Fernando Morais, sobre os limites da frente de esquerda: Não adianta derrotar Bolsonaro, mas a política de Bolsonaro continuar
Tempo de leitura: 4 minDa Redação
6 milhões de livros vendidos. O Mago, sobre Paulo Coelho, “vende tanto no Irã quanto em Israel”, comenta o escritor Fernando Morais.
No Brasil, Olga, sobre Olga Benário, deportada por Getúlio Vargas para ser morta pelo regime nazista, lidera as vendas.
Olga, publicado em 1985, tornou-se filme de Jayme Monjardim em 2004.
Agora, a tarefa é escrever a biografia do ex-presidente Lula, em três volumes. O primeiro, a ser lançado ainda este ano.
Lula queria que a biografia terminasse no dia em que passou a faixa a Dilma Rousseff, em 2010.
Fernando não concordou, visto que testemunhou de perto a fase mais turbulenta da trajetória do ex-presidente, inclusive a prisão em Curitiba.
Ele “reclama” que o biografado fica entregando histórias suculentas que deveriam ser contadas no livro. Numa entrevista ao Der Spiegel, por exemplo, Lula contou o causo do início de sua trajetória política.
O ex-presidente recortava fotos aleatórias de pessoas em revistas, pregava numa parede e ensaiava discursos à multidão de papel.
O Viomundo não pretende dar spoiler na biografia. Paramos por aqui.
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O escritor trabalha o dia todo no livro, à base de energéticos e charutos cubanos. Presumivelmente cubanos.
Aliás, na biografia de Lula ele vai contar como Fidel Castro incentivou o líder sindical a entrar na política.
As biografias de Antonio Carlos Magalhães e José Dirceu ficaram para depois.
Dirceu doou a Fernando seu arquivo pessoal, com preciosos documentos históricos que deverão ser abrigados na Casa de Mariana, uma casa de cultura que o escritor está organizando em sua cidade natal.
Fernando foi deputado estadual do chamado MDB autêntico, de 1979 a 1987. Também foi secretário da Cultura e da Educação do Estado de São Paulo.
É dele o projeto de lei para instituir, já em 1985, o mês de Consciência Negra em São Paulo.
Fernando entrou na política instigado por Ulysses Guimarães, um dos principais opositores da ditadura militar (1964-1985).
Ao receber o Viomundo para uma entrevista, relembra que quando candidato a deputado teve votos espalhados por todo o estado.
Foram 49.607 votos em 1978, quando Paulo Maluf (como José Maria Marin de vice) foi indicado para governar São Paulo pela ditadura militar, por via indireta.
Foi resultado do “pacote de Abril” do ditador Ernesto Geisel. Ele tentava adiar o fim do regime pelo voto, ou ao menos controlar o processo de transição.
Naquele ano, o MDB elegeu Franco Montoro e Fernando Henrique Cardoso como senadores por São Paulo.
Em 1982, Fernando Morais foi reeleito deputado estadual com 52.659 votos. O MDB, já como PMDB, emplacou Franco Montoro como governador paulista.
Montoro, naquela eleição, teve 49% dos votos. O então líder sindical Lula, com Hélio Bicudo de vice, obteve pouco mais de 10%. Era o surgimento eleitoral do Partido dos Trabalhadores.
Fernando relembra que em suas campanhas teve muitos votos em Bauru.
A cidade, que teve um forte sindicato dos ferroviários, já foi muito progressista.
Em 2018, Jair Bolsonaro teve 72,9% dos votos em Bauru no segundo turno, contra 27% de Fernando Haddad.
Como enfrentar esta guinada à direita no quadro político brasileiro?
Aqui, sai de campo o escritor e entra o político experiente.
Num momento de intenso debate na esquerda sobre os caminhos a seguir, Fernando, que tem interlocução com muita gente, de vários partidos (ele desfiliou-se do MDB), acredita que a esquerda depende de uma aliança para enfrentar politicamente a extrema-direita.
Porém, uma frente que não tente se livrar de Bolsonaro endossando a política econômica de Bolsonaro.
Luciano Huck, portanto, não caberia. Como bom mineiro, Fernando Morais sugere isso nas entrelinhas. Ao lado de Aécio Neves, Huck militou pelo impeachment de Dilma Rousseff.
Veja o vídeo acima para ouvir a opinião de Fernando Morais sobre a frente de esquerda.
Abaixo, uma transcrição:
“Se a gente olhar pra trás e lembrar do fim da ditadura militar, a gente vai ver que teve um movimento que não foi decisivo, mas que foi muito importante para a derrubada da ditadura, que foi um frentão que tinha desde gente que veio da luta armada, marxistas de diversas tendências, trotskistas de três orientações diferentes, até empresários como Cláudio Bardella e José Mindlin.
Tem dois casos que são muito exemplares. Em primeiro, aquele que em 64 perseguia comunistas e que virou o Menestrel das Alagoas, o saudoso Teotônio Vilela, que vinha a São Paulo todo fim de semana pra visitar presos políticos na cela.
O outro, Severo Gomes, que era um dos donos de uma tremenda indústria de São Paulo, foi ministro do Geisel, da Agricultura e da Indústria e Comércio, foi um dos esteios da frente.
Então, frente não pode ser só com gente que pensa igual a mim, porque se não eu fico sozinho. Agora, é preciso que a frente tenha limites, você não poderia aceitar na frente dos anos 70, começo dos anos 80, o delegado torturador Sergio Fleury.
Então, hoje, eu acho que a frente é muito ampla. Eu vejo esse pessoal falar se o Luciano Huck entra ou não. Precisa tomar muito cuidado, porque as pessoas querem se ver livres do Bolsonaro, mas a gente não pode só tirar o Bolsonaro e manter as políticas do Bolsonaro, não adianta tirar o Bolsonaro, substituir o Bolsonaro na eleição, mas a política do Paulo Guedes continuar.
Então, não pode caber na sua frente quem é a favor da entrega da Petrobras, quem é a favor da venda do Banco do Brasil, quem é a favor da reforma da Previdência que vai sacanear os trabalhadores, não pode estar conosco quem ataca direitos dos trabalhadores e eu sou nisso muito radical.
As pessoas dizem que eu estou virando um velho carbonário, incendiário, mas na realidade eu acho o seguinte: quem contribuiu para o golpe, para a derrubada da Dilma Rousseff — que não foi impeachment, foi golpe — na minha frente não vai estar.
No frentão do qual eu vou fazer parte não podem estar, as pessoas são responsáveis por isso [o golpe de 2016]. Ah, mas tem os arrependidos. Faz um purgatório para os arrependidos. Você pode fazer um chiqueirinho para os arrependidos, como eles fazem para colocar a imprensa. Agora, sem uma frente, acho muito difícil enfrentar a situação que estamos enfrentando no Brasil”.
Comentários
Zé Maria
Link direto para o vídeo (abaixo referido)
com a Entrevista de Petra Costa, Diretora
do Filme “The Edge of Democracy”, indicado
ao Prêmio Oscar de Melhor Documentário:
http://player.pbs.org/widget/partnerplayer/3037916633/
Zé Maria
“Falei com @Hari Sreenivasan, @amanpourcopbs
sobre como empresários pagaram por uma campanha
de fake news e colaboraram à empurrar nossa democracia
ainda mais para vertigem” …
https://twitter.com/petracostal/status/1223750029422276608
Assista à entrevista em vídeo: https://t.co/JycIamSdOT
http://www.pbs.org/wnet/amanpour-and-company/video/oscar-nominee-petra-costa-edge-democracy-7qe0hi/
Zé Maria
Tem de haver o engajamento do maior número possível de artistas para furar a bolha na qual a Globo enclausurou a classe média.
Zé Maria
E não se deve desprezar os protestos anti-fascistas
de pessoas ligadas a Movimentos Identitários,
só porque não são militantes de partidos de esquerda.
Tod@s os Coletivos Populares são bem-vindos nesta hora.
Zé Maria
A seguir uma importante Análise Sobre Movimentos IIdentitários e Ação Política.
Por Rashmee Kumar, no Intercept
Excertos:
A Política Identitária atende a todos os gostos, mas não no bom sentido.
Em sua campanha eleitoral de 2016, Hillary Clinton invocou a “interseccionalidade” e o “privilégio branco” como um aceno vazio aos jovens eleitores liberais.
Richard Spencer e membros da “alt-right” (“alternative right”, um movimento de extrema-direita nos EUA) se autodenominam “identitários” para mascarar o fato de que são, na verdade, supremacistas [Racistas] brancos.
E, para algumas pessoas “conscientes”, usar uma camiseta onde se lê “feminista” e criticar celebridades por serem vagamente “problemáticas” é a máxima extensão de sua participação política.
O que pretendia ser uma estratégia revolucionária para derrubar opressões entrecruzadas tornou-se uma palavra de ordem nebulosa e carregada, que foi cooptada pelos diferentes polos do espectro político.
Um novo livro, “Mistaken Identity: Race and Class in the Age of Trump” (“Identidade Trocada: Raça e Classe na Era Trump”, ainda sem tradução no Brasil), empreende uma análise rigorosa das políticas raciais e da história racial nos Estados Unidos para debater a mutável relação entre identidade pessoal e ação política.
Em “Mistaken Identity”, Asad Haider defende que a política identitária contemporânea é uma “neutralização dos movimentos contra a opressão racial”, e não uma progressão em relação à luta de base contra o racismo.
Haider, doutorando da Universidade da Califórnia, em Santa Cruz, coloca o trabalho dos acadêmicos e ativistas negros radicais em diálogo com suas experiências pessoais de racismo e organização política.
Ele mapeia o processo por meio do qual as visões revolucionárias do movimento de libertação negra – que viam o racismo e o capitalismo como dois lados da mesma moeda – foram substituídas por um conceito restrito e limitado de identidade.
Ele argumenta que a identidade foi abstraída das nossas relações materiais com o Estado e a sociedade, que a tornam relevante para as nossas vidas.
Assim, quando a identidade serve de base para as crenças políticas de alguém, ela se manifesta em divisionismo e atitudes moralizantes, em vez de estimular a solidariedade.
“O enquadramento da identidade reduz a política ao que você é como indivíduo e enquanto ganha reconhecimento como indivíduo, e não à sua participação em uma coletividade e na luta coletiva contra uma estrutura social opressora”, escreve Haider.
“O resultado é que a política identitária paradoxalmente acaba reforçando as mesmas normas que se dispõe a criticar.”
O conceito de “Política Identitária” foi originalmente criado em 1977 pelo “Coletivo Combahee River”, um grupo de feministas socialistas lésbicas negras que reconheciam a necessidade de uma política autônoma própria, uma vez que se confrontavam com o racismo no movimento das mulheres, o sexismo no movimento de libertação negra, e o reducionismo de classe.
Foi fundamental para sua política emancipatória trazer para o centro a forma como as opressões econômica, racial e de gênero se materializavam simultaneamente em suas vidas.
Seu trabalho político, porém, não parou aí.
As “Mulheres de Combaheem” defendiam a Construção de Alianças em Solidariedade a outros Grupos Progressistas para erradicar todas as formas de opressão, ao mesmo tempo em que traziam a que elas próprias sofriam para o primeiro plano.
Ao fundamentar sua crítica em histórias específicas e relações materiais, Haider adota uma abordagem de múltiplas vertentes para explorar em que intensidade a política identitária se afastou de suas origens radicais.
Por meio de seu envolvimento na organização contra o aumento das anuidades escolares e a privatização, Haider descreve as falhas dos movimentos que criam uma falsa separação das questões econômicas e raciais por critérios baseados em identidade: questões “de brancos” e questões “de não brancos”. Sua análise do “privilégio branco” reflete sobre o desenvolvimento da raça branca, codificada no estado colonial da Virgínia no século XVII pela classe dominante para justificar a exploração econômica dos africanos como escravos e evitar as alianças entre trabalhadores africanos e europeus na sequência da “Revolta de Bacon” (http://www.pbs.org/race/000_About/002_04-background-02-08.htm)
No seu capítulo sobre “passabilidade”, Haider tenta compreender o caso de Rachel Dolezal como um exemplo das “consequências de reduzir a política à performance identitária”…
Por fim, Haider explica como a eleição de Donald Trump estava delineada na ascensão do neoliberalismo na política eleitoral décadas atrás. Usando o trabalho do teórico cultural britânico Stuart Hall, ele traça cuidadosas comparações com a gestão da crise econômica e do pânico moral pelo Partido Trabalhista do Reino Unido na década de 70, que preparou o caminho para a chegada de Margaret Thatcher ao poder:
“1977 foi historicamente um divisor de águas.
Em primeiro lugar, veio a crise dos movimentos de massa, que remonta ao movimento dos direitos civis – a Nova Esquerda da década de 60 e o nacionalismo negro que se seguiu a ela.
Essas mobilizações e organizações de massa enfrentaram seus próprios limites estratégicos, confrontadas com a repressão estatal, e assim seu dinamismo entrou em declínio.
Ao mesmo tempo, houve o que Stuart Hall chamou de “crise de hegemonia”, onde as coordenadas da política americana estavam sendo completamente reorganizadas.
O mesmo processo estava acontecendo na Europa, onde as crises econômicas dos anos 1970 tinham levado a uma completa reordenação dos locais de trabalho, os sindicatos estavam na defensiva, e os movimentos de massa estavam se dissolvendo.
Assim, parte do que aconteceu naquele período é que a linguagem da identidade e da luta contra o racismo se tornou individualizada e unida ao progresso individual de uma classe política negra ascendente e de elites econômicas que haviam sido excluídas do centro da sociedade americana pelo racismo, mas passaram a ter uma via de entrada.
Penso que nos falta, no momento atual, uma linguagem política que possa promover o deslocamento da divisão para a solidariedade, que foi uma questão importante para os movimentos antirracistas desde a década de 50 até a de 70, e é sobre isso que o Coletivo Combahee River estava escrevendo.
Não temos uma linguagem para as lutas coletivas que inclua as questões do racismo e possa incorporar movimentos interraciais.
Acho então que parte do motivo para que esse tipo de política identitária individualista apareça tanto na esquerda entre ativistas que realmente querem estruturar movimentos que desafiem a estrutura social é que nós perdemos a linguagem que acompanhava os movimentos de massa, e que nos permitia pensar em formas de construir essa solidariedade.”
Íntegra em:
https://theintercept.com/2018/06/01/politica-identitaria-asad-haider/
Zé Maria
“Mirem-se no Exemplo daquelas Mulheres de Combahee River”
http://circuitous.org/scraps/combahee.html
Zé Maria
https://youtu.be/6hMOP2-iVpY
https://twitter.com/victorxis/status/1224331856528773121
Zé Maria
Original em inglês.
Tradução: Deborah Leão
http://www.semanaon.com.br/conteudo/8339/como-a-politica-identitaria-dividiu-a-esquerda
Zé Maria
Atores e Atrizes dizem que foram usados por Regina Duarte
e afirmam que não apoiam o Governo de Jair Bolsonaro
https://soundcloud.com/revistaforum/carolina-ferraz-da-pito-em-regina-duarte-nao-votei-no-bolsonaro
https://revistaforum.com.br/cultura/em-audio-carolina-ferraz-da-pito-em-regina-duarte-por-uso-de-sua-foto-nao-votei-no-bolsonaro
“Depois de Carolina Ferraz, Maitê Proença e Luiz Fernando Guimarães tb reclamam de foto de Regina Duarte e esclarecem: não apoiam Bolsonaro.”
https://twitter.com/monicabergamo/status/1223677431183290368
Carolina Ferraz, Maitê Proença, Carla Daniel, Beth Goulart,
Luiz Fernando Guimarães e Ary Fontoura pediram
para serem desvinculados da imagem publicada
por Regina Duarte
https://twitter.com/rollingstoneBR/status/1223622029972295682
https://rollingstone.uol.com.br/noticia/regina-duarte-publica-foto-com-artistas-para-celebrar-cargo-no-governo-e-pedem-para-ela-apagar-nunca-compactuei-com-bolsonaro/
Magnífico, Pedro Cardoso crava sobre Regina Duarte:
“A mim pouco me importa quem Messias escolha
para executar a não-cultura dele” https://t.co/0fsLX8h61Z
https://twitter.com/hilde_angel/status/1223400081786839040
Marcos Videira
A contradição do queridíssimo Fernando Moraes é gritante. Elogia o Menestrel das Alagoas (o maior líder pela queda da ditadura q ajudou a implantar) e impede q quem participou do golpe contra Dilma entre na sua frente ampla.
Mario Oliveira
sem mea culpa dessa turma que fica exigindo mea culpa do PT, não tem conversa.
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