Eliara Santana: Na guerra das vacinas, JN faz edição para candidato sapatênis
Tempo de leitura: 5 minPor Eliara Santana
BOLETIM DO JN 11-12: Doria, Bolsonaro e a vacina, Abin e Flávio e Lula sem fundo vermelho
A edição estampa o que vem se desenhando há alguns dias: acirramento do embate entre o governo de São Paulo e o governo federal, além da denúncia sobre a Abin
Por Eliara Santana, em seu blog
No centro da edição, a vacina, ou melhor, a possibilidade de acesso dos brasileiros à vacina, com as trapalhadas do governo federal e o protagonismo de Doria.
Uma ampla cobertura mostrou que o Brasil já foi referência e que costumava se planejar para eventos assim em outros governos.
Outro destaque, bem ao estilo “recado”, foi a matéria – repercutindo reportagem da Revista Época – sobre relatórios da Agência Brasileira de Informação (Abin) para ajudar a defesa de Flavio Bolsonaro.
Por fim, boa reportagem sobre arquivamento de processo da Lava Jato contra Lula e o filho Luís Cláudio.
Vamos aos comentários
DORIA, BOLSONARO E A VACINA
O embate é encenado na reportagem:
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“A imunização dos brasileiros contra a Covid gerou mais um embate entre o governo federal e o de São Paulo. O Ministério da Saúde reforçou que quer centralizar a vacinação. O governador Doria criticou o que chamou de confisco das vacinas”.
Temos na encenação, de um lado, um governo atrapalhado e grosseiro; do outro, a voz macia e o sapatênis de João Doria, representante da civilidade.
Há a figura do governador – definido e referenciado, governador Doria –, mas não há presidente: Jair é mostrado perifericamente, e a reportagem começa com a imagem contida e tensa do ministro Pazuello (a impressão que fica é que o ministro devia estar se perguntando: onde fui amarrar a minha égua?).
No evento em Goiânia, o ministro, “na contramão do presidente, reconheceu que a pandemia prossegue”.
E então aparece a imagem de Jair e a narração da reportagem informando que o presidente disse que “estamos vivendo um finalzinho de pandemia”.
Corte para o ministro teletubbie, que aparece titubeante e sem muita presença, dizendo que a pandemia “prossegue”. Ou seja, completa bagunça no governo federal.
Corte então para a imagem sapatênis de civilização, o governador Doria, cujo governo “saiu na frente no plano de vacinação contra a Covid”.
E de novo para Pazuello, que deu “um recado político”, com Pazuello falando que nenhum estado da nação será tratado de forma diferente.
Caiado, aliado de sempre de Jair, aparece em rede social pra dizer que a distribuição será tratada pelo governo e que toda e qualquer vacina será requisitada pelo governo.
Chave de ouro pra fechar o embate.
Construção sem retoques da cena de enunciação da reportagem. Doria chega a um local público, para na entrada e tem a temperatura medida na testa (na testa, e não no pulso, como as fake news têm levado muitas pessoas a exigirem. A medição no pulso não é adequada).
Depois, sorridente e elegante, ele diz, ressignificando a fala do governo e criando tendência:
“Confiscar por quê? Se nós estamos oferecendo há dois meses a vacina do Butantan, a Coronavac para o Ministério da Saúde para que possa imunizar todos os brasileiros. Confiscar aquilo que nós estamos querendo oferecer não faz o menor sentido. Nós precisamos de paz, harmonia e entendimento. E foco na saúde, na proteção à vida das pessoas. O governo federal insiste em politizar o tema. Seja a vacina do Butantan, seja as demais vacinas, mas vacinar o mais rápido possível, da forma mais segura, todos os brasileiros”.
Doria já lançou o tema: governo quer confiscar a vacina. Perfeito. Tanto que o Ministério teve de soltar nota falando em campanha nacional de vacinação etc.
Paulo Guedes entra de gaiato, falando em gastos com a pandemia. E houve destaque ainda para nota dos servidores de carreira da Anvisa se manifestarem defendendo o trabalho técnico da Agência.
Em outra reportagem, a média móvel mostrou a situação grave de aumento do número de casos no Brasil inteiro.
E mais uma reportagem sobre vacina, agora de 4 minutos, mostrou os desafios da vacinação em massa agora no Brasil.
Destaque para a fala da epidemiologista que coordenou o Programa Nacional de Imunização por oito anos – e a reportagem mostrou detalhes da operacionalização da campanha de vacinação contra a H1N1, em 2010, quando 89 milhões de brasileiros foram vacinados em três meses, destacando que a coordenação “foi toda do Ministério da Saúde”.
A reportagem, claro, não mencionou que naquela campanha o governo era o de Luis Inácio Lula da Silva e que o ministro da Saúde era o médico sanitarista José Gomes Temporão.
Enfim, a reportagem mostrou tudo o que é necessário ser feito – e a completa inação do governo atual, que nem seringa providenciou.
ABIN E FLAVIO BOLSONARO
Mais de 10 minutos de reportagem mostraram a grande matéria da Revista Época afirmando que:
“servidores públicos trabalharam para preparar relatórios que poderiam ajudar defesa de Flávio a anular investigação da rachadinha”.
É um tempo muito bom pra se fazerem estragos. Mas a reportagem foi comedida, mesmo mostrando as falcatruas e com muitas imagens de Flávio.
Os parlamentares solicitaram à PGR que investigue a denúncia, e a reportagem destacou que a Agência Brasileira de Inteligência produziu pelo menos dois relatórios de orientação para Flávio Bolsonaro e seus advogados. Muitos detalhes expostos, sempre de acordo com a matéria da Revista Época.
E, claro, a reportagem relembrou em detalhes as acusações em relação a Flavio Bolsonaro e o esquema da rachadinha na Assembleia Legislativa do Rio, com profusão de imagens do senador.
Lembrando que a justiça proibiu a Globo de mencionar o caso, e Bonner e Renata foram intimados a depor (depoimento estava previsto para o dia 9). Eu disse que nada fica barato rsrs.
Prosseguindo, a reportagem dá detalhes dos documentos e destaca que um deles afirma que a finalidade é “defender FB no caso Alerj”, sugerindo uma linha de ação, que é a “obtenção, via Serpro, de apuração especial, demonstrando acessos imotivados anteriores (arapongagem)”.
E segue destacando vários outros trechos escabrosos.
A reportagem, como apresentada – reproduzindo a reportagem da Revista Época (do mesmo Grupo Globo, caso alguém não saiba rsrs) e destacando apenas a leitura de documentos pela narração de Vladimir Neto – não é investigativa de fato, não apela para tons dramáticos nem colore a lambança toda com cores fortes.
Não era a intenção. O assunto foi jogado, esmiuçado e novamente trazido à tona. E é um assunto com enorme potencial explosivo, haja vista outras manifestações jornalísticas (mais observações em breve).
Apesar de não trazer um forte apelo emotivo, a reportagem faz aquilo a que se propõe: mostrar o envolvimento de instâncias do governo federal e o próprio em articulações para blindar o filho do presidente.
Ações escabrosas, apresentadas em detalhes. A reportagem também relembra a reunião ocorrida no Palácio do Planalto, em agosto, para traçar as estratégias de defesa de Flávio Bolsonaro, “com a participação do presidente Jair Bolsonaro” (e a imagem de Jair é mostrada em destaque).
O general Heleno, do GSI, e o diretor da Abin, Alexandre Ramage (que Jair queria na PF) também foram mostrados.
Além da interessante nota do Sindifisco, o sindicato dos auditores fiscais da Receita Federal. Tudo foi ainda muito técnico na reportagem, sem muita emoção, com muitos recortes de documentos e manifestações, sem detalhes picantes. Mas eu acho que todos podem preparar a pipoca.
Desde a eleição, Flavio é o calcanhar de Aquiles de Jair. As denúncias e reportagens interessantes vão se intensificando e ficando mais complexas à medida que os tempos avançam, que Jair faz uma estupidez atrás da outra e que os dois anos protocolares de governo se aproximam. Serão muitas emoções em 2021.
LULA SEM FUNDO VERMELHO
Durou três minutos a reportagem sobre o arquivamento da ação de lavagem de dinheiro contra Lula e o filho Luís Claudio.
Na abertura da reportagem, aguardei o fundo vermelho com o cano carcomido por onde escorria dinheiro.
Mas a imagem não apareceu em nenhum momento. Foram mostrados detalhes da ação, a partir de delação de Emilio Odebrecht, que falava em pedido de Lula de ajuda para financiamento de um projeto de marketing esportivo, Lula ajudaria no relacionamento entre Marcelo Odebrecht e Dilma Rousseff.
A conclusão do juiz foi de que Lula não cometeu crime algum, e isso foi narrado com os detalhes da deliberação. A reportagem mostrou algumas imagens de Lula, em eventos públicos, imagens corriqueiras, e prosseguiu na linha da ressaltar os aspectos técnicos da decisão, sem qualquer ampliação da abordagem.
Ao final, o jornalista Alberto Gaspar aparece para falar das ações em que Lula ainda é réu e que foi já absolvido em sete ações.
Fim. De fato, apesar de vir na sequência da reportagem sobre a Abin e Flávio Bolsonaro, a reportagem foi bastante sóbria, sem arroubos, sem fundo vermelho. Aguardemos.
*Eliara Santana é jornalista e doutora em Estudos Linguísticos pela PUC/MG
Eliara Santana
Eliara Santana, jornalista, doutora em Estudos Linguísticos, pesquisadora do Observatório das Eleições.
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