Opção pelo agronegócio é a principal causa da inflação dos alimentos
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Política agrícola prioriza as exportações do agronegócio em vez do abastecimento interno, afirmam os especialistas
por José Coutinho Júnior, da Página do MST
“Olha o meu cordão! Tomates! Estou usando ouro”, disse a apresentadora Ana Maria Braga, do programa Mais Você, da Rede Globo, no dia 10 de abril.
Ela proferiu essa frase e fez o programa inteiro usando um colar feito de tomates, em “protesto” ao aumento do preço.
Diversas piadas em relação ao preço alto do tomate se espalharam pela internet nas últimas semanas. Muito se discutiu na imprensa sobre a alta do preço, alardeando o crescimento da inflação provocado pela alta dos alimentos e que o aumento na taxa de juros seria a medida principal no controle da inflação.
Para o economista Guilherme Delgado, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o aumento dos juros para controlar a inflação tem custos econômicos e sociais.
“A elevação da taxa de juros Selic pelo governo (de 7,25% a 7,5%) não tem nenhum efeito do ponto de vista da contenção inflacionária, mas atende a apetites midiáticos e simbólicos. A linha de contenção da demanda via elevação de juros e redução do gasto social aparece como uma forma de conter a inflação, mas tem custo de muitos empregos e desaceleração econômica. Não me parece que seja essa a via que o governo está seguindo”, acredita.
O uso político da alta do tomate para forçar o aumento de juros se torna mais evidente ao analisar a queda brusca do preço do tomate.
A inflação do tomate em março foi de 122,13%, sendo que no meio de abril o preço já havia caído mais de 75%.
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Além disso, a farinha de trigo teve um aumento de preço maior que o tomate (151,39%) por conta da seca no nordeste e não recebeu tanta atenção dos colunistas e da mídia quanto o tomate.
“O tomate é um produto de cultivo cíclico de 90 dias. Se está faltando no mercado é porque os agricultores estão plantando. O preço que estava muito alto começa a diminuir quando o plantio novo chega. A produção do tomate não é relevante para explicar a pressão inflacionária, porque senão temos um discurso puramente sazonal. Todas as economias do mundo, em todas as épocas, tem problemas sazonais. E isso não é causa de inflação”, afirma Delgado.
Gerson Teixeira, presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), concorda. “Existe sim um problema de pressão dos preços dos alimentos, mas o tomate foi usado como um vilão para pressionar o governo a aumentar a Selic”.
“O impacto do preço do tomate na taxa de inflação é mínimo, em torno de 0.2%”, afirma Teixeira.
Política Agrária
Os especialistas avaliam que a alta inflacionária dos alimentos se deve, em grande parte, à política agrícola adotada pelo governo brasileiro, que prioriza as exportações do agronegócio em vez do abastecimento interno.
Dados apontam que, de 1990 para 2011, as áreas plantadas com alimentos básicos como arroz, feijão, mandioca e trigo declinaram, respectivamente, 31%, 26%, 11% e 35%. Já as de produtos do agronegócio exportador, como a cana e soja, aumentaram 122% e 107%.
“Precisamos pensar melhor em como atender a demanda interna e externa para resguardar a estabilidade de preços nos produtos alimentares. Hoje, pensamos em resolver o equilíbrio externo, exportar a qualquer custo para obter superávit na balança comercial e o menor déficit possível na balança corrente. E o resíduo das exportações fica com o mercado interno para resolver as questões de estabilidade. Essa equação está equivocada e precisa ser reformulada”, afirma Delgado.
Esse cenário faz com que o Brasil dependa de importações de alimentos básicos para suprir seu mercado interno. No ano passado, o país importou US$ 334 milhões em arroz, equivalente a 50% do valor aplicado no custeio da lavoura em nível nacional. No caso do trigo, o valor das importações foi de US$ 1,7 bi, duas vezes superior ao destinado para o custeio da lavoura, e a produção de mandioca atualmente é a mesma de 1990.
Para controlar os preços e garantir o abastecimento interno, o governo começa a adotar a criação de estoques reguladores por meio da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Essas “reservas” permitem ao governo intervir caso o preço dos alimentos esteja fora do padrão determinado, e comprar ou vender esses alimentos, com ênfase especial nos que compõem a cesta básica para equilibrar os valores.
Segundo Gerson Teixeira, os estoques são estratégicos. “Deixamos de estocar na década de 90, pois prevalece até hoje a tese neoliberal da autorregulação do mercado. Qual o resultado? Não temos estoques de alimentos capazes de impedir a alta dos preços”, denuncia.
“A política de estoques regulares e estratégicos é fundamental. A presidenta Dilma assinou uma medida importante em fevereiro, criando um conselho interministerial para formar estoques públicos de alimentos. É uma medida extremamente necessária nesses tempos de volatilidade do mercado agrícola”, defende.
Fortalecimento da agricultura familiar
A agricultura familiar e os assentamentos da Reforma Agrária, de acordo com dados do Censo Agropecuário de 2006, ocupam 30% das terras agricultáveis do país, mas produzem 70% dos alimentos consumidos pelos brasileiros.
Dessa forma, as políticas para fortalecer a agricultura familiar são uma alternativa para controlar a alta dos preços dos alimentos, garantir o abastecimento interno e diminuir a dependência externa do Brasil em relação aos alimentos básicos.
“Os assentamentos de Reforma Agrária e o campesinato em geral têm uma especialização na produção de alimentos. Esse setor, se for devidamente fomentado, pode produzir em grande quantidade os produtos da cesta básica. É uma via importante e necessária a ser trabalhada. Mas não me parece que o governo esteja muito atento a isso, pois para ele o agronegócio resolve tudo, o que não é verdade”, acredita Guilherme Delgado.
Gerson Teixeira acredita que, para alterar este cenário, é preciso ir além de incluir os camponeses no meio de produção rural, mas qualificar uma produção diferente do agronegócio, que leva os produtores a abandonar a produção de alimentos da cesta básica para plantar as commodities valorizadas no mercado internacional.
“O que precisa ser feito mesmo é rever a política agrícola e fazer a Reforma Agrária. O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) está completamente esgotado. Ele realizou uma política de inclusão social nas políticas agrícolas, que aproximou a agricultura familiar do agronegócio. Precisamos rever essa política e colocar o Pronaf não como uma estratégia de inclusão, mas de diferenciação para habilitar realmente o agricultor a produzir alimentos de qualidade”, propõe Teixeira.
Dados do Pronaf revelam que, ao comparar 2003 com 2012, o número de operações de custeio de arroz com agricultores familiares declinou de 34.405 para 7.790 (-77.4%).
No caso do feijão, o número de contratos de custeio pelo Pronaf reduziu de 57.042 para 10.869 (-81%). Os contratos para o custeio da mandioca caíram de 65.396 para 20.371 (-69%), e para o custeio de milho declinaram de 301.741 para 170.404 (-44%).
Teixeira demonstra preocupação com o futuro da agricultura brasileira, diante do quadro de ameaças de mudanças climáticas, em um cenário de enormes desafios para a alimentação de uma população mundial crescente e de expansão da urbanização.
“No Brasil, assistimos à passividade e um recuo ‘inexplicável’ na execução da Reforma Agrária, que é crucial para o incremento massivo da produção alimentar. É inacreditável que não vejam que o agronegócio corre sérios riscos de colapso nesse ambiente”, lamenta Teixeira.
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Comentários
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LANDO CARLOS
O que pressiona o preço dos alimentos, apesar dos numeros preocupantes acerca dos pedidos de financiamento de certas culturas, é o fato de que certos produtos são comprados dos produtores e embalados por empresas dentro de lugares que dificultam a distribuição desses produtos, que são encarecidos devido a isso. Comprar um Kilo de feijão por cinco reais, enquanto o plantador não deve receber mais do que um decimo disso, é o que deve ser resolvido. Porque isso provavelmente se repete em relação a muitos outros alimentos que não sofrem nenhum processo de transformação industrial, a não ser o embalamento. O Governo ainda retirou o IPI desses produtos componentes da cesta basica, dando maior lucro para essas empresas.
Francisco
Eu nunca tinha entendido como é que os governos de esquerda faziam para serem derrubados com tanta facilidade pela ação da direita e pela falta de apoio do resto da esquerda.
Agora eu entendo…
Mário SF Alves
Taí uma estória que tem de ser melhor estudade e compreendida. Governo de esquerda sem povo? Das duas uma: ou não é de esquerda ou só existe no Brasil.
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Eita que Brasilzão mais singular, sô.
Guanabara
Daí que não voto mais em Dilma.
João Paulo Ferreira de Assis
Algumas técnicas simples para combater a inflação:
deixar de comprar marcas de griffe, e compre outras mais simples:
lata de leite em pó Nestlê 400 gramas,R$10,90. Lata de leite em pó Nestlê desnatado (Molico) 300 gramas, R$12,00. Pacote de 400 gramas de leite em pó integral Nutril, R$7,25. Ora o consumidor só precisa ser mais atento para não levar gato por lebre, como 300 gramas por 12 reais, quando poderia levar 400 gramas por 7,25.
Outros exemplos: pacote de café de 500 gramas variando entre R$5,90 e 8,25. Qual o que você levaria?
Uma barra de queijo Minas padrão num supermercado, por R$11,72, e meia barra do mesmo queijo, em marca famosa por R$20,66.
Combater a inflação é dever de cada um de nós. Se todos nós fizermos a nossa parte, combateremos a inflação. Ah! o preço do tomate disparou? não compre. Invente um outro molho para a macarronada do domingo. Uma verdura está sendo vendida por alto preço. Substitua, mas não pague a mais pelo produto. Se os consumidores se negarem a comprar, terão que baixar os preços. Simples assim.
Não vamos esquecer que a Presidenta Dilma já fez a sua parte. Cabe a nós fazer a nossa.
Marcelo de Matos
Ainda tenho esperança de que um dia o Brasil se livrará do ciclo da cana de açúcar. Esse negócio do álcool combustível é uma tremenda roubada. Precisamos desenvolver o carro elétrico, ou híbrido, e liberar a terra para a produção de alimentos. Quem, como eu, comprou um carro flex “entrou em uma flex tubulation”. Há bom tempo não abasteço com álcool. O pior é que o carro flex consome mais que um similar só a álcool ou só a gasolina. Estamos pagando mais esse subsídio aos usineiros. É subsídio sobre subsídio para os gigolôs da cana.
Gildo Magarin
Se deixarem na mão do MST, o Brasil vai passar FOME! Vai ser um novo programa çossiau, “COMIDA ZERO”.
João Paulo Ferreira de Assis
Desculpe, eu já li muitos comentários sem conhecimento de causa, mas igual a este, nunca vi.
Corrigindo o seu comentário:
Se deixarem nas mãos do agronegócio, o Brasil vai passar FOME!
O agronegócio quer saber de exportar, apenas exportar. O MST quer plantar para o mercado interno.
Agronegócio é símbolo de inflação alta.
augusto2
area plantada de culturas de alimentos comuns reduziu-se, sim.
Mas reduziria de qualquer maneira ao longo desse tempo. em qual proporçao, para ser honesto, nao sei.
Mas duas coisas aumentaram: produtividade e apoio ao pequeno e medio produtos dessas culturas, via agricultura familiar.
Mas nao sou pro-agronegocio na escala que temos, nao. Sou contra.
J Souza
Imposto Territorial Rural irrisório…
Vultuosas quantias para financiar os mega-latifundiários…
O governo alimenta a bancada ruralista da mesma forma que alimenta a mídia golpista… E vira refém deles!
Francisco
Disse quase tudo. Só faltou completar: “(…) e como não cobra nenhum imposto sobre transações bancarias, como a CPMF, os Felicianos da vida são financiados com isenção fiscal total pelos gays de todo o Brasil (e os ateus e agnósticos) sem nenhum tipo de controle de onde vem a grana polpuda que os enriquece”.
…E se volta contra o governo.
Mardones
Pois é. E os movimentos sociais foram simplesmente esmagados pelo PT. Sufocam os movimentos por meio de corte dos financiamentos que os sustentam.
O PT usou os movimentos para chegar ao poder e desde então defende com unhas e dentes uma política agrícola voltada ao agronegócio. E as críticas do MST são sempre suaves. Romper com o governo para eles é se tornar de direita.
Entre os grandes crimes do governo do PT estão a não auditoria da dívida pública, a não realização da reforma agrária e não regulação da mídia.
Fabio Passos
“Dados apontam que, de 1990 para 2011, as áreas plantadas com alimentos básicos como arroz, feijão, mandioca e trigo declinaram, respectivamente, 31%, 26%, 11% e 35%. Já as de produtos do agronegócio exportador, como a cana e soja, aumentaram 122% e 107%.”
A opcao de entregar o campo para os latifundiarios e as transnacionais do agronegocio e um erro crasso. Diante desta realidade espero que o governo priorize a agricultura familiar e ajude as milhares de familias de brasileiros sem terra a produzir alimentos para nosso povo.
Leonardo
Por favor…
http://www.drmoney.com.br/economia/a-inflacao-do-tomate-e-o-crescimento-economico/
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