Armando Boito: Qual o programa da aliança Lula-Alckmin? É o que interessa saber

Tempo de leitura: 3 min
Foto: Ricardo Stuckert

Aliança Lula-Alckmin – com qual programa?

É sintomático que boa parte da esquerda tenha caído na armadilha que consiste em discutir nomes

Por Armando Boito*, em A Terra é Redonda

Boa parte da esquerda tem se perguntado se interessa uma aliança com Geraldo Alckmin.

Essa pergunta, como tem sido posta, é impossível de ser respondida.

E é impossível porque a pergunta está errada da perspectiva democrática e popular. Ela desloca a discussão política, programática, para o mérito das pessoas de Lula e de Alckmin, quando o que interessa saber é qual será o programa político no qual está sendo construída essa aliança.

É sintomático que boa parte da esquerda, tanto defensores da referida aliança quanto seus críticos, tenha caído nessa verdadeira armadilha que consiste em discutir nomes.

Perdem-se em considerações, a maioria delas meramente conjecturais, sobre os ganhos ou perdas eleitorais de tal aliança; perdem-se também na discussão sobre as pessoas dos candidatos e a sua história política passada e recente.

É claro que a história política conta, mas o problema é que os políticos podem mudar de posição.

Muitos socialistas tornaram-se políticos burgueses e importantes políticos burgueses conservadores tornaram-se políticos progressistas.

Apoie o VIOMUNDO

Logo, a história política deste ou daquele político, salvo situações extremas, não é um critério decisivo.

No Brasil, o debate político está muito personalizado e, infelizmente, parte da esquerda perde-se nessa fulanização.

A primeira coisa que interessa é qual programa Lula e o PT proporão para uma aliança que englobe a candidatura Alckmin na vice-presidência de Lula.

Numa aliança, cada parte deve apresentar o programa mínimo comum que entende que deva servir de base para a aliança. É o início da negociação. Concessões terão de vir de parte a parte.

No caso do PT, irá propor quais “desrreformas” para iniciar a negociação em torno de um eventual governo Lula-Alckmin?

Vamos conjecturar improvisadamente e apenas para ilustrar uma lista.

O PT poderia propor várias “desrreformas”:

(a) trabalhista;

(b) previdenciária;

(c) retomada da valorização do salário mínimo;

(d) do teto de gasto;

(e) independência do Banco Central;

(f) retorno ao sistema de partilha no pré-sal;

(g) suspensão dos processos de privatização da Eletrobrás, dos Correios, das refinarias da Petrobrás;

(h) volta do imposto sobre exportação, como fez com árdua luta o peronismo na Argentina, etc, etc.

Como medidas políticas:

(a) desmilitarização do governo e das instituições do Estado (STF, TSE) e volta dos militares aos quartéis;

(b) fim da cláusula de barreira para os partidos políticos;

(c) fim das mordomias de parlamentares que os colocam acima dos seus partidos;

(d) apuração dos crimes cometidos contra a saúde pública e assim por diante.

Suponhamos, agora, que Alckmin aceite algumas dessas “desrreformas” e dessas medidas políticas e recuse outras.

A aliança entra em processo de avaliação nas organizações partidárias progressistas interessadas, mas uma avaliação política, programática.

Um debate como esse, além de orientar politicamente a esquerda, educa politicamente as massas populares. E nós vimos o quanto a organização e a educação política fez falta na hora de resistir ao golpe de 2016.

Num processo como esse, estaria colocada de modo correto, isto é, que interessa ao movimento democrático e popular, a questão seguinte: interessa à esquerda apoiar o programa comum proposto pela aliança Lula/Alckmin?

Como resposta, eu diria que não vejo porque a esquerda não deveria apoiar tal aliança se ela contemplasse significativas “desrreformas” e medidas políticas democráticas.

Porém, nesse caso, repito, tudo estaria baseado no programa político da aliança, e não nos nomes, nas pessoas que o encarnam.

Muitos poderão argumentar que tal posição é idealista, pois no Brasil não é assim que se faz ou que se tem feito política.

Pois é, a esquerda não tem como tarefa fazer política como tem sido feita, mas, sim, fazê-la do modo que interessa ao movimento democrático e popular.

De resto, na verdade, a discussão se dá em torno de nomes apenas na superfície ou na aparência do processo político.

Por trás das cortinas, as cúpulas partidárias e as pessoas diretamente envolvidas – Lula e Alckmin – terão um programa mínimo construído na base de cochichos entre as cúpulas partidárias, longe dos militantes dos partidos.

Teremos um programa oculto enquanto as massas e parte da esquerda perdem-se na discussão de nomes.

*Armando Boito é professor titular de ciência política na Unicamp. Autor, entre outros livros, de Estado, política e classes sociais (Unesp).

Apoie o VIOMUNDO


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

FABIO JUNQUEIRA KARKOW

(0)
A esquerda precisa dialogar mais entre si e com o proletariado, definindo uma pauta mínima p/ que a militância possa replicar nas esquinas, nos bairros 🙏🏽👊🏽👊🏽
——————————
(I)
Para obter maioria no congresso, a campanha da esquerda (muito além de atacar adversários e simplesmente dizer que “fará melhor”) deve elaborar propostas revolucionárias para seduzir o proletariado, melhorando sua interação com o POVO.
Darei exemplos:
————————-
(II)
Discurse em favor de creches de alto nível em horário integral (“padrão FIFA”) e escolas ao estilo dos CIEPs de Brizola e Darcy Ribeiro (no Brasil inteiro) e saliente a tranquilidade que os pais terão para trabalhar “fora” sabendo que seus filhos estarão bem cuidados !
———————–‐
(III)
Devemos explicar=> educação pública_qualidade é direito previsto_CF1988, art 205-206. Também devemos alertar_população a observar_aversão q essas propostas irão gerar nos candidatos_burguesia (direita), pois a relação “imperialismo-colonialismo” depende da alienação popular
—————————
(IV)
Devemos propor: foco, investimento estatal nos transportes públicos, ferroviários, cicloviasß, planejamento urbano, pois c/ o retorno_poder aquisitivo_povo teremos nova explosão no n° de 🚗 nas ruas e estradas, e veremos chocar o “ovo da serpente” do ódio de classe e fascismo

Jair de Souza

Estou de pleno acordo com Armando Boito nesta questão. Sem pretender nenhum direito a crédito, já em 02/12/2021, num artigo divulgado aqui mesmo em Viomundo (Ampliar a frente contra o neofascismo, sim. Mas por que Alckmin de vice?), tratei de deixar clara esta necessidade de priorizar as concordâncias programáticas em lugar das de nomes. No entanto, além disto, procurei também questionar a entrega do cargo de vice-presidente a Alckmin (ou alguém de sua linha política) como parte dos acordos para a formação da aliança. E meu questionamento continua valendo. O campo popular pode, precisa e deve fazer alianças com outras forças políticas neste momento tão crucial para o futuro de nosso povo. Mas, precisamos entender, alianças de classes não eliminam a luta de classes. Portanto, no contexto e momento que estamos vivenciando, não há motivos que justifiquem que entreguemos a aliados conflitivos uma ferramenta (a vice-presidência) que tem tudo para se tornar explosiva e desestabilizadora, independentemente da pessoa de Alckmin, porque, o interesse e desejo de eliminar ou desvirtuar um governo de caráter popular não depende tanto da pessoa de Alckmin. Depende, sim, e muito, dos grupos sociais que tradicionalmente se vinculam a ele. Por isso, ter Alckmin como vice, em minha opinião, é abrir as portas para a instabilidade. Bem, eu tinha (e tenho) esta preocupação.

João de Paiva Andrade

Deixem de lado a censura e publiquem o contraditório, a opinião fundamentada de quem é CONTRA o passe sanitário e contra as big-pharmas. Sejam democráticos.

MAURÍCIO

A maioria dessas ‘desreformas’ já está presente no programa de um dos candidatos, É preciso dar mais atenção a isso.

ANTONIO JOSÉ LOPES

Deveria também revogar ou congelar a BNCC e a Reforma do Ensino Médio, devolvendo esta discussão para aqueles que nunca foram ouvidos como os professores da educação básica e os especialistas acadêmicos.

Zé Maria

.
.
O PT poderia propor várias “desrreformas”:

“(a) trabalhista;
(b) previdenciária;
(c) retomada da valorização do salário mínimo;
(d) do teto de gastos;
(e) independência do Banco Central;
(f) retorno ao sistema de partilha no pré-sal;
(g) suspensão dos processos de privatização da Eletrobrás, dos Correios,
[Reestatização] das Refinarias da Petrobrás [e Desvinculação da Cotação
dos Preços dos Combustíveis em Dólar (fim do PPI)];
(h) volta do imposto sobre exportação, como fez com árdua luta o peronismo
na Argentina” …
.
.
Todas as Alternativas estão Corretas.
.
.

    MAURÍCIO G DA SILVA

    @ze maria, vc acabou de delinear o programa do Ciro.

    Zé Maria

    Caro Mauricio GDS.
    Quem propôs as “Desrreformas”, acima elencadas,
    foi o Professor Armando Boito, com o qual concordo.

    Creio que o PT terá Melhores Condições Políticas
    de efetivá-las no Congresso Nacional.

Luiz Mattos

Oras e qual desreforma o direitista (jamais mudará suas convicções,ingenuidade pensar assim) irá concordar se foi favorável a todas?
Essa aliança se concretizada vai desmoralizar Lula o PT e a militância além de desmoralizada nos debates a cata de votos estará desmobilizada.
Percorri sempre muito mais que mil quilômetros em todas campanhas e com essa má companhia estarei cuidado da vida e descansando no sofá. Me recuso a pedir votos ao verdugo de pinheirinho espancador de professor.

Maria Carvalho

Entendo como essencial, também, para o exercício da governabilidade, acabar com a reeleição “ad aeternum”, com o fim de impedir que grupos como “o centrão” se mantenham e “negociem”, aprovação de leis. Seria interessante a reeleição para apenas mais um mandato, com impedimento de parentes para o mesmo cargo.

Deixe seu comentário

Leia também