André Singer: Palavras e atos de Dilma têm falta de conexão perigosa
Tempo de leitura: 2 minO critério da verdade
por André Singer, na Folha de S. Paulo
Dilma Rousseff encerrou a mensagem ao povo reunido para a sua segunda posse em Brasília com um juramento. “Nenhum direito a menos, nenhum passo atrás, só mais direitos e só o caminho à frente. Esse é meu compromisso sagrado perante vocês.”
No entanto, três dias antes, o governo anunciou que cinco benefícios previdenciários sofreriam cortes de R$ 18 bilhões. A tesoura vai cair sobre o seguro-desemprego, o abono salarial, a pensão por morte, o auxílio-doença e o seguro defeso (voltado para os pescadores). Todos de interesse direto dos pobres. O montante subtraído equivale a cerca de 70% do gasto com o Bolsa Família em 2014.
A desconexão entre palavras e atos constitui perigosa sequência daquela produzida por uma campanha à esquerda e a montagem de um ministério à direita. Em geral, o chamado povão já tende a considerar que o universo dos políticos lhe é alheio. Mas a ruptura de qualquer elo lógico entre o que se diz e o que se faz tende a potencializar as reações de violento descrédito que virão quando o efeito real das medidas começarem a ser sentidas na pele.
O argumento apresentado para compatibilizar a gritante contradição é que não se trata de retirar direitos e sim corrigir “distorções”. Essa é a justificativa principal da doutrina que, nas últimas décadas, dedicou-se de maneira sistemática a desmontar o Estado de Bem-Estar Social onde ele existia e a impedir a construção do mesmo onde era incipiente, caso do Brasil.
Desde o início, neoliberais procuraram mostrar, por exemplo, que, nos países avançados, as transferências de renda para a força de trabalho desempregada tinham produzido gerações de preguiçosos. O apoio àqueles que temporariamente não encontravam colocação teria sido “distorcido” na forma de um estilo de vida permanente baseado na previdência pública.
A força do argumento está em que ele corresponde à verdade em certo número de casos. Com efeito, é plausível que alguém prefira viver com o muito pouco ofertado pelo Estado do que aceitar uma vaga no mercado, em geral precária. Em nome disso, muitos direitos foram diminuídos nas últimas décadas mundo afora.
Mas o ponto principal é que a “distorção”, embora exista, tende a ser amplamente minoritária quando se olha o conjunto dos beneficiados. A grande maioria destes é constituída por homens e mulheres que desejam encontrar, o mais rápido possível, inserção produtiva com remuneração digna, que lhes permita viver sem precisar de qualquer auxílio.
Ao jurar que nenhum direito será diminuído, Dilma concorda com isso. Ao diminuí-los, adere ao contrário. Como dizia o velho barbudo, é na prática que se demonstra a verdade.
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Comentários
Nelson
Fica cada dia mais cristalino qeu o país mostrado pelo PT no programa eleitoral, e, infelizmente comprado pela maioria da população, não existe. A conta de tantos desmandos está chegando e será bastante salganda, recaindo principlamente no colo daueles que só pagam, não recebendo nada em troca que é a classe média. Viva o país do PT!!!
Léo
Discordo das medidas tomadas pelo governo? Sim!
Esse desconexão de discurso e atos é meio estranho.
Uma analogia: A maioria dos “favelados” são gente de bem. Faça um teste leve um pobre vestido com suas vestes do dia-dia em bairros onde o policiamento é razoável e veja quantas vezes ele será parada para uma revista. A culpa de uma minoria que preferiu roubar à trabalhar. A maioria paga pelo erro de uma minoria.
Testemunho (pareci um religioso haha): Na adolescência vivi em um bairro pobre do DF. Muita gente do ciclo social trabalhava três meses e passava outros 6 recebendo do Estado e olha que sempre tem vagas de emprego sobrando.
Edgar Rocha
Taxação sobre fortunas e heranças. Vai ter? Impedimento de reajustes salariais para juízes e políticos, vai ter? Sobretaxa a propriedades rurais improdutivas, vai ter? Intensificação da fiscalização sobre grandes contratações públicas, contratos e licitações, vai ter? Corte na transferência de dinheiro público para empresas de comunicação mascarados de propaganda, vai ter? Tenho certeza que tudo isto geraria uma economia muito maior do que os cortes previstos.
Nelson
Complementando….diminuição no nº de ministérios vai ter? Demissão dos funcionários contratados sem concurso para para contribuir com o caixa do partido vai ter?
Luther
Fora a declaração de dirigente da Força Sindical chamando o governo Dilma de Robin Hood às Avessas, cadê as outras?
A CUT governista está ficando mais pelega que a Força Sindical.
Isso que dá não ter autonomia a projeto política eleitoral e de governo: perda das conquistas dos trabalhadores.
Julio Silveira
Parabéns ao Singer pela coragem de, sendo petista, estampar na cara de petistas oportunistas politicos que não se diferem de seus adversários na pratica da enganação as contradições evidentes que fazem da politica um jogo para hipocritas e outros adjerivos ainda piores.
Macunaíma
Compreendo a necessidade de ajuste mas fazê-lo sobre os aposentados e idosos é covardia.Bem, vamos aguardar a aprovação das medidas provisórias pelas quais o povo mais pobre terá que pagar a conta pelo déficit público. Sou PT, Lula e Dilma mas estou revoltado principalmente com a questão da pensão por morte. Quando me aposentei fui roubado em cerca de 40% pelo fator previdenciário, agora quando eu morrer em breve ,minha viúva de 72 anos será roubada em 50% da “merreca” que faria jus. Enquanto isso, os militares continuam deitando e rolando, com seus privilégios previdenciários intocáveis. Tenho 2 primas que viveram a vida toda e ainda vivem da pensão de seu pai general, sem nunca terem trabalhado e olha que já estão beirando os 70 anos. Já fazem 150 anos que os militares participaram de uma guerra (do Paraguai). De lá pra cá, só deram tiro ou em seus compatriotas ou em pombos, se for o caso. Viva o Brasil! Viva a casa grande!
NPFreitas
Perfeito, Macunaíma!
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