Ângela Carrato: Quem disse que as metas da Cúpula da Amazônia eram desmate zero e suspensão do petróleo na região? Mídia corporativa faz o jogo dos países do Norte global
Tempo de leitura: 10 minA VOZ E A VEZ DOS PAÍSES AMAZÔNICOS
Por Ângela Carrato*, especial para o Viomundo
A mídia corporativa brasileira e internacional não se cansa de dar destaque aos graves problemas enfrentados pelo nosso planeta, quando se trata do meio ambiente e da crise climática.
Está certíssima.
No entanto, a cobertura realizada sobre a Cúpula Amazônica, que aconteceu em Belém (PA), de sexta-feira até quarta-feira, para iniciar a discussão e apontar caminhos para a mais importante região de floresta tropical do mundo, mostrou-se falha, preconceituosa e, sobretudo, superficial.
Como explicar tamanha disparidade de comportamentos?
Ao contrário do que alguns possam acreditar, abordar a Amazônia com a devida seriedade envolve mexer num vespeiro, que inclui, interesses geopolíticos e econômicos de países imperialistas, de empresas e de ONGs, muitas vezes a serviço de causas inconfessáveis.
Considerada pelo Itamaraty a mais importante ação de política externa do governo brasileiro em 2023, esta Cúpula antecede a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP-30), que acontecerá em novembro de 2025, também em Belém.
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É importante lembrar que o desmate zero da Amazônia brasileira até 2030 é um dos compromissos de campanha do presidente Lula, que tem na pauta ambiental a principal linha de atuação neste terceiro mandato.
Tendo como base a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), o evento contou com a presença de 30 mil pessoas, entre brasileiros e estrangeiros, e seu objetivo principal era colocar a Amazônia, seus problemas e soluções no centro do debate nacional e internacional, sob a ótica que interessa aos países da região e não dos de fora.
Movimentos populares dos oito países da região estiveram presentes. O evento culminou com a reunião dos chefes de Estado do Brasil, Bolívia, Colômbia, Venezuela, Guiana, Peru, Suriname e Equador.
Durante os primeiros quatro dias, representantes de etnias indígenas, ribeirinhos, povos da floresta e ambientalistas, participaram de 400 atividades, onde conversaram sobre desmatamento que a floresta enfrenta, poluição de águas e rios, situação da flora e fauna e também sobre as suas condições de vida.
Estiveram presentes a essas discussões prefeitos e governadores de Estado pelo lado brasileiro e seus equivalentes dos outros sete países. Em mais de quatro décadas de vigência do OTCA, foi a primeira vez que um encontro com tamanha amplitude teve lugar.
A OCTA foi criada em 1970, com o objetivo de incentivar o desenvolvimento sustentável e a inclusão social da região. A reunião de 2023 é a quarta entre os integrantes do tratado e a primeira desde 2009.
É importante lembrar que no governo de Jair Bolsonaro, a região foi vítima de todo tipo de ataque, com o desmatamento atingindo índices recordes, avanço do agronegócio sobre a floresta, além da atuação criminosa de traficantes de drogas, de madeireiras ilegais e de garimpeiros em terras indígenas.
Na Amazônia vivem cerca de 8% da população da América do Sul.
Mesmo a região sendo conhecida por sua exuberante floresta, seus rios que parecem mar e pela diversidade de fauna e flora, nela se localizam metrópoles como Belém e Manaus, com suas enormes disparidades sociais e graves problemas de infraestrutura. Some-se a isso que no Peru, o bioma ocupa mais de 50% do território nacional.
Ao contrário da mídia cobrir esses debates, para que as pessoas pudessem ter ideia do leque de problemas, da riqueza de visões e de experiências quando se trata da Amazônia, tudo isso foi praticamente ignorado.
A mídia corporativa brasileira e internacional deu-se por satisfeita com a simples menção aos documentos que os movimentos sociais entregaram aos chefes de Estado, como contribuição para a Carta de Belém, documento final da cúpula.
Dispostos em seis eixos temáticos — Proteção dos territórios, saúde e segurança alimentar, Mudança do clima e agroecologia, Racismo, Os povos indígenas das Amazônias: um novo projeto inclusivo para a região, Como pensar a Amazônia para o futuro a partir da ciência, tecnologia, invenção, pesquisa acadêmica e transição energética -, esses documentos registram a abrangência e a complexidade do que foram essas discussões, mas a maioria das pessoas no Brasil e no mundo não tiveram acesso a tais informações.
Pior ainda aconteceu em se tratando da cobertura da reunião dos chefes de Estado, que aconteceu no final da manhã da terça-feira (8/8).
Desde cedo, as informações deram lugar a especulações por parte da mídia sobre a chegada do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, a Belém. O assunto, claro, não teria nada a ver com a Amazônia. A mídia queria saber dele sobre as eleições presidenciais, previstas para o ano que vem.
A explicação oficial de que Maduro estava com otite (inflamação no ouvido) e não poderia viajar de avião, fez com que parte do batalhão de repórteres que o aguardava partisse em busca de novo assunto que pudesse geral alguma controvérsia.
O escolhido foi o cacique Raoni, que teria tentando, sem sucesso, conversar com o presidente Lula naquela manhã.
Ambas as investidas se mostraram frustradas e não conseguiram repetir o festival de baixarias promovido pela mídia quando da presença de Maduro na reunião de cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), em janeiro e, menos ainda, criar atrito entre o governo brasileiro e uma das principais lideranças indígenas.
Essas especulações acabaram servindo, no entanto, para encobrir o duríssimo discurso pronunciado pela vice-presidente da Venezuela, Delcy Rodriguez.
De acordo com ela, “cada vez que ouvimos notícias de tentativa contra a vida do presidente Lula, nós sabemos que por trás dessas tentativas estão aqueles que preferem um governo complacente com as atividades ilícitas, a destruição da biodiversidade e alinhado aos interesses do Norte”.
A representante da Venezuela também apresentou propostas como um plano de desmatamento zero, com mapeamento das áreas críticas na região e ações conjuntas de reflorestamento. A repercussão foi nula.
Nada disso apareceu nas manchetes da mídia brasileira e internacional, da mesma forma que as duríssimas críticas formuladas pelo presidente Lula e pelos presidentes da Bolívia, Luis Arce, e da Colômbia, Gustavo Petro, aos países mais ricos foram igualmente ignoradas.
Primeiro a falar, Lula abriu os trabalhos da Cúpula, na terça-feira, fazendo um breve histórico sobre a região e lembrando que ela não pode continuar sendo apenas “um depósito de riquezas”.
Já Luis Arce, que falou em seguida, apontou o capitalismo como o responsável pela destruição que a floresta vem enfrentando, denunciou a crescente militarização da Amazônia e destacou o pioneirismo de seu país ao incluir na Constituição os direitos da mãe natureza (Pacha Mama).
Arce apresentou um detalhado plano de ação para combater a devastação na região e a crise climática que o planeta enfrenta, assinalado que “ela não foi gerada por nós”. Um desses pontos inclui severa crítica à atuação de ONGs que, segundo ele, não representam os interesses dos nossos povos.
Novamente, repercussão quase nula na mídia.
Gustavo Petro manteve o mesmo tom crítico aos países do Norte pela situação enfrentada pelo meio ambiente e propôs um novo Plano Marshall, para gerar o que chama de “motor da revitalização da floresta amazônica”.
Ambientalista e conhecido por suas posições em defesa da descarbonização da economia, ele quer a criação de um Tribunal de Justiça Ambiental, para julgar crimes cometidos contra a Amazônia.
Repercussão nula.
A crítica ao desmatamento e a indicação de soluções para enfrentar o problema foram a tônica de todos os discursos, mas a mídia preferiu dar destaque apenas à divergência entre as visões de Lula e de Petro no que diz respeito à exploração de petróleo na região.
Lula, que não tem posição fechada sobre o assunto, destacou que “nunca foi tão urgente retomar e ampliar a cooperação entre os países que tem a floresta em seu território”, acrescentando que além de preservá-la é fundamental garantir qualidade de vida para seus habitantes. Ele não tratou diretamente da questão do petróleo.
Petro, nas conversas preliminares que antecederam aos pronunciamentos dos chefes de Estado, queria o compromisso de todos os seus pares com a descarbonização total da economia na região.
Não conseguiu.
A presidente do Peru, Dina Baluarte, e o representante do Equador, defensores da floresta, preferiram não abordar o tema, possivelmente por seus países terem no petróleo importante item para as suas economias.
A Bolívia, que vê no lítio uma espécie de passaporte para a superação dos seus problemas sociais, também fez com que Luis Arce não tratasse do assunto.
Daí, a manchete de O Globo dessa quarta-feira (9/8) – “Cúpula termina sem acordo sobre desmatamento e petróleo”- passar longe de qualquer síntese do que realmente ocorreu.
O mesmo pode ser dito da minúscula chamada de capa dedicada ao assunto pelo jornal Estado de S. Paulo, ao assinalar que “Cúpula acaba sem metas de desmate zero e suspensão do petróleo na região”.
Quem disse que esse era o objetivo da cúpula?
Só quem não conhece nada sobre o funcionamento de reuniões internacionais poderia esperar que dela saíssem metas determinadas com prazos fixados.
A realidade de cada um dos países amazônicos é muito distinta e demanda estudos específicos. Mais ainda: uma reunião de cúpula como essa, será seguida por uma série de encontros de trabalhos por parte dos ministérios e órgãos competentes.
No caso do Brasil, a ministra Marina Silva concentrará boa parte deste trabalho.
Voltando à mídia brasileira, dos principais jornais, a Folha de S. Paulo foi o único cuja manchete mais se aproximou do espírito geral da reunião: “Cúpula da Amazônia evita vetar exploração de petróleo”.
Essa é uma das leituras possíveis sobre a reunião, mesmo assim está longe de ser a única ou a principal.
A mídia brasileira não entendeu o espírito que presidiu a reunião da OTCA.
Em momento algum se pretendeu dar a palavra final sobre qualquer dos temas envolvendo a Amazônia. Ela pretendia e conseguiu ser um marco, um importante ponto de partida para a discussão sobre a realidade e o futuro da região.
No entanto, os termos “sem acordo” e “sem metas”, utilizados pela mídia em manchetes, trouxeram embutidos, sob um falso manto de informação, a ideia de que a cúpula fracassou.
A quem interessaria esse fracasso?
Lula está correto quando aponta a responsabilidade dos países desenvolvidos pela crise climática e ambiental e cobra dos que destruíram suas florestas, o compromisso com o apoio na preservação da Amazônia.
Arce, quando responsabiliza diretamente o capitalismo pela gravidade da situação ambiental do planeta, está igualmente coberto de razão.
A vice-presidente da Venezuela, na contundente acusação que faz aos países do Norte de se valerem do extermínio de lideranças para manterem seus privilégios, põe o dedo numa ferida que muitos defensores do meio ambiente preferem ignorar: a supremacia que os países ricos tentam manter no mundo a qualquer custo. Inclusive com mortes e imputando aos países menos desenvolvidos a conta pela destruição do planeta.
Tudo isso mostra como enfrentar os problemas da Amazônia não tem nada de simples e seria absurdo esperar que fossem resolvidos em uma única reunião e através do mero anúncio de metas ou de vetos.
Enfrentar esses desafios envolverá muita luta e determinação não só de governos como de todos que habitam a região Amazônica.
Mesmo com a presença de centenas de jornalistas, vários europeus, o resultado da cobertura deixou muito a desejar. Até porque, a relação de vários países que integram a União Europeia com a Amazônia tem historicamente pouca coisa de positiva.
A França mantém, em pleno século 21, a Guiana Francesa, sua colônia na região, onde é explorado ouro em condições distantes das adequadas.
Já países como a Guiana (ex-colônia inglesa) e Suriname (ex-colônia holandesa) ainda possuem estreitos vínculos com suas ex-matrizes e estão longe de uma efetiva independência.
Nos dois últimos descobriram-se recentemente importantes reservas de petróleo e gás, que já estão sendo exploradas. Descoberta que se repetiu também na chamada Margem Equatorial, pertencente ao Brasil, distante 500 quilômetros da foz do rio Amazonas.
A Petrobras quer explorar este petróleo. O Ibama vetou, argumentado que faltavam estudos mais detalhados sobre o impacto ambiental na região.
Novos estudos serão feitos antes de o governo brasileiro tomar qualquer decisão.
Na cúpula, Lula falou na importância das energias limpas e também na necessária transição energética, sem se posicionar diretamente sobre a questão.
Desde já, no entanto, é visível a atuação das velhas “sete irmãs” do petróleo, como são conhecidas as principais empresas multinacionais que dominam o setor.
Além de não gostarem da ideia de novos concorrentes, a descoberta de petróleo na Margem Ocidental faz com que o Brasil salte de oitavo país com maior reserva mundial de petróleo, para o quarto lugar, atrás apenas dos Estados Unidos, Arábia Saudita e Rússia.
Não se deve perder de vista que o golpe que depôs a presidente Dilma Rousseff, em 2018, teve como principal objetivo se apropriar do recém-descoberto pré-sal em águas do mar territorial brasileiro no Sudeste. A nova descoberta pode dobrar em muitas vezes as estimativas feitas até agora.
Claro que seria muita ingenuidade, com tantos e tamanhos interesses em jogo, esperar que a mídia corporativa, nacional e internacional, cobrisse com o mínimo de isenção esta cúpula. Logo essa mídia que tem nas petroleiras estrangeiras seus maiores anunciantes.
Seja como for, a partir de agora, entidades quase desconhecidas, como a OTCA, suas reuniões e eventos vão passar a aparecer com maior frequência na mídia.
Os países do Norte começam a perder o monopólio da fala sobre o meio ambiente e passam a enfrentar, de forma sistematizada, justas cobranças quando se trata da Amazônia e do futuro do planeta.
A propósito.
Vocês viram como hoje, 10 de agosto, a Cúpula da Amazônia já sumiu do noticiário e estão de volta matérias sobre as péssimas condições dos indígenas e o desmatamento?
Lamentavelmente, isso mostra que não é interesse da mídia corporativa abordar as raízes do problema, mas queimar governos da região, entre os quais o de Lula.
Algo como dizer: Vocês são incompetentes. Deixem a Amazônia por nossa conta.
Por nossa conta, leia-se os países do Norte global.
*Ângela Carrato é jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG.
Leia também:
Ângela Carrato: A cobiça da Amazônia e o duplo padrão da mídia corporativa
Contag convida: Que tal revisitar o documentário Nos Caminhos de Margarida? Veja-o aqui
Comentários
Zé Maria
“Hoje é dia de homenagearmos pais,amigos
e companheiros que a vida nos presenteou.
Também quero prestigiar as mães solo,
mulheres fortes cuidadoras, e também os pais
que sozinhos cuidam bravamente de seus filhos.”
GLEISI HOFFMANN
Deputada Federal pelo Paraná/Brasil
Presidente Nacional do Partido dos Trabalhadores
https://twitter.com/Gleisi/status/1690731824912252929
Zé Maria
https://en.rattibha.com/biazitagomes
Zé Maria
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A C@lunista Tucana Xeirosa do Grupo GEF* levou uma Invertida:
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“Querida
Primeiro, o projeto do governo vai manter língua estrangeira
como obrigatória além de história, geografia, sociologia
que tinham sido retirados na reforma do ensino médio
criada pelo seu querido Temer.
Segundo, se vc estivesse preocupada com o jovem
no mercado de trabalho iria querer o ensino de mandarim
nas escolas públicas”
https://twitter.com/BiazitaGomes/status/1690708734937350144
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Mensagem à SECOM (@Pimenta13Br)
“A única forma de vencer a estrutura de comunicação da extrema direita
é desmentir todas as fake news diariamente.
Elas precisam ser desmentidas em tempo real e o governo precisa
de monitoramento constante para conseguir desqualificar as fake news .
O governo precisa ter canais de comunicação em todas as redes sociais
com respostas às fake news de acordo com o público alvo de cada canal.
O que dá certo no Facebook não dá certo no Instagram por exemplo.
É necessário ocupar tudo e trabalhar 24 horas com informação”
https://twitter.com/BiazitaGomes/status/1614732498189025283
https://twitter.com/BiazitaGomes/status/1614801581324791809
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Acima de tudo, a Preocupação de GEF* é com a Inclusão do Espanhol.
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SergiodeBarfa
Mais correto seria colocar MÍDIA MERCANTIL no lugar de mídia corporativa.
Zé Maria
Grupo GEF* = Consórcio de Mídia Venal Neoliberal Corrupta e Impatriótica.
Zé Maria
https://pbs.twimg.com/media/F3HgYnGXcAAE3yg?format=jpg
O presidente da República Democrática do Congo [ex-Zaire] esteve
em Belém [e o presidente da República do Congo também].
A Indonésia, que também tem uma das maiores florestas tropicais
do mundo, enviou representante.
Mesmo alguns veículos da mídia nacional dando ênfase para aspectos
isolados do Encontro dos países que integram a região amazônica,
não se pode subestimar o que começou a ser gestado nesta semana,
sob a liderança do Brasil.
O Presidente Lula acertou o tom: é preciso cuidar do meio ambiente
e da economia local. Não há um sem o outro.
Agora é trabalhar para que haja desdobramentos concretos.”
Núcleo de Relações Internacionais
do Instituto San Tiago Dantas
de Direito e Economia (Brasília)
https://twitter.com/iSantiagoDantas/status/1689425567265722368
https://twitter.com/LulaOficial/status/1689360585161342976
https://twitter.com/LulaOficial/status/1689378500262690816
Zé Maria
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O Grupo GEF* faz o Jogo da Embaixada
dos Estados Unidos da América (EUA)
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