Instituto Helena Greco: 44 anos da lei de anistia parcial e restrita

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Ato pela Anistia e liberdade aos presos políticos, realizado na Cinelândia, Rio de Janeiro (RJ), 26 julho de 1979. Foto: Antônio Claudio/ Acervo CSBH/FPA

44 ANOS DA LEI DE ANISTIA PARCIAL E RESTRITA: PELA ANISTIA AMPLA, GERAL E IRRESTRITA!

Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania – BH/MG

Hoje, 28 de agosto de 2023, a lei de anistia parcial (lei 6683/1979) completa 44 anos.

Ao longo destas quase quatro décadas e meia temos repetido à exaustão: não é data a ser comemorada, mas denunciada.

Esta lei constitui imposição da ditadura militar (1964-1985) na sua investida para esvaziar a luta pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita.

A lei 6683/1979 foi forjada a partir da Doutrina de Segurança Nacional, arcabouço ideológico do regime. Esta determina a eliminação dos inimigos internos. Eram considerados inimigos internos todas/os que ameaçavam ou poderiam vir a ameaçar o binômio Desenvolvimento e Segurança – lema da ditadura.

É este o projeto burguês de modernização, aceleração e aprofundamento da acumulação capitalista. Isto se deu às custas de muita opressão, exploração e repressão.

Às custas de censura, perseguições, cassações, sequestros, prisões, torturas, desaparecimentos forçados, eliminação em massa de indígenas e trabalhadores do campo. Às custas de muito sangue. Tortura e desaparecimentos tornaram-se políticas de Estado.

A lei 6683/1979 determina que a anistia é parcial e restrita para as vítimas da ditadura.

E é instantânea e total para seus algozes: todos os agentes do Estado que sequestraram, torturaram, estupraram, assassinaram, esquartejaram e fizeram desaparecer os corpos daqueles considerados inimigos internos.

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Trata-se de crimes contra a humanidade. São, portanto, inanistiáveis, imprescritíveis e inafiançáveis segundo o direito internacional dos Direitos Humanos – só que não neste país.

Charge de Henfil retrata a volta dos exilados políticos após promulgação da Lei de Anistia em 1979

A exiguidade da lei de anistia cristalizou-se ao longo da transição a partir de 1985, quando o último general-ditador deixou o poder.

Transição que se deu sem ruptura, a partir de um pacto entre as forças armadas e a burguesia – até hoje em vigor. Pacto do silêncio que carrega em seu bojo a estratégia do esquecimento e o negacionismo histórico.

Foi imposta, então, a narrativa da reciprocidade e da autoanistia em nome da necessidade da reconciliação nacional.

Em 2010, esta infame interpretação da lei de anistia foi positivada pelo Supremo Tribunal Federal, com o indeferimento da ADPF 153.

Aí foi consolidada a inimputabilidade automática e definitiva – ou seja, a auto-anistia – dos agentes do Estado que perpetraram crimes contra a humanidade.

Temos, no entanto, muito a resgatar nesta data: a luta pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita.

Cartaz do Movimento Feminino pela Anistia no Brasil, criado em dezembro de 1975. Crédito: Armazém Memória

Esta foi protagonizada pelo Movimento Feminino pela Anistia (a partir de 1975); pelos Comitês Brasileiros pela Anistia (a partir de 1977); pelo conjunto das pessoas presas políticas, banidas e exiladas; pelas/os familiares das pessoas mortas e desaparecidas políticas. Foi movimento de massas com amplo apoio do operariado, dos movimentos populares e de todas/os que lutavam contra a ditadura.

O Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (1978) teve papel de destaque nesta luta. Reforçou a inclusão da luta contra a repressão policial institucionalizada – esta que matava e mata preto e pobre todo dia – na Carta do Congresso Nacional pela Anistia (São Paulo, novembro 1978).

Os princípios da luta pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita continuam valendo até hoje.

Não houve o esclarecimento circunstanciado das mortes e desaparecimentos.

Os familiares dos desaparecidos políticos não puderam exercer o direito ancestral de enterrar seus entes queridos.

A nossa lista de mortos e desaparecidos é drasticamente lacunar: nela não constam os nomes nem as histórias dos milhares de indígenas exterminados pela ditadura, nem dos milhares de trabalhadores do campo trucidados no período. Não houve a abertura irrestrita dos arquivos da repressão.

Não houve “o fim radical e absoluto das torturas e dos aparatos repressores, e a responsabilização judicial dos agentes da repressão e do regime a que eles servem”, como exigia o documento de 1978 citado.

O aparato repressivo continua montado e tem sido incrementado no país campeão mundial em letalidade policial.

A tortura e os desaparecimentos forçados continuam sistêmicos. São estruturais e institucionais o racismo e o genocídio do Povo Negro e dos Povos Indígenas.

Este é o país das chacinas periódicas: a polícia cada vez mais mata pobre, preto e criança todo dia. Nos últimos 30 dias o número de chacinados – na Bahia, no Rio de Janeiro e em São Paulo – ultrapassou as cinco dezenas.

No dia 17/08 Bernadete Pacífico foi trucidada com 22 tiros, no Quilombo Pitanga dos Palmares, Salvador/BA. Era liderança histórica do candomblé e da luta pela demarcação de terras quilombolas. Estava jurada de morte por fundamentalistas, latifundiários e empreiteiros.

Certamente houve avanços pontuais na luta por Memória, Verdade e Justiça nestes 44 anos que nos separam da promulgação da lei 6683/1979. Alguns são bastante significativos.

Todos eles são devidos à mobilização permanente dos movimentos de Direitos Humanos.

Mesmo depois da Comissão Nacional da Verdade (2012-2014), no entanto, os nós górdios apontados acima continuam atados. Houve o tempo todo também derrotas e recuos – sobretudo nos quatro anos (2019-2022) de governo fascista escancarado que atende pelo nome de bolsonarismo.

A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, conquistada a duras penas pelos familiares e pelos movimentos sociais (lei 9140/1995), cancelada pelo governo Bolsonaro, ainda não foi restaurada.

Exatamente neste 28 de agosto acontece, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, a escabrosa homenagem armada pelo governador fascista Romeu Zema (Partido Novo) ao seu nefando colega genocida, o fascista Jair Bolsonaro (PL). Este receberá o título de cidadão de Minas Gerais (???).

Zema e Bolsonaro são racistas e antipovo. Ambos são entusiastas da ditadura militar. Bolsonaro têm como paradigmas milicianos sanguinários e Carlos Alberto Brilhante Ustra, o único torturador condenado em ação declaratória com trânsito em julgado.

A palavra repúdio não é suficiente para expressar nossa indignação diante de tamanha desfaçatez. Fora Zema, fora Bolsonaro!

A luta pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita é referência obrigatória para a luta pelos Direitos Humanos.

Ao resgatá-la, reafirmamos o tributo que devemos a todas/os que tombaram na luta contra a ditadura.

Estendemos este tributo a todas/os que combateram e continuam a combater o fascismo e o terrorismo de Estado. Nossa solidariedade às vítimas da violência policial e seus familiares.

PELA ANISTIA AMPLA, GERAL E IRRESTRITA!

DITADURA E TORTURA NUNCA MAIS!

PELO DIREITO À MEMÓRIA, À VERDADE E À JUSTIÇA!

PELO FIM DO APARATO REPRESSIVO!

FASCISTAS: NÃO PASSARÃO!

Belo Horizonte, 28 de agosto de 2023

Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania – BH/MG

Cartaz do III Encontro Nacional das Entidades de Anistia. Arquivo Público do Estado de São Paulo, Fundo Deops/SP – Anistia de 1979, Seleção de Documentos.

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