Eliara Santana: Quando era conveniente, Globo fingiu não ver o descontrole de Bolsonaro
Tempo de leitura: 4 minPor Eliara Santana
por Eliara Santana*
O editorial de O Globo de hoje, 14 de agosto, enquadra o presidente Jair Bolsonaro na categoria de indesejável para o país.
Logo no titulo, o vaticínio: “Descontrole de Bolsonaro afeta relações externas”.
Muita atenção à palavra usada para definir o comportamento do presidente Johnny Bravo: descontrole.
Ou seja, está colocado explicitamente o argumento para dizer da incapacidade do presidente eleito para estar à frente do governo.
E prossegue o editorial:
“Uma das marcas registradas do deputado e ex-capitão Jair Bolsonaro sempre foi não medir palavras, dando a entender que não pensava antes de abrir a boca em público”.
Muito interessante essa constatação.
Exatamente por saberem disso e por saberem que o destempero de Jair era um perigo para as aspirações da elite em liquidar Lula e o PT, a tônica editorial das Organizações Globo, Jornal Nacional à frente, foi o silenciamento.
Em relação a Bolsonaro, com um viés positivo, ou seja, silenciando-o e utilizando discurso indireto (o narrador fala por ele) para exatamente evitar que seu discurso bárbaro e torpe influenciasse negativamente o eleitorado.
Por muito tempo, tiveram sucesso.
Apoie o VIOMUNDO
Ao lado dessa linha, utilizou-se também a estratégia da naturalização, humanização de um candidato que, agora descobrem, era “descontrolado”.
Por isso, e por vários motivos, o editorial cheira a um grande cinismo.
Prossegue a peça indignada:
“Com 28 anos de mandatos em Brasília, lançou-se ao Planalto sem qualquer chance visível. Continuou falastrão na campanha, venceu as eleições e pensou-se que moderaria o discurso, para se adequar à liturgia e à representatividade do cargo que passou a ocupar”.
Acontece que esse traço de “falastrão” foi ocultado durante a campanha.
Nunca houve alarde ou grandes matérias mostrando quão destemperado e quão incontrolável e desrespeitoso era o então candidato.
Nada foi explorado e enfatizado para a grande massa de eleitores, pelo contrário, todo o destempero ficou bem escondido ou foi minimizado.
Vejamos alguns detalhes:
— No dia da votação pelo impeachment de Dilma Rousseff, o deputado Jair Bolsonaro exalta a memória de um torturador, o coronel Brilhante Ustra, agredindo frontalmente a então presidente.
Isso não merece grande destaque (era preciso tirar Dilma e o PT) e não é retomado durante a campanha (a memória discursiva dos eleitores é constantemente alimentada pela mídia, como em relação a temas específicos como corrupção e inflação. Por que não o fizeram nesse flagrante caso de apologia à tortura?)
— No dia 29 de setembro, enquanto o movimento #elenão ganhava as ruas do Brasil inteiro, o Jornal Nacional trouxe um entrevista com um candidato bonzinho, dentro do avião, voltando para casa após longa internação, com saudades da filha.
— Durante a campanha, as duas candidaturas – Haddad e Bolsonaro – foram tratadas como representantes de dois polos num mesmo campo democrático. As diferenças entre o candidato descontrolado e Fernando Haddad não eram gritantes?
— O silêncio como política editorial envolvia a estratégia de não cobrar propostas do candidato descontrolado. Nada era dito. E isso era “normal”.
— Às vésperas do segundo turno, a Folha de São Paulo traz grande reportagem mostrando como funcionava a fábrica de fake news de Bolsonaro. Isso foi absolutamente minimizado. JN ignorou a questão, depois, fez matérias bem superficiais, apenas reproduzindo o material original.
— Durante a campanha, no Jornal Nacional, Bolsonaro falou ao vivo sobre o kit gay, atribuindo a aberração a uma ação de Fernando Haddad, o candidato do PT, quando ainda era ministro. William Bonner não questionou o teor absolutamente desqualificado da fala do candidato Bolsonaro.
— Depois de eleito, Bolsonaro continuou sendo silenciado positivamente — o JN passou a mostrar apenas imagens do presidente, editando suas falas, que eram reproduzidas por um narrador, ou colocando excertos suaves e não comprometedores. Por que silenciá-lo? Para esconder, quando era conveniente, toda sua ignorância, incapacidade e destempero?
A aposta das forças que construíram e apoiaram Bolsonaro — e foram muitas — , com certeza, era de que o “candidato falastrão” iria se submeter ao núcleo duro do governo, então representados por Paulo Guedes, Hamilton Mourão e Sergio Moro (discursivamente, isso se insinua na frase “pensou-se que moderaria o discurso”).
Mas isso não aconteceu, como estamos vendo.
Sobretudo, a normalização do agora “descontrolado” presidente era para garantir que a outra força política encampada pelo PT e pela candidatura Lula, que estava muito à frente na preferência do eleitorado, não obtivesse nova vitória.
Ou seja, a eleição de Bolsonaro era o desfecho desejado do impeachment de Dilma Rousseff.
E assim se naturalizou o descontrole, que agora ameaça setores como o agronegócio — pois o embate nas questões ambientais atinge diretamente esse setor, como Haddad havia alertado durante a campanha — e o sucesso das reformas (privatização da educação, reforma trabalhista, fortalecimento dos bancos privados).
Para fechar com chave de ouro o editorial, o veredito final: “O presidente se torna um risco para o país”.
Resta saber a qual modelo de país se refere O Globo, pois há enormes lacunas e pontos não explorados na fala editorial do jornal — que representa a linha das Organizações Globo.
Do ponto de vista da estruturação do discurso e da produção de sentido, há dois aspectos essenciais que devemos buscar compreender neste editorial:
1. Durante todo o tempo, o ataque é à figura do presidente, sujeito uno, que parece ter sido eleito por obra divina (ou do capeta), sem nenhum apoio, sem conjunção de forças, sem defesas inflamadas, sem estrelinhas oportunistas a dizerem da “necessidade de tirar o PT”.
Portanto, infere-se que o inconveniente para o Brasil é apenas e somente Bolsonaro, ele, sujeito individual. Não o seu governo.
Bolsonaro é tomado como elemento dissonante, não como aquele que congregou forças para fazer frente à subida de Lula na preferência do eleitorado, mesmo estando injustamente encarcerado.
2. Nada em seu (des)governo é questionado. Nenhuma política nefasta, nenhum sucateamento. Nada.
Não há nenhuma menção à recessão, à gravíssima crise econômica que solapa o Brasil, ao desemprego desesperador, aos ataques à educação, aos ataques aos movimentos sociais, aos povos indígenas.
Tudo o que é mencionado como agressivo e prejudicial no presidente “descontrolado” é aquilo que prejudica bancos, agronegócio, o grande capital.
Portanto, repito: querem tirar o descontrolado bode da sala porque ele ATRAPALHA o mercado, ATRAPALHA o agronegócio.
Não é porque ele está levando o país aos caos, disseminado o discurso de ódio, atacando a educação, penalizando os movimentos sociais, dizimando a Amazônia e os povos indígenas.
Nada disso, lembrem-se, interessa ao capital e não vai se tornar pauta da elite com um possível impeachment de Bolsonaro.
Mais do que nunca, “é preciso que tudo mude para que tudo continue como está”.
Eliara Santana
Eliara Santana, jornalista, doutora em Estudos Linguísticos, pesquisadora do Observatório das Eleições.
Comentários
Manoel
A família Marinho e seus jornalistas que são de extrema direita são os escárnio do jornalismo.
Renara Vasconcelos
William bonemer
Leilane neubarth
Sandra annenberg
Merval pereira etc…
O Bolsonaro quando foi entrevistado do JN quando ainda candidato colocou a Renata Vasconcelos e o william bonemer em seus devidos lugar ou seja a lugar algum pois fez com que a Renata Vasconcelos e o william bonemer amarelace diante do pavio curto do capitão.
Não votei no Bolsonaro e não gosto do governo do Bolsonaro porém não posso negar que gooooostei muitooooo quando o Bolsonaro humilhou a Renata Vasconcelos e o william bonemer.
Também gosto quando o capitão ataca a globo lixo e família Marinho.
João Batista de Abreu
Boa análise de Eliara Santana sobre a diferença de tratamento das Organizações Globo em relação a Jair Bolsonaro, mas é preciso lembrar que hoje o alcance da mídia impressa é extremamente menor que a TV. Quando um editorial semelhante for lido no Jornal Nacional, aí sim o governo e as bravatas do capitão terão subido o telhado.
Luiz Otávio Braga
As Organizações Globo, seus jornalistas e editores acanalhados, com “menções” especiais para Merval, Miriam Leitão, Arnaldo Jabor, Noblat ….e o deplorável Boner, são a encarnação de face tupiniquim da contrarrevolução.
Fazem o serviço sujo em benefício do capital Internacional, ao neoliberalismo de tez norte-americana. Hei de viver muito tempo ainda e com saúde para ver essa súcia, aonde se abrigam Moro e seus grumetes, Paulo Guedes e adjacências, incluída a perversidade togada, na cadeia. Por crimes inúmeros e inomináveis contra o país.
Luiz Otávio Braga
As Organizações Globo, seus jornalistas e editores acanalhados, com “menções” especiais para Merval, Miriam Leitão, Arnaldo Jabor, Noblat ….e o deplorável Boner, são a encarnação de face tupiniquim da contrarrevolução.
Fazem o serviço sujo em benefício do capital Internacional, ao neoliberalismo de tez norte-americana. Hei de viver muito tempo ainda e com saúde para ver essa súcia, aonde se abrigam Moro e seus grumetes, Paulo Guedes e adjacências, incluído a perversidade togada, na cadeia. Por crimes inúmeros e inomináveis contra o país.
Deixe seu comentário