Gilson Caroni: 1964, não podemos dormir de novo

Tempo de leitura: 3 min

por Gilson Caroni, em Carta Maior

Escrever sobre o golpe de Estado de 1964, passados 47 anos, não deixa de ser um trabalho de reconstituição que conserva toda a sua atualidade política no momento em que o sermão pelo esquecimento do passado, pelo desarmamento das vontades, continua sendo pregado pelas mesmas classes e grupos que apoiaram, e depois conduziram o regime autoritário. É bom lembrar que essas forças políticas romperam, na undécima hora, com o núcleo decisório da ditadura, forjando uma transição por alto, que desidratou todos os projetos políticos da oposição progressista.

Isso explica, como que, num passe de mágica, José Sarney, o presidente do PDS, após comandar no Parlamento a batalha contra as “Diretas-já”, tenha ressurgido como um dos líderes da redemocratização e candidato à vice-presidência na chapa de oposição junto a Tancredo Neves. Não estamos falando apenas de um projeto pessoal oportunista bem sucedido, mas da incrustação no próprio centro de decisões, de setores políticos e econômicos comprometidos com as concepções do regime político anterior. Não compreender as implicações desse processo nos dias de hoje pode levar a um voluntarismo pueril. Aceitá-lo como fato incontornável é uma resignação em tudo, e por tudo, pusilânime.

O golpe veio para barrar a emergência de um movimento de massas. Não foi para atingir personalidades, ainda que muitas delas tenham desempenhado um papel importante na abertura dos espaços para essa nova dinâmica, mas para conter o crescimento popular.

Como destacou Almino Afonso, ministro do Trabalho no governo João Goulart, o movimento tinha dois objetivos: “Primeiro, barrar o avanço dos movimentos sociais; segundo, impedir a tomada de consciência nacional que começava a esboçar uma linha de resistência internacional com uma nitidez nunca havida antes em nosso passado. Esses dois fatores confluíram gradualmente para um todo mais ou menos homogêneo e, embora não tivéssemos nem partido político para ser expressão desse despertar, nem lideranças claras para se converterem em porta-vozes desses novos atores, essa emergência foi suficientemente forte para alarmar  os setores dirigentes do país e seus aliados internacionais, que se associaram na implantação da ditadura”( Folha de S. Paulo, 1/4/1984)

Numa retrospectiva das medidas tomadas naquela época, é impressionante ver, no governo de Jango, a quantidade de iniciativas que foram adotadas, projetadas e enviadas ao Congresso Nacional. Na sua totalidade é inequívoca a vontade de atacar os pilares da estrutura capitalista num país subdesenvolvido.

Disciplinou a remessa dos lucros das empresas estrangeiras, estabeleceu o monopólio da compra do petróleo, desapropriou as refinarias privadas, bem como os latifúndios improdutivos nas margens das rodovias, congelou os aluguéis e buscou o apoio dos sargentos, cabos e soldados, diretamente. Atacando a todos simultaneamente, João Goulart facilitou a aglutinação dos interesses econômicos contrariados em torno dos generais da direita, que chegaram a receber a garantia do Pentágono, conforme documentos divulgados em Washington.

A índole dos golpistas pôde ser apreciada desde os primeiros atos legislativos baixados. Seguiu-se a arrasadora repressão, ampla entrega do subsolo, compra pela União das empresas de serviços públicos pertencentes à Bond & Share (American Power) e depois os da Light, por preços absurdamente abaixo do valor de mercado. A corrupção generalizada nos negócios do Estado e a censura à imprensa – apesar do apoio do baronato do campo midiático – fizeram da noite dos generais a luxúria dos cartéis e grandes corporações.

Apesar de tudo, um fio de continuidade, transverso e denso, percorre a história desses anos. A história dos tempos de arbítrio é a história de uma crise feita de muitas dimensões: das sucessivas crises militares,  dos esforços de  Geisel e Figueiredo de usar a “abertura” como garantia do monopólio do poder a serviço do grande capital. É, no entanto, no crescimento do movimento popular – da luta pela anistia, da reabertura da UNE à criação do Partido dos Trabalhadores – que se avolumam os choques maiores e as contradições mais profundas do regime. Um ciclo se esgota, mas a história não se encerra. Mobilizar a vontade nacional, tendo como fundamento um pacto social mais justo e não excludente, em defesa da soberania nacional, da cultura brasileira, da sua integridade, visando a realização do bem comum é o projeto nacional posto em pauta desde 2003.

Para continuar sendo exeqüível, é fundamental não ceder terreno. Reafirmar os princípios do 3º Plano Nacional de Direitos Humanos, cumprir as propostas aprovadas na Confecom, avançar na questão agrária e na manutenção do diálogo com os movimentos sociais são passos decisivos para construir uma nação moderna e organizada. Não fazê-lo é conviver com o permanente risco de retrocesso. E nunca é bom desconsiderar o aspecto trágico da História e o papel motriz da violência em sua caminhada. Os golpistas esperam o sono dos justos para lançar os dados do nosso destino. Não podemos dormir novamente.

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Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil

Lei aqui artigo de Marco Aurélio Weissheimer sobre a lógica por trás da ditabranda.

Leia aqui “As razões do golpe de 64”, por Emir Sader.

Leia aqui por que os golpes não coisas do passado, de Valter Pomar.

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Comentários

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Petição pela Comissão da Verdade e Justiça | Viomundo – O que você não vê na mídia

[…] Leia aqui artigo  1964, por que não podemos dormir novamente, de Gilson Caroni […]

Ferreira

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27 de abril de 2011 às 23:05
Assistam o video no youtube : “O Dia que Durou 21 anos” http://www.youtube.com/watch?v=NU7S4CwrwVA

Resumo do documentário: “A participação do gov dos Estados Unidos no golpe de militar de 64″

Os USA com o falso argumento de que o Brasil iria se tornar comunista no Gov. de João Goulart, financiaram diretamente o golpe com o apoio de traidores da patria (militares, elite, imprensa…
Os yankees manipularam informacões, compraram parlamentares, compraram a imprensa, criaram caos com falsa propaganda anti governo.

E “pasmem” ,enviaram uma esquadra naval para apoiar ( matar brasileiros ), caso houvesse resistência contra o “golpe”.

allan mahet

Para não Esquecermos. Ditabranda é o C…. !

Allan Mahet

Dia 31 de Março para Primeiro e Abril de 1964, começava ali umas das mais sombrias páginas de nossa história.

Quarenta e sete anos depois, vinte e seis do último governo militar e até hoje não conseguimos nos acertar com nosso passado.

Por isso é preciso romper o silêncio do bom convívio. Retirar o véu que cobre as crueldades. Punir os algozes que ainda caminham livres sobre o mesmo chão de suas vítimas. Responsabilizar os comandantes desse trágico painel pintado com sangue de lutadores, corajosos militantes que sob a chuva de papel picado da burguesia e dos cacetetes do exército lutou contra a barbárie, a injustiça e o entreguismo.

Não podemos permitir que esse triste capítulo seja chamado do Ditabranda, porque simplesmente nada de branda teve.

Destaco o forte depoimento abaixo é de Jarbas Marques, militante torturado no DOPS.
http://amahet.blogspot.com/2011/04/para-nao-esque

SILOÉ

Dormir agora a gente até pode, o que não pode é ter de novo aquele pesadelo.

Carmem Leporace

Em primeiro lugar tem que mandar para a cadeia os terroristas e assassinos que lutatram para implantar uma ditadura comunista e genocida no país, aos moldes da URRS e Cuba.

Cadeia para os comunas primeiro.

    Mário SF Alves

    Em sendo assim, por que os comunistas primeiro, ô anjo da guarda? Afinal, que lógica é essa?

    graciliano

    A Carmem só não recomendou o pau-de-arara. Aliás, nem precisa, porque tudo que ela apregoa foi cometido, e não só contra os "comunas".
    Ela deve querer também dar uma medalha para os torturadores que estupraram presas na frente de seus filhos.

    rogerio

    MInha filha, quando vc falar … CALE A BOCA por favor… que absurdo o que vc diz…sem noção… NON SENSE TOTAL…

Marcelo Fraga

Eu acredito que não há força suficiente para dar um novo golpe.
Hoje os movimentos são organizados e a há a internet.
Estamos constantemente em comunicação. Uma manifestação, em uma situação extrema, pode ser organizada de um dia para o outro.

Mas, com essa gente golpista espalhada pelos governos, não podemos baixar a guarda.

ricardo silveira

Poder-se-ia dizer que a retomada de um processo revolucionário que foi estancado em 64, com o Golpe, teve dois momentos significativos, desde então, a Constituinte que inscreveu o país na modernidade e o Governo Lula, que fez avançar conquistas populares de forma concreta, embora mitigada, cuidando para não desagradar de todo, o capital. Certamente, não por amor ao sistema de exploração e muito menos para suprimi-lo, mais provável, por sabê-lo ainda muito forte na população e suas instituições, capaz de reação que aniquile o pouco conquistado. Como bem lembra o discurso de Jango em 13 de março de 64, praticamente nada ou quase nada foi feito, e, a mídia golpista está mais presente que nunca. A agenda do último parágrafo é o início do caminho, mas até onde a maioria parlamentar está interessada e o executivo está determinado em produzir conquistas fundamentais?

waleria

Vamos adiante!

Lei de concessões de meios de comunicação, PNDH 3 integral, e vamos fazer justiça – em nome dos que deram a vida lutando contra a ditadura de 64!

Precisamos de uma grande reforma no Judiciario, e precisamos repensar a atuação do Banco Central – para que não mais sirvam apenas para proteger o Bolsa Banqueiro, mas para proteger nossa moeda, nossa agricultura, nossa industria, nossas prestações de serviço, nossos trabalhadores. Nossos exportadores, nossos desenvolvedores de know how em todas as áreas.

Com Lula caminhamos nesse sentido.
Com Dilma ainda não sei.
Mas espero que venhamos a caminhar.

    Carmem Leporace

    E os que assassinaram inocentes, cometeram atos de terror??? vamos fazer justiça a eles também, não?

    Ou os assassinos de Mario Kozel Filho são o que prá você?

    Pacífico

    Quem é o provocador dos excessos senão os golpistas, que tomaram de assalto um Estado, ignorando a soberania do voto, colocando-o de joelhos a serviço de vigaristas interesseiros, "brasileiros" e estrangeiros?

    waleria

    Carmem

    Quem assassinou inocentes, quem derrubou um presidente eleito – esses que perpetraram tais atos entre outros, precisam pagar pelo que fizeram sim.

    Quem se defendeu, quem defendeu o país de golpistas assassinos armados – esses se defenderam – e se defender é um direito inalienável do ser humano.

    Quem defendeu um governo democratico eleito pelo povo – e nessa defesa se viu na cirunstancia de pegar em armas com o risco de matar e de ser morto – é herói.

    Mas se pegou em armas para derrubar um governo eleito pelo voto popular – é um golpista, é um verdadeiro terrorista a favor de tiranos e ditadores – cujos nomes não se merece nem citar.

    Mário SF Alves

    Simples e irretorquível assim! A não ser que este que pensa diferente disso tenha a convicção de que o povo é juridicamente incapaz e que a democracia é mero jogo de palavras, cujas regras são feitas para serem quebradas. Senão isso, o que mais poderia ser?

Carmem Leporace

Acorda meu, Dilma já deu uma banana pra vocês.

Vão pra Cuba, Irã ou Coréia do Norte.

Aqui vocês já perderam.

    Bonifa

    Selecionou muito bem, Doutor Carmem. É a lista completa do Departamento de Estado.

    João

    Terroristas são vcs viuvas do golpe, assassinos e paus-mandados, Bolsonaro, Serra, Malafaia, FHC e um grupenho que vc faz parte. Quem tompou do seu lado ou era inocente util ou conivente.

    r godinho

    Brasil, ame-o ou deixe-o!
    Dª Carmem, quem perdeu foram vcs, foi a direita estúpida e sem projeto, entreguista. Tomaram já três coças nacionais, mas feito cachorro louco, teimam em não largar o osso.
    Vá a senhora pra Arabia Saudita, o Paquistão, ou quem sabe o Iraque, aquele exemplo mundial de como se impõe a democracia…

    Marcelo Fraga

    Por que, Carmem?
    Vocês já deram o golpe e ninguém me avisou?

Luis

Também não devemos esquecer que antes, que Jean Jacques Rousseau, quando escreveu o livro Do acordo Social e publicou em 1762 antes da revolução francesa, ele foi claro, recomendando, para tomarmos cuidados, que a vontade Geral, na Soberania não erra, mais pode ser ludibriada, pelas vontades particulares. Era necessário saber diferenciar, a vontade Geral com a vontade de todos. Porque a vontade de todos é apenas a soma da vontade particulares e a vontade Geral simplesmente é a real vontade de um povo. Nesta época, antes 1964, pelo o que ouvi falar, a inflação ficou astronômica, e os movimentos populares cresciam contra as reformas dos próprio Jango. Então nos dois lados existiam abusos. Rousseau, alertava que as vezes o povo não está maduro para receber as leis, é necessário que o legislador. veja o povo, que é o Soberano para dizer o que realmente quer. Olha só, um livro escrito 1762, já tinha idéias muito mais modernas do que nós brasileiros em 1964, 202 anos antes, e não aprendemos ainda ser Povo democrático.

    Mário SF Alves

    Ótima lembrança. Luis! E encerra com chave de ouro: "Olha só, um livro escrito 1762, já tinha idéias muito mais modernas do que nós brasileiros em 1964, 202 anos antes, e não aprendemos ainda ser Povo democrático."

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