parte de seus eleitores não tem sequer ideia do que seja.

Li críticas sob a passividade da esquerda ao permitir que a direita saísse na frente no uso desta tecnologia, enquanto essa esquerda se mantinha na prática do jornalismo tradicional, acreditando que através de artigos e análises em seus blogs poderia obter resultados semelhantes aos que havia conquistado ao se contrapor à prática da mídia corporativa pouco tempo antes.

Bem, é muito boa a constatação do fenômeno e o alerta que isto significa.

Mas, jamais a esquerda poderia ter saído à frente com o uso do Whatsapp para servir com igual eficácia aos propósitos que movem as forças de esquerda.

E, por falar nisto, a quem representam a direita e a esquerda numa determinada sociedade de classes?

Quando, em política, empregamos o termo “direita” estamos fazendo referência às forças que representam e defendem os interesses dos principais grupos econômicos de uma sociedade.

São, na verdade, a tropa de choque política dos economicamente poderosos.

Atuam em seu nome, defendem seus interesses e, logicamente, dependem e recebem dos poderosos o apoio vital para sua existência.

Ao falar em “esquerda”, estamos nos referindo às forças que se identificam com os interesses dos grupos sociais que vivem submetidos ao domínio dos poderosos.

A esquerda não conta com o apoio ideológico, organizacional e, muito menos, econômico dos setores que dominam socioeconomicamente o país.

Sendo assim, como esperar que seja a esquerda que saia na frente com a introdução de novas tecnologias?

Especialmente quando tais tecnologias dependem fundamentalmente de vultosos recursos econômicos que somente os ricos e poderosos podem dispor.

A direita sai sempre na frente com novas tecnologias, seja da produção ou de comunicação de massas, porque a direita representa o capital, e o capital é sempre quem lança as inovações tecnológicas no sistema capitalista.

Nunca os trabalhadores, ou as forças que os representam, estiveram, estão, ou vão estar em condições equiparáveis para lançar novas tecnologias de ponta, ou mesmo para tirar proveito equivalente das já existentes.

Vejamos um pouquinho mais em detalhe o caso do uso do Whatsapp na campanha de Bolsonaro.

Sim, é evidente que muito poderia e deveria ter sido feito para minimizar os efeitos devastadores que levaram à vitória do fascismo.

Talvez devêssemos ter usado o tempinho que dispúnhamos na televisão muito mais para desconstruir as falácias que eram propagadas em favor de Bolsonaro do que insistir em apresentar o programa de governo, visto que o programa de Lula era conhecido por experiência prática pela maioria de nosso povo. Sim, talvez!

Mas, jamais estaríamos em condições de fazer uso do próprio Whatsapp para impor nosso programa na mente dos eleitores. E por que não?

Mecanismos do tipo do Whatsapp e Twitter requerem brevidade nas mensagens.

E mensagens breves, curtas, são eficientes quando se quer trazer à tona e reforçar preconceitos já sedimentados na mente das pessoas por anos, décadas ou séculos de martelação.

Quando uma mensagem por Whatsapp faz referência a “Vamos impedir que os corruptos do PT continuem mamando na teta do Estado”, isto vem de encontro a toda a intensa campanha de muitos anos de demonização do PT que, com anterioridade, fora traçada, planejada e executada pela mídia corporativa capitaneada pela rede Globo (incluindo, no entanto, quase todos os outros grandes veículos de comunicação corporativa: Rede Record, Band, SBT, Veja, FSP, Jovem Pan, etc).

Agora, como desconstruir este preconceito com as mesmas poucas palavras? Simplesmente, impossível!

Por outro lado, até onde eu saiba, só quem tem acesso aos resultados das varrições algorítmicas efetuadas na internet através de seus principais mecanismos (Google, Facebook, Instagram, etc) são os representantes da direita (ou os próprios representados).

É através das varrições efetuadas através desses tais algoritmos que eles se dão conta do que os usuários da internet estão procurando saber, o que gostariam de saber e o que não deveriam saber.

Assim, cada qual vai receber mensagens e estímulos diretamente associado a algum interesse de sua parte previamente detectado.

E claro, se sabemos o que uma pessoa tem como interesse, podemos elaborar nossa exposição de forma tal que nossa proposta pareça estar de acordo com o interesse da mesma.

Se uma pessoa foi detectada como contrária ao aborto, vamos jogar sobre ela uma tonelada de mensagens que colocam nosso adversário como abortista. É simples assim.

Mas, isto não é tudo. Como fazer para que as mensagens que nos interessam sejam divulgadas a dezenas, ou centenas, de milhões de pessoas?

Nenhum partido de esquerda teria recursos para levar a cabo tal tarefa. De esquerda, não, mas de direita, sim!

Para isso estão os banqueiros, os grandes proprietários do agronegócio, os donos de imensas redes de lojas de varejo, os donos de grandes transportadoras com 600 ou mais caminhões, além, é claro, das contribuições vindas de amiguinhos do exterior que nutrem interesse por coisas de nosso país que eles gostariam que passassem a ser deles.

Em outras palavras, não creio que conseguiremos usar a nosso favor meios como o Whatsapp com a mesma eficácia que a direita usa.

Também nunca fomos capazes de usar a imprensa escrita de modo equivalente, mas pudemos neutralizá-la em vários momentos decisivos.

O mesmo pode ser dito sobre a questão da televisão.

Eu entendo que chegou o momento de neutralizar os efeitos malignos que o uso do Whatsapp pela direita está causando aos interesses das maiorias populares.

Ao conseguirmos alcançar este objetivo, eles virão com novas tecnologias e a rotina vai se repetir. Sobre isto, não guardo muitas dúvidas.

No entanto, eu acredito que podemos melhorar nosso nível de conhecimento e percepção das tendências comunicacionais para, assim, lançar os combates de desconstrução no mais breve prazo possível.

Quem sabe, no dia em que tenhamos um Estado dirigido e controlado pelos interesses da maioria trabalhadora, a gente possa colocá-lo como ponta de lança das inovações tecnológicas comunicações para benefício das maiorias.

Até lá, vamos ter de correr atrás. O importante é que não fiquemos muito atrás.

[i] Souza, Jair: O que está em jogo nas próximas eleições. Publicado em Desacato.info, em 18/09/2010 (http://desacato.info/o-que-esta-em-jogo-nas-proximas-eleicoes/)

*É economista formado pela UFRJ e mestre em linguística pela UFRJ

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Comentários

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Alexandre Tambelli

Excelente análise.
Instigou-me a escrever sobre o assunto. E ia fazer um comentário que virou um texto. Coloco aqui.

SMARTPHONE, ZAP E A ELEIÇÃO.

O advento do Smartphone é a ponta de lança de um processo que incluiu milhões na era digital, que abriu as portas para a Internet para muita gente no Brasil.

Lembremos que o fenômeno ZAP já foi detectado em 2014 e quase deu a vitória para o Aécio. Nós das esquerdas não fixamos com sabedoria a plataforma, como ferramenta de Luta da extrema-direita econômica, perdedora de 4 eleições seguidas, na sua cruzada de tirar o PT do Poder, de vencê-lo nas urnas.

E há um detalhe que facilita a manipulação coletiva do voto via ZAP, o programa retira as diferenças do convívio, formam-se grupos de pessoas com mesmos ideais, com a mesma ideologia, viramos bolhas, seja à esquerda, seja à direita.

Neste processo de crescimento do ZAP verificamos que houve o abandono da timeline do Facebook. Afinal, as identidades, aos poucos, se juntaram em um simples click e as diferenças foram desaparecendo, perdendo espaço o diálogo, se guetizando os iguais em grupos familiares e de amigos e de universitários etc. E, onde, aos poucos, só cabiam os de pensamento igual nos grupos criados, porque se conseguiu criar/incutir nas mentes a ideia de que estamos totalmente certos na verdade que acreditamos.

Até 2013, antes de o ZAP ocupar o espaço do Facebook, nós vivenciávamos a interação entre diferentes, que, bem ou mal, se digladiaram na discussão de ideias, debateram nas timelines; depois do ZAP, não. A timeline do ZAP só tem os nossos, só falamos pros nossos, só interagimos com os nossos. Somos todos bolhas.

E o ZAP, subproduto da tela pequena do Smartphone, radicalizou a fabricação do meme, do compartilhamento do tweet, da mensagem curta e direta, da manchete, onde, é preciso, pelo tamanho da tela, textos concisos, porque é cansativo ler um texto maior no celular. No ZAP não se lê muito nem se reflete e nem se tira conclusões, você fica escravo de pequenas frases, você se fecha nelas e não tem mais o costume de ler textos, você vira um preguiçoso da leitura e um especialista em concisão e memes. E, por fim, vem o revolucionário Instagram, para tornar tudo imagens, quase nada de textos.

A velha mídia capitaneada pela Globo, Veja e a Jovem Pan já havia feito o papel de gerar máximas ligadas à corrupção, com eficácia, sobre o PT desde ao menos 2005 e o início do “suposto Mensalão”, passando por seu julgamento em 2012 e a Lava-Jato em 2014; máximas moralistas, desde ao menos a campanha de Serra em 2010, máximas do PT e das esquerdas incompetentes desde sempre.

Com a contaminação da opinião pública e a capacidade de gerar toda esta quantidade de mensagens instantâneas de fake News associada da tecnologia dos robôs e dos algoritmos direcionando a cada pessoa as mensagens que lhe podem capturar pelo conteúdo, puderam alimentar as emoções pessoais, individualizando-as.

Então, se o comunismo, o kit gay, a ideologização da sociedade, o aborto são coisas defendidas por petistas e esquerdistas, se o PT quebrou o Brasil, se o PT é corrupto, se a esquerda quer acabar com a família tradicional eu só preciso reforçar essas ideias via ZAP, chegando ao emocional de cada pessoa susceptível ao conteúdo, a se deixar levar por ele, eu só preciso invadir sua mente e repetir milhares de vezes a mesma coisa, sem tréguas, sem tempo de raciocínio, só o tempo de fixação de uma mentira, que contada infinitas vezes, se torna verdade e fica sendo repetida a cada mensagem instantânea do ZAP para lembrar-se do esquecido.

O velho deputado que disse que o filho do Lula é dono da Friboi, o Jornal que publica a ficha falsa da Dilma e o Jornalista que diz que ela foi assaltante de bancos e foi terrorista, o jornalismo que publica que o PT é o “partido mais corrupto do mundo”, são fontes revestidas de “autoridades”, fake news que já viralizavam pela velha mídia, transformadas em milhões de memes a serem compartilhados aos borbotões via ZAP e demais redes sociais, e que, com a opinião pública contaminada e credora delas pode ser manipulada até o extremo caminhando para os mais ilógicos memes como a mamadeira erótica do Haddad, pois, quem acredita no filho do Lula dono da Friboi acredita em tudo, está com a mente contaminada, já é parceiro do ódio ao PT, às esquerdas e inimigo do “comunismo”.

A velha corrente de e-mail do Serra e seu Guru indiano na campanha de 2010 se transformou na imediata corrente de fake News, onde, você nem precisa acessar sua conta, ela chega de imediato para você, aos milhares, e você aceita ou não o conteúdo. Como ele vem chancelado por parentes, amigos, por “fontes seguras” em grupos do ZAP que você participa, é só correr para o abraço dos afogados. E milhões se abraçaram, e quando acordam do transe emocional, descobrem que foram enganados mais uma vez…

E esse processo é interessante, porque o autoengano cresce próximo da Eleição e decresce ao término dela.

O fenômeno dos entendedores de Política nas semanas que antecedem um pleito, e que depois só voltam a falar de Política alguns dias antes da próxima Eleição é sintomático, bastam memes, notícias fakes de última hora, para a pessoa se considerar expert nos assuntos Brasil, Economia, Sociedade e Política e você nem tem como argumentar, mesmo que você seja o maior intelectual do mundo nesses assuntos elencados. O ódio fica e as esquerdas estigmatizadas não tem como escapar da associação ao “Mal” por parcelas inteiras da sociedade.

E passa a Eleição e constatamos o monte de eleitor na extrema-direita arrependido, tentando argumentar com quem foi eleito, que não foi pra isso que eu votei no Senhor…

O ódio ao PT e as ilógicas associações que fazem ao partido, para não votarem nele nasceram no noticiário da velha mídia capitaneada pela Globo, Veja e Jovem Pan, no Judiciário parcial, na Luta de Classes e adentraram nas redes sociais chegando ao seu ápice no ZAP, onde, não mais há diversidade de pensamentos, onde as pessoas interagem apenas com os iguais e, onde, a preguiça mental e a não-reflexão e leitura de textos curtos e sem fonte, muitas das vezes, comandam mentes e rebanhos inteiros, prontos para acreditar e compartilhar e se auto-enganar e votar contra si mesmos, aceitando a destruição do Brasil, da sua economia, da CLT, da Previdência, aceitando a destruição de sua Engenharia e Ciência & Tecnologia e a venda, sem critérios e à preço de banana, dos recursos naturais do país, para o estrangeiro, em especial o Pré-Sal e seu valor estimado em 20 trilhões de dólares etc.

Sobra a pergunta: por que o Nordeste e parte do Norte do país se viram libertos de acreditar nas fake news?

Teria uma explicação no fato de antes da criação das fake news pela mídia hegemônica nessas duas regiões haverem um mínimo de pluralidade midiática, de contraditório? E a realidade transformadora dos tempos da esquerda no Poder ser visual, pela imensa desigualdade e falta de investimentos estatais nessas regiões antes da chegada do PT ao Poder?

    Jair de Souza

    Estimado Alexandre, muito obrigado por seu comentário. Na verdade, em lugar de estar posicionado como comentário a meu texto, a qualidade do conteúdo e a boa forma de sua mensagem me levam a pensar que ela mereceria mesmo é ser publicada em destaque como um texto próprio. Acredito que você fornece inúmeras informações e esclarecimentos que trazem muito proveito a todos os que estamos buscando meios e forças para tirar nosso povo da tenebrosa noite em que está submetido. Obrigado novamente.

    Alexandre Tambelli

    Abraço, Jair. Fico feliz que meu comentário/texto tenha lhe agradado. Estamos juntos a dissecar esta realidade nova que se abre com a extrema-direita no Poder, abraço, Alexandre!

Didico

“Talvez devêssemos ter usado o tempinho que dispúnhamos na televisão muito mais para desconstruir as falácias que eram propagadas em favor de Bolsonaro do que insistir em apresentar o programa de governo, visto que o programa de Lula era conhecido por experiência prática pela maioria de nosso povo. Sim, talvez!”

Na minha modesta opinião, esse talvez não deveria existir, mas afirmar com convicção todo o resto do parágrafo. Esse foi um dos grandes erros da campanha política do PT neste ano.

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