Conjuntura Pós-Eleitoral 2018: LGTBTTs e professores, os mais ameaçados; indígenas, quilombolas, sem terra e agricultores familiares, os mais vulneráveis; leia a íntegra

Tempo de leitura: 4 min
Agência Brasil

 Da Redação

A Rede  de Defesa e de Resistência Democrática acaba de publicar Conjuntura Pós-Eleitoral 2018.

É o primeiro documento-análise  produzido pelo grupo criado entre 1.º e o 2.º turno da eleição de 2018.

Objetivo: construir uma proteção nacional aos movimentos e lideranças sociais, com orientações políticas para o enfrentamento das ações da extrema-direita.

A lista de participantes é grande e bem diversificada.

Vai da frente evangélica pelo Estado de Direito à articulação de policiais antifascistas, passando pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Associação Brasileira de Judeus Progressistas, sociólogos, médicos, economistas, advogados, padres e bispos da Igreja Católica.

Alguns nomes: Rudá Ricci, Esther Solano, Márcia Tiburi, José Moroni, Ana Costa, Celso Amorim , Tatiana Lionco,  Tarso Genro, Márcio Porshman, Odilon Guedes, Ariovaldo Ramos, Daniel Cara, Eugênio Conoly Peixoto, Chico Whitaker, Sérgio Storch, Preto Zezé, Patrícia Pelatieri, entre muitos.

Conjuntura Pós-Eleitoral 2018 tem 31 páginas (na íntegra, ao final), 64 tópicos distribuídos em quatro capítulos.

O documento, numa linguagem clara, objetiva, é de fácil leitura e compreensão.

Para terem uma ideia da forma e do contéudo,  selecionamos o capítulo Grupos Sociais sob Ameaça, para reproduzir abaixo. Ele abrange os tópicos 48 a 52.  Boa leitura!

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 GRUPOS SOCIAIS SOB AMEAÇA

44 Neste primeiro mês pós-eleitoral teve continuidade o assédio político-ideológico que a campanha de Bolsonaro empregou durante sua campanha.

Declarações iniciais, divulgação de vídeos em que o futuro presidente citava técnicos da Fundação João Pinheiro (de Minas Gerais, vinculada à Secretaria Estadual de Planejamento) como desafetos, incentivo à denúncia de alunos e pais contra professores “doutrinadores”, declarações públicas contra governos, os expedientes utilizados foram grosseiros e geraram constrangimentos internacionais.

45   Os anúncios e declarações mais impactantes foram minimizados ou desmentidos após reações públicas negativas.

O ambiente criado parece se valer da noção de que nada e tudo são verdades – uma variante da pós-verdade, técnica de controle da narrativa através da determinação do que vale e o que não vale a partir do próprio autor do discurso, quase nunca se relacionando aos fatos que efetivamente ocorreram.

O futuro governo naturaliza o assédio moral e político como expressão de força, criando tumulto e temores em meio aos anúncios de reformas que estariam em curso, como a da previdência, privatizações em massa e supressão de direitos.

46 Dois segmentos parecem os mais atingidos pelas ameaças e se constituíram como alvos de grupos oficiosos: população LGBTT e professores.

A população LGBTT passou a ser alvo desde o final da campanha do primeiro turno deste ano, identificados como elementos de deterioração da moral familiar.

Na sequência à eleição, foi objeto de ação de fundamentalistas religiosos. Há relatos de ataques violentos contra travestis e gays em muitas cidades das regiões metropolitanas de São Paulo e Belo Horizonte.

São muitos registros, como o da designer de animação Larissa Alveno, 24 anos, que ao entrar no metrô, foi abordada por um homem que parou na sua frente e gritou, apontando o dedo. “Lésbica imunda, sua raça vai acabar, vocês vão morrer’.

Assim como a ameaça sofrida pela antropóloga Luiza Lima, 29 anos, que havia colado dois adesivos em sua mochila (um deles com as cores do arco-íris, símbolo LGBT) e que foi abordada por pessoas que estavam num carro que diminuiu a velocidade e começou a acompanhá-la.

Em determinado momento, o homem que estava sentado ao lado do motorista disse: ‘Ei, isso é adesivo de viado, né? A hora de vocês vai chegar, puta’.

47 A socióloga Ester Solano (Unifesp) anota que em entrevistas recentes (pós-eleitoral) ouviu relatos de medo pelo recrudescimento da violência masculina, ativado pelo discurso machista do eleito, já está causando no ambiente doméstico.

48 Além deste público, de forma não inédita, mas em escala crescente, os professores de forma generalizada, sejam da rede pública ou privada, no ensino fundamental ou médio, estão sendo encurralados pelo discurso dos ativistas da Escola Sem Partido.

Durante o segundo turno das eleições, professores de diversos departamentos da Universidade de Brasília (UnB) decidiram cancelar aulas depois que apoiadores do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) convocaram atos em redes sociais para dar início ao que chamam de “caça aos comunistas” – em uma das postagens, diz que “universidade não é lugar de comunista”.

Após declarada a eleição de Jair Bolsonaro como o novo presidente da República, a recém-eleita deputada estadual pelo PSL de Santa Catarina, Ana Caroline Campagnolo, divulgou, em sua página no Facebook, que por conta própria e arbitrariamente, criou um “canal de denúncias” para que alunos denunciem eventuais manifestações de professores contrários à vitória do candidato da extrema direta.

O juiz Giuliano Ziembowicz, da Vara da Infância e da Juventude de Florianópolis, determinou que esta publicação fosse retirada do ar e o Ministério Público de Santa Catarina entrou com ação contra a deputada eleita.

49 Por fim, e talvez os mais vulneráveis, estão as populações indígenas, quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais, bem como os movimentos de agricultores familiares e de sem-terra.

Estes segmentos preocupam pelo relativo isolamento físico que naturalmente sofrem, assim como pela ameaça dos grupos de pistoleiros armados pelo setor duro do latifúndio, que gravitam em seu entorno.

Como já informado neste documento, a equipe de transição do novo governo assumiu posições declaradamente anti-indigenistas, em especial, os membros que são militares.

Já os sem-terra estão claramente estigmatizados como preferenciais na demonstração de força pelo próprio presidente eleito, que se referiu aos seus líderes como criminosos.

Recentemente um dos filhos de Bolsonaro falou em encarceramento em massa de sem terras, numa nítida construção de um ambiente de violência intimidatória.

Inclusive, casos de violência policial contra acampamentos estão ocorrendo em diversos estados, mesmo no Nordeste, à revelia dos governadores. A justificativa dos oficiais da polícia é que estão cumprindo ordens judiciais.

50 Na articulação da resistência, um dos mais preparados são os movimentos antirracistas, oprimidos secularmente e com um histórico resistência mais consistente.

Os grupos LGBTT têm menor articulação. Os professores parecem pouco articulados para essa nova situação de assédio público.

Já as mulheres, alvos tradicionais da violência doméstica, íntima, e as feministas, em especial, foram alçadas à condição de inimigo externo da paz social.

Lideranças camponesas já são alvo e vão sofrer com a chancela legal à violência que o discurso de Bolsonaro veio naturalizando na campanha..

51 Uma primeira reação, quase imediata, veio de coletivos de advogados e juristas, assim como entidades de representação de professores, orientando a categoria sobre ilegalidades divulgadas e a quem devem recorrer em caso de ameaças ou atos de violência.

Em diversos Estados foram criados Observatórios da Violência Política (conceito já consagrado pela ONU),envolvendo polícias militares, corregedorias das PMs, entidades de defesa de direitos, advogados, juízes, deputados, ministério público e defensorias.

52 O uso intenso do conflito moral e cultural parece ser uma das armas discursivas e de estímulo à reação reacionária mais empregadas neste momento

Há, de certa maneira, vínculos com fake news disseminadas durante o processo eleitoral, como o “kit gay” inventado por grupos pró-Bolsonaro.

Ativistas da Escola Sem Partido procuraram se articular nacionalmente e além de incentivar denúncias anônimas contra professores, envidaram esforços para que várias casas parlamentares votassem projetos de lei neste sentido, a despeito do STF já ter aprovado liminar contra esta proposição por considera-la inconstitucional.

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