Valmir Assunção: A lei que condena trabalho escravo mas protege o latifúndio

Tempo de leitura: 3 min

PEC do Trabalho escravo: não ao retrocesso!

*Por Valmir Assunção

O Senado Federal deve votar o PLS 432/2013, projeto que regulamenta a PEC do Trabalho Escravo, que, na casa, é conhecido como PEC 57-A/1999. Sem quase nenhuma cobertura da imprensa, é preciso alertar para o que pode significar um retrocesso do objetivo desta proposta.

Aprovada pela Câmara como PEC 438 em maio passado e extremamente comemorada, o projeto corre sérios riscos de ser apenas uma legislação sem nenhuma aplicabilidade que resolva o problema do trabalho escravo no Brasil. Primeiro, por que o texto de regulamentação traz uma mudança grave. O relator incluiu a exigência de que a expropriação de imóveis rurais, ou urbanos somente ocorrerá quando a exploração de trabalho escravo for cometida diretamente pelo proprietário.

Ora, isso é um absurdo!

Sabemos que a função social da propriedade da terra, consolidada na Constituição de 1988, estabelece como regra o respeito às leis trabalhistas e isso envolve a fiscalização das mesmas.

Sabemos ainda que os processos que envolvem o uso de mão de obra escrava são escamoteados, escondidos, ou não se precisaria de fiscais do trabalho.

Essa manobra posta no texto que está no Senado é uma forma de livrar o latifúndio, àqueles que se utilizam desta forma vil de tratamento com um ser humano.

Desde já é preciso que o Governo oriente sua base para a mudança imediata deste texto, pois devemos ser mais firmes na luta contra o trabalho escravo e não permitir que nenhuma brecha na lei sirva de desculpa para a impunidade no campo, como se não bastasse a quantidade de trabalhadores mortos sem que a justiça dê uma resposta a contento.

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Outro ponto que é preciso chamar a atenção é sobre o conceito de trabalho escravo.

O texto quer redefinir o conceito e desconsidera artigos importantes do Código Penal, como o artigo 149, que pune com dois a oito anos de reclusão os responsáveis por reduzir alguém à condição análoga a de escravo.

Além disso, há as normativas do Ministério do Trabalho e Emprego (tais como a Instrução Normativa nº 91, de 2011) que detalham com louvor o que é trabalho escravo, sem falar dos inúmeros dispositivos internacionais, inclusive editados pela Organização Internacional do Trabalho.

Esses dispositivos já detalham o que é trabalho escravo, o que é condição degradante, o que é jornada exaustiva, ou seja, tudo que é preciso constar na legislação a ser votada pelos parlamentares.

Ainda há o precedente construído pelo da Superintendência Regional do MTE em São Paulo, que elaborou um Manual de Combate ao Trabalho em Condições Análogas à de Escravo.

São normas completamente desconsideradas pelo relator da proposta no Senado.

A justificativa de que o Brasil não especifica o que é o conceito é desculpa de quem ainda quer utilizar deste tipo de mão de obra para desrespeitar não só a Constituição Federal, como também os direitos humanos em nome do lucro, mesmo que isso signifique a morte de pessoas e a degradação moral e física de trabalhadores.

O texto que está no Senado, que apenas considera a submissão a trabalho forçado, sob ameaça ou punição, ou com restrição de liberdade; o cerceamento do uso de qualquer meio de transporte pelo trabalhador, como forma de mantê-lo no local de trabalho; a manutenção de vigilância ostensiva ou apropriação de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, para mantê-lo no local de trabalho; e a restrição de locomoção do trabalhador em razão de dívida contraída com o empregador, é insuficiente para resolver, em termos de arcabouço legislativo, o problema do trabalho escravo, até por que os principais casos relatados pelo MTE são de trabalhadores em situação de trabalho degradante.

A expectativa é que os senadores não cedam à pressão da Bancada Ruralista, que desde o começo luta contra esse passo civilizatório que é a superação do trabalho escravo no Brasil.

*Valmir Assunção é deputado federal e vice-líder do PT na Câmara.

PS do Viomundo: Uma retificação no texto originalmente publicado foi feita a pedido do autor.

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Comentários

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ma.rosa

Cadê a CNBB (Comissão Nacional dos Bispos do Brasil),que está com uma “Campanha da Fraternidade para 2014, abordando temas e lemas de trabalho escravo? Deputado, coloque estes senhores na roda também! Até onde eu sei a ajuda deles é sempre requisitada e dá resultados. Ex: o abaixo assinado recente “Saúde +10”.

Rodrigo

Como atesta a denúncia do autor, o Brasil se caminha para deixar definitivamente qualquer traço ou resquício de ser uma República de Bananas, tornando-se pólo mundial em termos de República de Laranjas.

Veja contrata ator para agregar tráfego… – Viomundo – O que você não vê na mídia

[…] Valmir Assunção: A lei que condena o trabalho mas protege o latifúndio […]

maria meneses

Um dos problemas mais sérios do Brasil:quando vão realmente acabar com a escravidão? Os coronéis do Brasil no poder, uma história que não tem fim. Um abraço.

Matheus

Não adianta só reunir bancada. Os ruralistas são uma bancada grande, contam com apoio da mídia corporativa e tem boas relações com o Executivo Federal.

É preciso convocar uma ação coletiva, mobilizar gente nas ruas, e deixar claro que não compactuamos com a escravização do nosso semelhante.

Existe MST, CUT e uma juventude desorganizada e revoltada. Por que, ao invés de reprimir, não os convoca a tomar as ruas por uma boa causa?

É o que venho dizendo: esse pacto repressivo entre Dilma, Alckmin e Cabral Filho interessa exatamente a este gente que busca impôr o aumento da exploração capitalista sem enfrentar a resistência popular.

Há 200-220 mil trabalhadores escravizados no Brasil. É essa a prioridade humana, e não vidraças de bancos.

Bacellar

É como condenar o jagunço e absolver o coroné, espero que a parte consciente do governo ganhe essa queda de braço, trabalho escravo no séc. XXI é demais, isso fora a “escravização corporativa”…

Mardones

Companheiro Valmir, reúna a bancada – se é que já não reuniu – e continue fazendo sua parte. Bote a boca no trombone. O governo não luta para democratizar a imprensa e a comunicação. A bancada ruralista é forte e influente. É a vida. Ser governo numa coalização PT-PMDB é isso mesmo.

À luta, cabra!

Leandro_O

Nada como uma sociedade cujo único objetivo é o enriquecimento individual, sobre todas as outras virtudes – se é que o lucro em si pode ser chamado de virtude. Aliás, qual a motivação para alguém ainda ter outros princípios que vão contra o “ter”? Não à toa, há uma contínua busca por sonegação tributária, não observância à sustentabilidade ambiental, desrespeito a leis trabalhistas, etc. etc. Fala-se muito do princípio da “boa-fé” no Direito, mas essa está esvaecendo a cada dia. Grandes empresas fazem cálculos para ver os riscos de cometer ato ilícito, criminoso às vezes, se o lucro compensar, então será feito.

    José Souza

    Leandro, você está certo. Esse foi o processo utilizado por aquela empresa que se nega a mostrar o DARF. Há vários escritórios de contabilidade e advocacia ganhando um grana enorme com esse tipo de “assessoria”. Abraços.

    Leandro_O

    José Souza, obrigado pela resposta. Realmente não sei como reverter esse quadro perverso sem confrontar esse sistema capitalista insustentável, que a cada dia é fazer mais com menos. Por isso tamanha é a valorização das máquinas em substituição ao trabalho humano, em todos os campos e áreas. A paranoia do fazer mais com menos aos poucos corroem famílias (por exemplo, deixar o filho na frente da TV porque pai e mãe tem que trabalhar), instituições de ensino viram fábricas de seres de produção e não de pensamento (tratam alunos como clientes e não mais como estudantes), etc. etc. Pior então quando se é absorvido por tudo isso e achar normal. Abraços

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