Eduardo Peccinin e Priscilla Bartolomeu: O que Deltan esconde sobre sua cassação

Tempo de leitura: 4 min
Brasília (DF), 17/05/2023. Ex-deputado cassado, Deltan Dallagnol, durante pronunciamento no salão verde da Câmara. Foto Lula Marques/ Agência Brasil

O que Deltan esconde sobre sua cassação

Por Luiz Eduardo Peccinin* e Priscilla Conti Bartolomeu**, no UOL

É de conhecimento público e notório que, na última terça-feira, por unanimidade, o Tribunal Superior Eleitoral cassou o registro de candidatura e o mandato do ex-deputado e ex-procurador Deltan Dallagnol.

O motivo: a Lei da Ficha Limpa prevê como inelegíveis aqueles demitidos do serviço público ou aqueles que solicitam exoneração na pendência de um processo administrativo que possa levar a esse fim.

No caso, a Corte Eleitoral reconheceu que Deltan pediu exoneração para não enfrentar os processos que poderiam resultar em sua demissão e tornar sua inelegibilidade incontroversa.

Ou seja, praticou ato lícito com fins ilícitos: saiu do Ministério Público Federal para fugir de uma possível responsabilização.

Segundo o ex-procurador, a ‘presunção’ dessa fuga de responsabilidade seria absurda e a inelegibilidade ‘imaginária’.

Segundo especialistas, houve interpretação ‘ampliativa’ da regra para cassar o mandato do parlamentar. Será mesmo?

Primeiramente, um fato importante merece ser mencionado: Deltan só precisaria sair do Ministério Público para se candidatar no dia 2 de abril de 2022, mas pediu exoneração no dia 3 de novembro de 2021.

Renunciou a cinco meses de salário e prerrogativas sem necessidade. Essa pressa só pode ser explicada por aquilo que ex-deputado não contou a seus eleitores desde a decisão do TSE.

Apoie o jornalismo independente

Deltan, por exemplo, omitiu o fato de que, ao deixar a procuradoria federal, já tinha dois processos administrativos disciplinares processados, julgados e com punição aplicada contra ele.

Não contou que, até este momento, os dois processos estão com recursos do próprio Dallagnol ‘pendentes’ de apreciação junto ao STF, tribunal que o ex-deputado chamou de ‘mãe de todos os corruptos do país’ durante as eleições de 2022.

É importante ressaltar que, de acordo com a lei orgânica do MP, tais processos representavam antecedentes que autorizavam que as próximas punições já fossem de suspensão e posterior demissão do serviço público.

O ex-procurador não contou também que apenas cinco dias antes de sua exoneração, o Conselho Nacional do Ministério Público recebeu da corregedoria do MPF um inquérito administrativo disciplinar, com aproximadamente 3 mil páginas, concluído e com acusação sumulada para a abertura de processo administrativo disciplinar.

A causa? Dallagnol manteve, por quatro anos, um aparelho gravador de ligações telefônicas na sede do MPF em Curitiba, sem regulamentação ou autorização superior. Durante esse período, gravou ilegalmente mais de 30 mil conversas, sem qualquer procedimento legal ou fiscalização.

Novamente, trata-se de um inquérito já finalizado, após ampla defesa, com acusação formulada por pares de Deltan do próprio MPF. Segundo o relatório final, o próximo passo, era abrir o PAD, não tivesse Deltan pedido sua exoneração.

Esqueceu de relatar, ainda, que, além desses casos, tinha contra si mais quinze reclamações disciplinares, com acusações que variavam desde improbidade administrativa e violação a sigilo processual até abuso de poder e apropriação indevida de valores de diárias da Operação Lava-Jato.

Em todos os casos, o ex-deputado já havia se manifestado, o que prova que ele tinha plena ciência das seriedade das acusações e da plausibilidade das provas, já que o CNMP poderia ter arquivado de plano esses processos e não o fez.

Não apenas, o ex-procurador também não contou que apenas 15 dias antes de pedir exoneração, seu colega de Lava-Jato, Diogo Castor de Mattos, havia sido demitido do Ministério Público Federal pelo financiamento de um outdoor em frente ao aeroporto de Curitiba (algo, convenhamos, menos grave se comparada à lista de acusações ‘pendentes’ de apreciação no CNMP contra Deltan, seu chefe).

Por fim, o ex-deputado esqueceu de mencionar uma ligação telefônica revelada pela operação Spoofing entre ele e Bruno Brandão, diretor da Transparência Internacional no Brasil (instituição que agora critica o TSE pela cassação).

Nessa conversa, Deltan relata que “a conversa no CNMP é essa: querem me enquadrar também, a partir das reclamações do Gilmar e do Congresso sobre minhas manifestações. (…) Podem entender que meu envolvimento é uma quebra de decoro. Se cada manifestação for tomada como um ato e gerar reincidência, isso significa risco até de demissão”. O medo da punição, portanto, não tinha nada de ‘imaginário’.

Não faltam críticas à Lei da Ficha Limpa em diversos de seus dispositivos, incluindo a própria alínea q, mas o fato é que o TSE não fez nada de diferente do que sempre fez com prefeitos, vereadores, deputados e outros políticos sem a ‘fama’ – digamos assim – do ex-procurador.

A título de ilustração, a fraude já era devidamente reconhecida em casos de candidatos que renunciavam às suas campanhas na véspera das eleições para manterem seus nomes nas urnas, mas escapavam de cassações enganando os eleitores.

Foi o caso aqui. É a partir de um conjunto de provas claras que estão longe de serem ‘imaginárias’ que o TSE entendeu que Deltan fraudou a lei ao sair do Ministério Público Federal às vésperas da instauração de mais um PAD que poderia demiti-lo do serviço público. A justiça pode ser cega, mas não é ingênua.

Imaginamos que ser cassado dói, ex-procurador, ainda mais para você, que por anos defendeu a falsa ideia de que a Justiça Eleitoral não possuía competência para punir maus agentes públicos.

A dor deve ser ainda maior quando sua cassação veio de uma lei tão festejada por você, que até defendia a ampliação da Ficha Limpa para todos os cargos públicos.

Se há alguma lição a ser retirada desse caso é apenas uma: na ‘República de Curitiba’, realmente, “a lei é para todos”. Não há dúvidas que o ‘procurador Deltan’ impugnaria o ‘candidato Deltan’.

*Luiz Eduardo Peccinin é advogado e mestre em Direito,  defendeu a Federação Brasil da Esperança no processo que levou à cassação de Deltan Dallagnol no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

** Priscilla Conti Bartolomeu é mestra em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) formada em Direito pela UFPR e pesquisadora na área das ciências criminais.

Leia também:

Vídeo: Ministro Flávio Dino fulmina ataque de Dallagnol ao MST e moradores da Maré

Jeferson Miola: O conluio da juíza Gabriela com procuradores delinquentes

Apoie o jornalismo independente


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

Zé Maria

https://pbs.twimg.com/media/FxywlR2WIAAFxjH?format=jpg

Ato pró-DD na Paulista flopou vergonhosamente miseravelmente.

O Cara-de-Pau não cansa de passar Vergonha em Rede Nacional.

https://pbs.twimg.com/media/FxzFds5XsAA_8Re?format=jpg

Zé Maria

“1. Dallagnol manteve, por quatro anos,um aparelho
gravador de ligações telefônicas na sede do MPF
em Curitiba, sem regulamentação ou autorização
superior.
Durante esse período, gravou ilegalmente mais de
30 mil conversas, sem qualquer procedimento legal
ou fiscalização.”
https://twitter.com/zanuja_cbranco/status/1660317125590896640

Alexandre de Melo

Nossa mídia cúmplice nada fala sobre essa verdade.

Deixe seu comentário

Leia também