Emiliano José: Como o Última Hora afrontou poderosos donos da mídia
Tempo de leitura: 3 minSamuel Wainer, o criador do Última Hora
Mãos sujas de Sangue
Com respeito aos fatos, Última Hora afrontou donos da mídia
Na série de artigos que o site Teoria e Debate iniciou há duas semanas, Emiliano José retrata alguns exemplos que explicitam a relação da mídia (muitas vezes golpista) com o poder. De Vargas a Goulart, da ditadura a Collor, de FHC a Lula e Dilma, todos esses personagens serão analisados à luz da intervenção da mídia, que o autor qualifica como um partido político, à Gramsci.
*Emiliano José
O Última Hora não escondia seu apoio a Getúlio, mas não abriu mão do apuro jornalístico, da criatividade e do respeito aos fatos. Tais opções afrontaram as poderosas famílias proprietárias dos instrumentos de construção da opinião pública no Brasil, que se sentiam no direito de conspirar contra governos legítimos. É assim até hoje, desde 2002, quando Lula ganhou as eleições presidenciais
(…) Podemos ser dirigidos por la prensa
sin advertilo. Y no existe en ningún diario
la información por la información; se informa
para orientar en determinado sentido a las
distintas clases e capas de la sociedad, y con el
propósito de que esa orientación llegue a
expresarse en acciones determinadas.
Periodismo y Lucha de Clases, de Camilo Taufic, Akal Ediciones, 1976, pág. 7
Dia 2 de fevereiro de 1951.
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Palácio Rio Negro, Petrópolis.
Primeira reunião do ministério de Getúlio Vargas, recém-eleito, na qual seriam anunciadas as diretrizes centrais do novo governo.
Só dois jornalistas presentes: um repórter da Agência Nacional e Samuel Wainer. Iniciava-se, com ferocidade, a conspiração do silêncio da grande imprensa contra Getúlio. O silêncio ensurdecedor foi o primeiro movimento, não o último.
Getúlio certamente percebeu.
Fim da reunião, Wainer é convidado a ficar e jantar com a família.
Terminado o jantar, é chamado por Getúlio à sala de despachos, vasto salão que o presidente usava para conversas reservadas. Falava sempre entre baforadas de charuto e caminhadas de um lado para outro. Iniciou a conversa com rememorações.
– Tu te lembras de uma frase que disseste no dia em que começamos a campanha?
– Não, presidente – respondeu Wainer.
Getúlio puxou-lhe pela memória:
– Era uma frase sobre jornalismo.
Wainer lembrou-se. Voava com o presidente do Rio de Janeiro para o Amazonas e lhe disse:
– Presidente, a imprensa pode não ajudar a ganhar, mas ajuda a perder.
Dissera mais:
– Perceba que sou o único jornalista destacado para cobrir sua campanha. Note que a do brigadeiro Eduardo Gomes mobiliza pequenas multidões de repórteres e fotógrafos. Toda a grande imprensa está contra sua candidatura.
– Não preciso da grande imprensa para ganhar – retrucou Getúlio na conversa a bordo do avião.
O presidente pensava em Franklin Roosevelt, que nunca tivera apoio dos jornais americanos e sempre vencera as eleições. Pensou e disse.
Wainer ponderou:
– Presidente, ao contrário do que ocorre em países como os Estados Unidos, no Brasil a imprensa tem um fortíssimo poder de manipulação sobre a opinião pública. Não é fácil enfrentá-la.
E completou com a frase que o presidente pretendia que ele lembrasse:
– A imprensa pode não ajudar a ganhar, mas ajuda a perder.
Getúlio, entre as baforadas de charuto e as passadas pelo salão, perguntou:
– Tu reparaste que hoje não veio ninguém cobrir a reunião?
– Claro que reparei. Hoje foi desencadeada a conspiração do silêncio.
E Wainer acrescentou, ainda:
– O senhor só vai aparecer nos jornais quando houver algo negativo a noticiar. Essa é uma tática normal da oposição, e a mais devastadora.
O presidente não parava de caminhar, e fumava seu charuto, e queria dizer alguma coisa conclusiva, e disse:
– Por que tu não fazes um jornal?
Wainer, perplexo, e feliz, reagiu:
– Presidente, isso é o maior sonho de um repórter como eu. Não seria difícil editar uma publicação que defendesse o pensamento de um governante como o senhor, que tem o perfil de um autêntico líder popular.
Getúlio foi taxativo:
– Então, faça.
Wainer perguntou:
– O senhor quer saber como faria?
– Não – Getúlio respondeu prontamente.
E acrescentou:
– Troque ideias com a Alzira e faça rápido.
– Em 45 dias, dou um jornal ao senhor – reagiu Wainer.
– Então, boa noite, Profeta.
– Boa noite, presidente.
* Texto publicado originalmente no site Teoria e Debate, como parte de uma série de artigos publicados especialmente sobre o tema. Emiliano José é jornalista, escritor e suplente de deputado federal pelo PT/BA.
Leia também:
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Miguel do Rosário: A infantaria mais agressiva de Carlos Lacerda
Comentários
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[…] Via Viomundo […]
Luiz Rogerio
Prezados,
Tem que haver um controle da mídia para se buscar um equilíbrio é claro que sim, mas o dito PIG há algum tempo não tem mais esse poder todo, visto que todos os grandes jornais e revistas estão tendo problemas com suas vendas, o “povão”, não compra “O grobo”, “inVeja” e outros, somente a “crasse média/alta” ainda compra “por enquanto” esse tipo de mídia. A esquerda sim que está “em berço esplêndido” pois está há 10 anos no poder, se esqueceu de como ir para as ruas e lutar pelo que é certo. Esquerdistas, vamos para as ruas cobrar da nossa presidenta a lei dos médios, e aí sim botar o PIG para gritar…
Maurilio Gadelha
Pessimismo reacionario. A direita morre de medo da Carta Capital, inclusive a VEJA,Até a ditadura respeitou o Mino Carta. Não pode nem deve ser um orgão panfletario, e sim transparente com espaço para o conhtraditorio e isento de calunias e difamações, já temos a Revista falta um jornal e um canal de TV, competitivo com amplo apoio das entidades afins, publicas e privados. Alimentando os movimentos sociais sem serem cumplices. Um sonho que vaidades e egoismos impedem.
airton
Ou mais hoje ou mais amanha, isto vai acontecer. O governo tera que criar um canal (ou mais de um) para sua defesa.
Hélio Pereira
No tempo de Getulio Vargas não hávia Internet e a opinião publicada por meia dúzia de Familias em seus Jornais acabava virando “Opinião Publica”,hoje isto não acontece mais,por mais que aquela “meia dúzia” de Familias tentem impor seus candidatos sempre acabam derrotadas.
Horridus Bendegó
Acontece sim, meu caro.
Onde trabalho só há opiniões que refletem os dogmas da mídia.
Não é todo mundo que se dispõe a ler autores independentes e blogs sujos!
Hélio Pereira
Só que este pessoal é minoria.
Horridus se não fossem minoria o Serra teria sido eleito.
acmsouza
O capital e a produtividade estão ancorados em dois pilares de sustentabilidade: o produto e o consumo.
Toda sociedade é por natureza capitalista e consumista. Desde os tempos remotos, sempre foi, é, e será assim.
Capital é produto.
Consumidor é usuário do produto.
O cidadão é o produtor e consumidor.
Quanto mais ampla e diversificada for a população, maior será a capacidade de produção e consumo, e, por consequência, maior será o capital.
Excluir população da produção e do consumo é estagnar o capital, e, em consequência, empobrecer o estado e seu povo.
Viva o presidente Lula, O ANALFABETO, que conseguiu ler e promover esta verdade que os letrados nunca viram nem promoveram em séculos de governo.
Povo ocupado e consumidor, é sinônimo de desenvolvimento, bem estar e capitalismo.
Rui Rômulo L. Gaspar
Disse tudo
anac
É mirar no exemplo da Inglaterra, França, Dinamarca, Suécia, Suíça, Argentina, etc. Até os USA servem como exemplo para a criação do marco regulatório. E nenhum desses países é acusado pelo PiG de abrigar governos ditatoriais e de cassar a liberdade de imprensa. Marco regulatório Já!.
Willian
Se vocês acham que o marco regulatório deve seguir o exemplo destes países, porque os ídolos de vocês neste tema são a Crsitina Kirchner, Rafael Correia e Chavez?
Julio Silveira
Essa é facil. Por que eles sabem que precisam fazer alguma coisa e por que sabem que se deixarem barato não sai nada, na america subdesenvolvida, apelidada de emergente. Sabem que em seus povos muito poucos emergem e que tem uma turma que fica na beira da lagoa brandindo seus tacapes, defendendo sua exclusividade no oxigenio, a espera de que cranios submerjam para afundá-los a porrada e evitar a concorrência.
lauro c. l. oliveira
Os tempos de Getúlio e Lula/Dilma são completamente diferentes. A grande diferença está que as FAs não se colocam agora como poder mediador. Também o executivo já não possui poderes discricionários como Getúlio. imutável é o golpismo da imprensa. A tendência moderna é do golpe Judiciário. O contraponto moderno para a imprensa golpista é a internet, seus blogs e redes sociais. Ademais,novos extratos sociais estão influindo nos rumos da política e tem sido pouco afetados pela imprensa. Mas ainda hoje o poder da imprensa como elemento de pressão é enorme. O melhor recurso que um governo popular tem para evitar um golpe de estado é a permanente mobilização da sociedade organizada. Como em 2005, mexeu com Lula mexeu comigo.
J Souza
O Brasil já possui uma empresa estatal de comunicação. Como o próprio sítio da empresa diz, tem independência editorial.
Mas esta empresa não mexe com o que realmente importa para os barões da mídia golpista: o LUCRO.
E é ai que entra o governo. Se este continuar concentrando sua verba publicitária na mídia golpista, esta terá cada vez mais e mais poder.
Se o governo fosse sensato, distribuiria de forma mais consciente a verba publicitária do governo e das estatais, como tem procurado fazer, ainda que de forma tímida.
Para enriquecer os barões da mídia, já bastam os bancos e as multinacionais…
FrancoAtirador
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“O jornalista e escritor Emiliano José
é SUPLENTE de deputado federal pelo PT/BA”
Onde estão os petistas baianos,
que apoiam a regulação da mídia,
que não elegeram Emiliano José?
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Marco
sr.Emiliano.Se nos cursos de jornalismo pelo mundo afora,em todos os tempos,subtraírem a utilização de adjetivos,os jornalistas ficarão mudos.Fatos sr.Emiliano,são substantivos e os jornalistas não conseguem entender isto!Só utilizam adjetivos,arma maior de qualquer doutrina.
Gabro
Entendo o que vc quer dizer…
Mas não são apenas os adjetivos que são carregados de subjetividade e ideologia.
Além disso, o problema não diz respeito apenas às categorias lexicais. Mas à lingua toda. O que inclui ainda a sintaxe, o tom, a retórica do discurso, etc.
A manipulação não está apenas na produção do texto jornalístico, ela está também na capacidade do leitor em interpretar.
Um texto não é uma descrição da realidade, ele é uma construção da realidade.
lia vinhas
Por que Lula e Dilma não fizeram o mesmo, não deram um jornal ao Paulo Henrique Amorim, ou ao Nassif, ou ao Azenha ou ao Mauro Santayana ou a qualquer um dos excelentes e dignos jornalistas deste país?
Teríamos um orgão de imprensa absolutamente bem escrito e com direito ao contraditório,a informações sobre tudo o que estes dois governos do PT realizaram e realizam e notícias verídicas de todo o mundo.
Willian
O que você entende por “dar um jornal”? Eu também quero um!
Eduardo Oliveira
Então vamos ampliar a liberdade de expressão e fomentar a formação de perfis assemelhados ao Samuel Wainer, temos em profusão pelo Brasil.
Fernandes
E quando o Pt e a esquerda vai ter um jornal.
Não digo um necessariamente impresso.
Mas um jornal de livre acesso que seja ao mesmo tempo crítico, mas empenhado na emancipação popular.
Willian
Fernandes, ter um jornal é fácil, difícil é ter leitores. O governo tem a TV Brasil, só que ninguém assiste.
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