Alvaro Gonzaga: Lula foi condenado com instrumentos de exceção; ouça a entrevista
Tempo de leitura: 5 minDa Redação
Será lançado amanhã, na Faculdade Nacional de Direito do Rio de Janeiro, o livro “Comentários a uma sentença anunciada: o caso Lula”, com 120 artigos de advogados e juristas fazendo uma série de críticas ao comportamento do Judiciário, da Operação Lava Jato e do juiz Sergio Moro.
Um dos articulistas é o professor Alvaro Gonzaga, livre docente em Filosofia do Direito pela PUC/SP, com pós-doutorados na Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa e na Universidade de Coimbra.
Uma das críticas que ele faz à condenação do ex-presidente Lula no caso do triplex é ao protagonismo pessoal do juiz Moro, que se afastou da ideia de que um juiz não deve ter identidade e seguiu o roteiro que ele mesmo descreveu ao analisar a Operação Mani Pulite, na Itália: uso intenso da mídia para condenar antecipadamente no tribunal da opinião pública, o que constitui pré-julgamento.
Segundo o professor Gonzaga, o Judiciário brasileiro está naturalizando o uso de instrumentos típicos de exceção: a teoria do domínio do fato e as delações premiadas, por exemplo.
No chamado mensalão petista, o domínio do fato foi aplicado a dirigentes petistas como José Dirceu e Jose Genoino, que pelas posições que ocupavam na hierarquia deveriam saber e, portanto, foram responsabilizados por ações de terceiros.
À época, o ideologicamente insuspeito jurista Ives Gandra Martins, em entrevista a Monica Bergamo, explicou:
Com ela [teoria do domínio do fato], eu passo a trabalhar com indícios e presunções. Eu não busco a verdade material. Você tem pessoas que trabalham com você. Uma delas comete um crime e o atribui a você. E você não sabe de nada. Não há nenhuma prova senão o depoimento dela — e basta um só depoimento. Como você é a chefe dela, pela teoria do domínio do fato, está condenada, você deveria saber. Todos os executivos brasileiros correm agora esse risco. É uma insegurança jurídica monumental. Como um velho advogado, com 56 anos de advocacia, isso me preocupa. A teoria que sempre prevaleceu no Supremo foi a do “in dubio pro reo” [a dúvida favorece o réu]. […] O domínio do fato é novidade absoluta no Supremo. Nunca houve essa teoria. Foi inventada, tiraram de um autor alemão, mas também na Alemanha ela não é aplicada. E foi com base nela que condenaram José Dirceu como chefe de quadrilha [do mensalão]. Aliás, pela teoria do domínio do fato, o maior beneficiário era o presidente Lula, o que vale dizer que se trouxe a teoria pela metade.
O professor Alvaro Gonzaga também caracteriza como instrumento de exceção o peso dado às delações premiadas sem provas materiais. Sergio Moro condenou Lula fortemente baseado no testemunho do ex-executivo Leo Pinheiro, da empreiteira OAS.
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Uma frase resume seu alerta: “Aquela democracia que lutamos e que vem sendo concretizada desde [a Constituição] de 1988 vem sendo posta em cheque, com novas teorias de interpretação ou velhas teorias de interpretação [do Direito]”.
Vale a pena ouvir a entrevista, em que ele começa descrevendo o livro:
Juristas lançam livro com arbitrariedades da sentença de Moro
O livro, que será lançado em 11 de agosto, traz artigos de 120 renomados advogados que ajudam a “descortinar” a parcialidade do juiz
Uma centena de juristas se reuniu para publicar livro no qual, por meio de artigos, irão pontuar todas as arbitrariedades e “equívocos” jurídicos encontrados na sentença proferida pelo juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sérgio Moro, sobre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O livro “Comentários a uma sentença anunciada: o caso Lula” será lançado no dia 11 de agosto na Faculdade Nacional de Direito no Rio de Janeiro.
Ao condenar o ex-presidente pelo “caso tríplex”, Moro não imaginava que se tornaria objeto de críticas dos mais renomados advogados brasileiros.
A ideia do livro surgiu depois que os advogados tiveram acesso à sentença e começaram a destrinchar detalhes que revelam além do caráter político, vários “excessos” do juiz, escancarando a parcialidade do magistrado.
A preocupação dos idealizadores é o impacto que uma decisão como essa pode ter na Justiça brasileira.
Sob a coordenação dos doutores e professores de direito da UFRJ, PUC-Rio e UNILA, Carol Proner, Gisele Cittadino, João Ricardo Dornelles e Gisele Ricobom, o livro vai contar com artigos de Eugênio Aragão, Marcelo Nobre, Marco Aurélio de Carvalho, Lênio Streck e Pedro Serrano, dentre outros.
“Muitos juristas que vêm acompanhando esse processo resolveram escrever sobre a condenação. Ela tem uma série de aspectos questionáveis e precisamos de um time grande para comentar a sentença. São artigos curtos e que vão direto ao ponto, levando em consideração aspectos que dissecam a sentença para que o público leigo possa ter acesso. É o primeiro documento em forma de livro falando da sentença”, explicou a advogada, professora da UFRJ e coordenadora do livro Carol Proner.
De acordo com ela, a data de lançamento do livro não foi ao acaso. Dia 11 de agosto comemora-se o Dia do Advogado e dia dos cursos jurídicos. Nesta data, também será realizada em Curitiba um Tribunal Popular para mostrar para os brasileiros a realidade da Operação Lava Jato.
Proner contou que, 24 horas após a divulgação da sentença, 60 importantes nomes do direito brasileiro já haviam confirmado a participação no livro.
“Passado mais um dia, o número duplicou. Temos também pessoas que não se alinham politicamente com o PT ou que provavelmente não apoiariam um projeto liderado pelo ex-presidente Lula, mas que sentem a obrigação de dizer o que pensam sobre um juízo histórico no qual está em jogo a disputa eleitoral de 2018”, explicou a professora de direitos humanos da UFRJ e diretora do Instituto Joaquín Herrera Flores – IJHF, Carol Proner.
Absurdos da sentença
Proner explica que existem diversas inconsistências na peça jurídica, mas ela chama atenção para um fato específico: a negativa de Moro de anexar 73 depoimentos que inocentaram o ex-presidente, em sua maioria de testemunhas da acusação.
“Chama atenção imediatamente a desconsideração das testemunhas do caso. Mais de 70 pessoas testemunharam dizendo que não conheciam ou sabiam da correlação entre Lula e “tríplex“. Essa é a principal razão da condenação pelo juiz, mas que não leva em consideração a prova testemunhal, que acaba deixada em segundo plano. Em relação às provas, existe apenas uma delação de uma única pessoa”, declarou a advogada, se referindo à delação de Léo Pinheiro que sequer foi deferida pela Justiça.
Outro destaque da sentença, de acordo com Proner, é o fato de Moro ter usado 230 páginas apenas para “se explicar” das denúncias de lawfare feitas pela defesa de Lula. “É um juiz monocrático se defendendo de supostas ilegalidades. A impressão que fica é de alguém que veste a carapuça. Sentindo-se culpado, passa todo o tempo se justificando preventivamente, ou seja, antes de prolatar a sentença”.
As condenações sem provas por lavagem de dinheiro e corrupção passiva ganham um destaque por parte dos juristas que contribuíram com o livro. A ausência de comprovação de propriedade do imóvel pelo ex-presidente, sendo o triplex de propriedade da OAS e usado como garantia de empréstimo com a Caixa Econômica, além da total ausência de provas de transferência de dinheiro ou contas no exterior, são alguns dos absurdos apontados pelos especialistas.
“O processo foi conduzido sem provas e a sentença é extremamente frágil. Destaco uma frase representativa de Afrânio Silva Jardim em artigo no Livro: “Lula foi condenado por receber o que não recebeu e por lavagem de dinheiro que não lhe foi dado … Vale dizer, não teve o seu patrimônio acrescido sequer de um centavo. Não recebeu nenhum benefício patrimonial e por isso não tinha mesmo o que lavar””, explicou.
Além da sentença, os advogados consideram todo o processo do “caso triplex” um exemplo de exceção judicial que ainda será debatido nos cursos de direito do país. “O julgamento é histórico, assim como o será também a decisão em segundo grau. E a história será implacável quando, então, teremos o julgamento final com o nítido cenário das razões da exceção”. Proner lembrou ainda a perseguição à ex-primeira dama Marisa Letícia, falecida no início do ano.
Por Ana Flávia Gussen, da Agência PT de Notícias
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