Sader: A via brasileira

Tempo de leitura: 3 min

22/11/2010

por Emir Sader, no seu blog em Carta Maior

Havia dois horizontes para as elites brasileiras: o Estado de bem estar social europeu ou o dinamismo e a afluência ao consumo dos EUA. O primeiro estava identificado com civilização e com estabilidade. O segundo, com dinamismo e modernização.

O getulismo tinha sido nosso modelo de bem estar social, com o Estado assumindo responsabilidade sobre o desenvolvimento econômico e os direitos dos trabalhadores. Foi sempre repudiado pelas elites que, mesmo beneficiadas pela expansão industrial propiciada pelos governos, manteve sempre repúdio a Getúlio, por não se considerar representada politicamente nele. O modelo de aliança de classes que Getúlio representava, com expansão do mercado interno e base popular de apoio, nunca foi digerido nem sequer pela burguesia industrial.

Mesmo JK – claramente mais moderado no estilo de liderança política -, além da hegemonia econômica que passou a estar em mãos do capital estrangeiro, com a instalação do parque automobilístico, nunca foi de agrado, por exemplo do grande empresariado paulista. (JK ficou em terceiro lugar nas eleições de 1955, atrás de Adhemar de Barros e do candidato udenista, Juarez Távora.)

O governo Jango já se instalou quando o impulso econômico apresentava sinais de esgotamento, com uma grande pugna redistributiva entre trabalhadores e grande empresariado tomando conta do cenário político e refletindo-se em brote inflacionário. A resolução do conflito se deu pela via violenta (“A burguesia prefere um fim com violência do que uma violência sem fim”, dizia Marx no XVIII Brumário.). O modelo instalado cortou bruscamente o processo de distribuição de renda com expansão do mercado internacional, favorecendo a acumulação de capital centrada no consumo da alta esfera do mercado e na exportação. O arrocho salarial e a intervenção em todos os sindicatos produziu uma lua de mel para o grande capital nacional e internacional, que nunca ganhou tanto como na ditadura.

O eixo de referência da elite se unificava em torno do modelo norteamericano de livre comércio, de competição, de crescimento com exclusão social e concentração de renda, de dinamismo do capital internacionalizado. O tema do bem estar social desapareceu, o desenvolvimento foi assimilado à expansão do grande capital internacionalizado, o mercado interno de consumo popular ficou deprimido.

A redemocratização foi atropelada pela crise de 1979/1980, quando a economia deixou de crescer –praticamente pela primeira vez desde 1930 -, e a crise da dívida fez a economia funcionar em função da exportação para arrecadar recursos para pagar a divida – multiplicada pela crise. Desenvolvimento e bem estar social ficaram relegados.

A década neoliberal enterrou de vez o desenvolvimento, promovendo a estabilidade monetária a objetivo central. A democratização não trouxe nem retomada da expansão econômica, nem melhoria social da massa da população. O neoliberalismo institucionalizou essa tendência, na expectativa que o controle da inflação se refletiria nas condições sociais da população. O que foi imediatamente verdade, até que esse impulso se esgotou, a economia, por sua vez, foi jogada na maior recessão dos últimos tempos e a situação social do povo voltou a se degradar fortemente.

A social democracia tinha chegado ao governo na era da sua conversão ao neoliberalismo – a começar pela França e pela Espanha, referencias centrais dos tucanos. Não trouxe o Estado de bem estar social, mas o modelo mais mercantilista que tínhamos conhecido.

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Com o governo Lula, a superação da crise foi feita mediante um novo modelo, que foi sendo construído aos poucos. Que incorporou o consenso nacional de controle da inflação, mas não fez dele o centro do modelo, apenas uma de suas dimensões. A especificidade do novo modelo foi a retomada do crescimento econômico estruturalmente articulado com a expansão do mercado interno do consumo de massas, requerendo portanto políticas sociais e papel indutor do crescimento e da garantia dos direitos sociais pelo Estado. O Brasil vai construindo assim seu próprio caminho de desenvolvimento histórico.

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Comentários

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José A. de Souza Jr.

Mas ainda é possível avançar muito mais, principalmente no que diz respeito ao tal "consenso nacional contra a inflação". Este, paradoxalmente, traz em seu bojo a semente da inflação descontrolada, pelos altos juros que se praticam em toda a economia brasileira. Juros saem necessariamente da economia real e representam uma tributação adicional, injusta e desnecessária à maioria esmagadora dos brasileiros; além de impelirem o país à regressão de sua estutura produtiva, via excessiva valorização cambial. Os grandes beneficiários são, na realidade, as 20.000 famílias brasileiras que vivem da intermediação financeira; aliás muito bem representadas no aparelho de Estado, através das políticas do banco central.

sergior

A via brasileira vista por Emir Sader passa pela cooptação dos movimentos sociais, passa pela desmobilização destes, tudo em prol da segurança dos mercados, que não podem ser contrariados pois têm ataques de nervos. Passa pelo arrocho das aposentadorias dos que ganham acima do mínimo. Passa pelo apoio ao mega-agronegócio em detrimento da reforma agrária, dos pequenos produtores e dos trabalhadores sem-terra. Passa pela Monsanto e os agrotóxicos e os transgênicos liberados sem controle; por Daniel Dantas, que se viu livre de Paulo Lacerda e de Protógenes, por obra de Lula, usando o diretor da PF para tal. Passa pelo corte de ponto aos trabalhadores do setor público que ousaram entrar em greve, ou a intervenção do lulismo, por meio de seu braço sindical, a CUT, para destroçar a ação dos sindicatos que se negam a aceitar a cooptação. Passa pela criação dos fundos de pensão dos servidores públicos federais, em detrimento da aposentadoria integral. Passa pelo não reconhecimento da tortura como crime contra a humanidade e imprescritível, nos termos dos acordos internacionais assinados pelo país. Passa pela não abertura dos arquivos da ditadura militar. Esse é a via brasileira, para que tudo mude, sem nada mudar.

Alex

O Professor Emir Sader vem desde muito tempo se destacando como um dos grandes quadros intelectuais do Brasil, fazendo jus à sua condição de intelectual orgânico, construindo uma análise alicerçada na teoria e vinculada à prática social e política necessária para a transformação da situação nacional, sem cair na grita esquerdista que nada constrói, apenas faz grosseiras avaliações onde todos são iguais, desconhecendo o papel fundamental que a reconstituição do Estado Nacional joga na luta antiimperialista contemporânea. Emir Sader vê com perspeicácia a singularidade do processo de luta política em curso nas Américas, dando clareza a dística não excludente entre reforma e revolução…parabéns, Professor, a esquerda socialista brasileira tem garnde apreciação pela sua contribuição acadêmica e política

José Manoel

Desta vez não vai haver asfixiamento, como sempre houve, por dois motivos: temos uma presidente forte e os indesejáveis estão quase quebrados, ou seja, estão tomando conta do galinheiro deles, que está mais podre do que nunca!!!!!!!!!!!

patrick

Eu gostaria de complementar o texto de Emir Sader. Paul Krugman, prêmio Nobel de economia em 2008, defende em seu livro "A consciência de um liberal" que a pujança econômica dos Estados Unidos no pós-guerra e a criação de uma imensa classe média nesse período são resultado das políticas de estado de bem estar social do governo de Franklin Roosevelt. Krugman trabalha com os números e mostra a influência fundamental de três pontos: a progressividade fiscal (a alíquota mais elevada do Imposto de Renda chegou a 91% no período!), a força dos sindicatos (maior percentual de trabalhadores sindicalizados na história dos Estados Unidos) e a intervenção moderada do estado na economia.

    Alex

    Patrick, boa intervenção a sua…seria importante compreender que o ciclo de desenvolvimento experimentado nos últimos anos significou uma aumento das taxas de sindicalização dos trabalhadores e uma consequente melhoria nos acordos coletivos de trabalho, com ganhos (modestos, ainda) acima da inflação oficial e o desencadeamento de greves que há muito não se via (como a dos bancários e de vários sindicatos de metalurgicos Brasil afora), denotando um novo protagonismo na cena política nacional.

Rafael

Espero que esse caminho não seja desviado. pelo que observo o melhor caminho a ser seguido é do crescimento baseado na distribuição de renda, na diminuição da desigualdade social e respeito a soberania e nossas riquezas. Dilma vai manter esse caminho.

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