Dermeval Saviani: Ao condenar Dilma, estão condenando a democracia brasileira
Tempo de leitura: 4 min
Democracia: Que regime político é esse?
por Dermeval Saviani, sugerido pelo professor Lincoln Secco
A democracia é um regime político baseado na soberania popular.
E o povo exerce a soberania escolhendo os governantes por meio do voto.
E, para exercer a soberania, o soberano precisa ser educado.
Por isso, a sociedade moderna, que alçou a democracia como forma preferencial de regime político, necessitou organizar, em cada país, os respectivos sistemas nacionais de ensino de caráter universal, público, laico, gratuito e obrigatório.
A escola foi, então, concebida como redentora da humanidade.
Seu papel seria o de redimir a humanidade de seu duplo pecado histórico: a ignorância, miséria moral e a opressão, miséria política.
Ocorre que essa mesma sociedade moderna que erigiu o povo como soberano se constituiu dividindo o povo em duas classes fundamentais: uma, quantitativamente menor, constituída pelos detentores dos meios de produção e dos instrumentos de trabalho concentrados no capital; e outra, amplamente majoritária, constituída pelos detentores apenas de sua força de trabalho e obrigados, nessa condição, a pôr em movimento sua força de trabalho com os instrumentos e os meios de produção dos detentores do capital.
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São constrangidos, portanto, a vender sua força de trabalho em troca do salário como meio de adquirir o que necessitam para sobreviver.
Os primeiros, por deterem o poder econômico, detêm, também, o poder político.
Em consequência, eles têm a iniciativa de indicar os candidatos aos cargos públicos.
Nessas circunstâncias, a possibilidade de indicação de governantes sintonizados com os interesses populares é bem pequena.
Assim, enquanto os membros dos grupos dominantes procuram eleger os melhores candidatos, de seu ponto de vista, os membros das camadas populares não podem escolher os melhores, segundo seu ponto de vista, porque estes raramente conseguem se candidatar.
Assim, eles acabam tendo de buscar eleger os menos piores.
O quadro descrito põe em evidência o caráter formal do regime democrático que se instalou nos diversos países no contexto da implantação e consolidação da sociedade moderna.
Isto significa que o regime democrático se caracteriza pela igualdade e liberdade formais de todos os membros da sociedade superando, assim, tanto a divisão da sociedade em castas como os governos autocráticos.
A democracia formal é, então, insuficiente porque necessita evoluir na direção de sua transformação em democracia real.
No entanto, embora insuficiente, ela é necessária enquanto um conjunto de regras que devem ser respeitadas por todos como garantia dos direitos dos cidadãos individualmente e socialmente considerados.
Em consequência, a quebra da institucionalidade democrática abre as portas para toda sorte de arbítrios.
Conscientes disso, até porque vivenciaram o arbítrio no decorrer da ditadura empresarial-militar instaurada em 1964, a maioria dos intelectuais tem se manifestado contra o impeachment, mantendo sua independência em relação a partidos e governos.
No Brasil, o regime democrático esteve sempre em risco porque, considerando a tendência da população de escolher, especialmente para os cargos majoritários, os menos piores de seu ponto de vista, que são os piores do ponto de vista dominante, os governantes de tendência popular sempre foram alvos de tentativas de golpe.
Assim ocorreu com Getúlio Vargas, que foi conduzido ao suicídio em 1954. Com Juscelino Kubitschek quando se tentou impedir sua posse em 1955 e com João Goulart que foi deposto por um golpe militar apoiado pelo empresariado em 1964.
Esses foram golpes de força que recorreram às Forças Armadas.
Agora a estratégia mudou na direção da desestabilização seguida de destituição, por via parlamentar, de governos populares.
É nesse contexto que hoje, 12 de maio de 2016, Dilma Rousseff foi afastada da presidência da República em consequência de um golpe jurídico-midiático-parlamentar.
Ao desrespeitar a Constituição afastando uma presidente que não cometeu crime algum e que só poderia ser afastada por crime de responsabilidade, quebrou-se a institucionalidade democrática. Sem crime a presidenta, na vigência do regime democrático, só poderia ser julgada pelo próprio povo no exercício de sua soberania.
Em todo esse episódio cumpre registrar a coragem e coerência da Presidenta Dilma Rousseff que não se dobrou em nenhum momento às chantagens, pressões e ameaças de seus opositores.
Vem, pois, a propósito a reflexão de Marcelo Zero trazendo à baila o caso de Sócrates em analogia com o caso Dilma.
Lembra ele que os acusadores de Sócrates não conseguiram demonstrar qualquer ato criminoso.
E Sócrates recusou a solução do pagamento de uma multa porque isso equivaleria a admitir a existência de um crime não cometido.
Preferiu a cicuta. Igualmente Dilma recusou a renúncia, pois isso também significaria a admissão de crimes não cometidos.
Preferiu suportar a injustiça até o fim.
E Marcelo Zero completa: “Sócrates foi grosseiramente injustiçado. Ao condená-lo, Atenas condenou a sua democracia”.
E podemos concluir: Dilma está sendo grosseiramente injustiçada.
Ao condená-la, o judiciário, a grande mídia e os parlamentares estão condenando a democracia brasileira.
Resta a resistência ativa de todos os inconformados com as injustiças para evitar que se consuma, no julgamento em curso no Senado Federal, a usurpação da soberania popular na qual se baseia o regime político democrático.
Dermeval Saviani é pesquisador Emérito do CNPq e professor da Unicamp
Leia também:
Dilma usa Esquivel, AGU de Temer e Jucá para explicar a Rosa Weber o que é golpe
Comentários
FrancoAtirador
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A Democracia no Brasil já está Condenada.
Porém, não há motivo para preocupações.
A Plutocracia braZileira é muito caridosa,
não vai deixar pobre algum passar fome,
desde que volte quietinho pra senzala.
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Serjão
O Avesso do Cárcere ou Aqueles que têm as mãos Limpas, por favor, entrem em Cana; e os demais, juntem-se ao governo dos Pilantras.
Por Paulo Villaça no Facebbook: https://www.facebook.com/pablovillaca01/posts/835338763238018
Esperar que os paneleiros protestem contra o “governo” Temer é o mesmo que aguardar a manifestação de neonazistas contra Bolsonaro: uma perda de tempo.
A percepção de que aqueles que bateram panelas ou vestiram a camisa da CBF o fizeram “contra a corrupção” é ingênua na melhor das hipóteses: a questão ali NUNCA foi “corrupção”, mas o ódio a qualquer política minimamente considerada de esquerda.
Quando Temer anunciou um “ministério” (sempre uso aspas ao mencionar qualquer coisa relacionada ao “governo” Temer) formado apenas por homens brancos, os paneleiros se viram representados;
quando sete destes “ministros” se revelaram ligados à Lavajato, acharam normal;
quando vazaram gravações ESCANCARANDO a natureza golpista do “impeachment”, julgaram aceitável;
quando o “ministro” da Transparência, supostamente encarregado de combater a corrupção, foi flagrado dando instruções de como fugir das investigações, preferiram ignorar;
quando o novo ministro da Transparência declarou que “Temer jamais será cassado pela Justiça Eleitoral se for bem na economia”, condicionando o funcionamento do judiciário a fatores políticas, não piscaram um olho;
quando a criação de 14 mil novos cargos foi aprovada depois de Temer dizer que seu governo reduziria em 5 mil o número de cargos, optaram por ignorar;
quando o golpista anunciou a intenção de criar impostos, os paneleiros esqueceram de que haviam xingado Dilma por tentar fazer o mesmo;
quando Temer usou o serviço de inteligência para MONITORAR AÇÕES de opositores, acharam até justo;
quando o “governo” ganhou do Congresso o direito de chegar a um déficit de até 170 BILHÕES (nada menos do que quase OITENTA BILHÕES a mais do que o governo Dilma havia solicitado, num inchaço inexplicável), concluíram que Temer provavelmente era mais responsável do que a presidenta legítima que havia derrubado;
quando logo em seguida o “governo” manobrou no Congresso para aprovar um aumento ao judiciário que custaria quase 60 BILHÕES – curiosamente, na véspera do que todos diziam que seria um dia repleto de prisões graúdas (que – hum – não vieram) -, os “anticorrupção” não viram nada de mais;
e quando Temer recuou do corte inicial previsto de número de ministérios, da extinção do Ministério da Cultura, da decisão de não nomear o PGR a partir de lista tríplice, do cancelamento da contratação de mais de 11 mil unidades do Minha Casa Minha Vida, do anúncio de que o SUS deveria ser reduzido e de nomeações (como a do líder do governo na Câmara que havia sido condenado por duplo homicídio), os bate-panelas viram ali apenas um líder “flexível”.
Mas a trajetória de sucessos de Temer, o Pequeno, não para por aí, já que esta semana ele decidiu MANTER em seu “governo” dois integrantes que qualquer gestor sério afastaria: o “ministro” do Turismo, Henrique Alves, suspeito de receber dinheiro de propina, e Fátima Pelaes, “secretária” de Políticas para Mulheres, que, evangélica, já havia se declarado contra o aborto mesmo em caso de estupro e que, para completar, foi alvo de investigações por um esquema que desviou 4 milhões de verbas do ministério do Turismo. (Aparentemente, é preciso ter ficha corrida para ser aceito no “governo” Temer.)
Por outro lado, é possível compreender ao menos a decisão de manter Henrique Alves, cujo afastamento ocorreria principalmente graças ao fato de seu nome ter sido citado em delação que consta do novo pedido da PGR contra Eduardo Cunha.
O problema? O NOME DE TEMER TAMBÉM CONSTA do documento como tendo recebido propina de 5 milhões.
Ou seja: se afastasse Alves, Temer teria também que se afastar.
Mas as panelas seguem guardadas. O importante, afinal, é dar um jeito de entregar nossos patrimônios para os estrangeiros e cortar os programas sociais que tornam a vida de milhões de famílias um pouco menos dura enquanto as grandes corporações ganham incentivos fiscais, empréstimos milionários e o direito de “flexibilizar” os direitos de seus funcionários.
Mas não se esqueçam: é a esquerda que incentiva a luta de classes. Claro.
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