Crimes da ditadura: Pelo cumprimento da decisão da Corte Interamericana
Tempo de leitura: 21 minPelo cumprimento da decisão da CIDH sobre lei da anistia (amicus curiae) no STF….
do Blog Sem Juízo, de Marcelo Semer, via e-mail
Uma aula de dignidade humana: os crimes contra a humanidade são reconhecidos como cogentes no Direito Penal Internacional
O STF está prestes a julgar a ADPF 320, ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), subscrita pelo advogado Fábio Konder Comparato, que pleiteia o cumprimento da decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 2010, determinando o afastamento dos óbices (como a anistia e a prescrição) para julgamentos dos crimes contra a humanidade, cometidos durante a ditadura.
O texto que segue, em primeira mão, é a manifestação do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC) na qualidade de amicus curiae, já apresentada ao Supremo –a OAB também foi admitida nesta mesma posição.
Elaborada pelos advogados Marcio Sotelo Felippe, Giane Ambrosio Alvares, José Damião de Lima Trindade, Luciana Furquim Pivato e César Antônio Alves Cordaro, a peça faz um extraordinário apanhado histórico, filosófico e jurídico da dignidade humana, cuja cogência reclamam como um dos fundamentos do pedido, ao lado do indispensável controle da convencionalidade.
Vale a pena, e muito, sua leitura para compreender o valor jurídico da dignidade humana:
“A pessoa humana não tem preço. Não há equivalente. Assim, por exemplo, aplicar o princípio implica renunciar à razão de Estado, que poderia permitir o afastamento de regras jurídicas ou morais para alcançar objetivos políticos entendidos como desejáveis e relevantes. Note-se aqui que, a rigor, extirpado de argumentos de reforço, o voto condutor da ADPF 153 amparou-se substancialmente na ideia de razão de Estado, ao sustentar que um “acordo” político (que factualmente não existiu, registre-se) teria possibilitado a passagem da ditadura militar para o Estado de Direito e, à guisa de “cláusula pétrea” não jurídica, nos impediria para todo sempre de discutir a sua legitimidade. Como razão de Estado estaria fora mesmo do exame de constitucionalidade.”
E arrematam:
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“Assim, quando se trata de crimes contra a humanidade, o princípio da dignidade humana incide categoricamente. Se aí não incidisse, seríamos forçados a concluir que vivemos, apesar de nosso pretendido patamar civilizatório, às voltas com autoilusões ou preceitos que nada mais são do que artifícios políticos ou retóricos. A cogência do princípio da dignidade humana é, como se disse acima, o fundamento primeiro da cogência dos crimes contra a humanidade no estágio de desenvolvimento em que o colhemos hoje”.
O relator da ação é o ministro Luiz Fux; a ADPF já recebeu parecer favorável do Procurador Geral da Justiça, Rodrigo Janot.
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EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX, RELATOR DA ADPF 320
O CONIC – Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil, tendo sido admitido como amicus curiae nos autos da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 320, vem, por seus advogados, apresentar sua manifestação, como segue.
Pede o requerente tutela jurisdicional para que esse E. Tribunal declare que “a Lei no. 6.683, de 28 de agosto de 1979, de modo geral, não se aplica aos crimes de graves violações de direitos humanos, cometidos por agentes públicos, militares ou civis, contra pessoas que, de modo efetivo ou suposto, praticaram crimes políticos; e, de modo especial, que tal Lei não se aplica aos autores de crimes continuados ou permanentes, tendo em vista que os efeitos desse diploma legal expiraram em 15 de agosto de 1979 (art. 1º.)”. (Grifos no original).
Requer ainda que a Corte “determine a todos os órgãos do Estado brasileiro que deem cumprimento integral aos doze (12) pontos decisórios” da sentença de 24 de novembro de 2010 da Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso Gomes Lund e outros vs. Brasil (“Guerrilha do Araguaia”).
1 – Do Cabimento do Pedido
A Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental é processo objetivo que visa reparar ou evitar lesão a preceito fundamental por ato (ação ou omissão) do Poder Público. Trata-se de remédio constitucional subsidiário, cabível quando não houver outro meio eficaz para garantir preceito fundamental.
Despontam prima facie preceitos fundamentais em questão no feito. O princípio da dignidade humana é fundamento da República (art. 1º., inciso III, da Constituição Federal). O Brasil é regido em suas relações internacionais pela prevalência dos direitos humanos (art. 4º., inciso II, da Constituição Federal). É objetivo fundamental da República construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º., inciso I, da Constituição Federal).
A eficácia de tais preceitos fundamentais é objeto desta ação. Eficácia que está sendo negada por omissão do Estado brasileiro, como se demonstrará.
A ADPF é também cabível porque o diploma legal cuja vigência resultará negada, se procedente a ação, é anterior à Constituição de 1988. Cabe ressaltar que isto não significa que se trata de tutela jurisdicional já contemplada na ADPF no. 153. São ações diversas. Aqui se busca a inaplicabilidade da Lei de Anistia pela via do controle de convencionalidade, em face da decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que é posterior à decisão desta Egrégia Corte naquela ADPF. Como esclarece o Sr. Procurador Geral da República em seu parecer, ora “não se cogita de reinterpretar a Lei de Anistia nem de lhe discutir a constitucionalidade (…) mas de estabelecer os marcos do diálogo entre a jurisdição internacional da Corte Interamericana de Direitos Humanos (…) e a jurisdição do Poder Judiciário brasileiro”.
Ainda que possam ser vislumbrados outros meios para alcançar o resultado pretendido neste feito, a eficácia da ADPF, pela sua natureza de controle concentrado e objetivo de constitucionalidade, é patente. Estão reportadas nos autos decisões contraditórias sobre a matéria em instâncias inferiores, gerando insegurança jurídica. A decisão erga omnes, que ora se pretende, seria, com clareza solar, o meio eficaz para pôr fim a essa indesejada instabilidade em matéria de preceito fundamental.
Este aspecto, a existência de relevante controvérsia constitucional (art. 1º., parágrafo único, inciso I, da Lei 9.882/99), é também hipótese de cabimento que a presente ADPF satisfaz.
2 – Da procedência da ação
A Arguição deve ser julgada procedente, considerando-se dois fundamentos que convergem: 1. Controle de convencionalidade; 2. Cumprimento de norma cogente de Direito Internacional.
As obrigações dos Estados na ordem jurídica internacional se apoiam em uma, pelo menos, dessas duas hipóteses. Ou, como é o caso aqui, em ambas. A decisão da CIDH deve ser cumprida porque a isso o Estado brasileiro se obrigou, no plano da convencionalidade, e deve ser cumprida porque se trata de norma cogente, imperativa, de Direito Internacional.
2.1. Controle de convencionalidade
O Estado brasileiro aderiu à Convenção Americana sobre Direitos Humanos com uma única ressalva, como consta do Decreto 678, de 6 de novembro de 1992: “O Governo do Brasil entende que os arts. 43 e 48, alínea d, não incluem o direito automático de visitas e inspeções in loco da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, as quais dependerão da anuência expressa do Estado”.
Reconheceu como obrigatória a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos pelo Decreto 4.463, de 8 de novembro de 2002, à vista do Decreto Legislativo 89, de 3 de dezembro de 1998, do Congresso Nacional, para fatos posteriores a 10 de dezembro de 1998.
O controle de convencionalidade é obrigação de todos os poderes do Estado e, evidentemente, da Jurisdição. É singela decorrência do princípio pacta sunt servanda. Ao contrário do que desavisadamente se cogita quando certas obrigações internacionais provocam incômodo, o respeito aos instrumentos internacionais firmados pelo Estado é ato de soberania justamente porque é por um ato de soberania que se adere a eles.
Assim, como mero corolário do pacta sunt servanda, enquanto vigente o pacto, tratado ou convenção, o desrespeito, expresso ou dissimulado, põe o Estado inadimplente no plano da ilicitude ou mesmo da delinquência perante a ordem jurídica internacional e constitui também violação de seu próprio ato soberano de submeter-se livremente às normas pactuadas. Lembremos aqui o conceito de liberdade de Rousseau, que é preceito fundamental das democracias contemporâneas: liberdade como autonomia na exata medida em que significa a observância das regras a que o sujeito se submeteu por um ato de sua vontade racional. O Estado brasileiro é livre e soberano porque respeita seu próprio regramento.
A decisão da Corte Interamericana aborda esse aspecto de modo definitivo:
“O Tribunal estima oportuno recordar que a obrigação de cumprir as obrigações internacionais voluntariamente contraídas corresponde a um princípio básico do direito sobre a responsabilidade internacional dos Estados, respaldado pela jurisprudência internacional e nacional, segundo o qual aqueles devem acatar suas obrigações convencionais e internacionais de boa-fé (pacta sunt servanda). Como já salientou esta Corte e conforme dispõe o artigo 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969, os Estados não podem, por razões de ordem interna, descumprir obrigações internacionais. As obrigações internacionais dos Estados-Partes vinculam todos seus poderes e órgãos, os quais devem garantir o cumprimento das disposições convencionais e seus efeitos próprios (effet utile) no plano do seu direito interno.
2.2 Normas cogentes de Direito Internacional
Além das obrigações internacionais relativas ao plano da convencionalidade, há que se atentar neste feito para o fenômeno das normas imperativas de Direito Internacional. A doutrina já havia estabelecido esse conceito para o Direito Internacional mesmo antes da II Guerra, mas então com certa controvérsia. [1]
O conceito consolidou-se pacificamente ao longo desse tempo. A Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados assim dispõe no artigo 53:
“Tratado em Conflito com Norma Imperativa de Direito Internacional Geral (jus cogens)
“É nulo um tratado que, no momento de sua conclusão, conflite com uma norma imperativa de Direito Internacional geral. Para os fins da presente Convenção, uma norma imperativa de Direito Internacional geral é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior de Direito Internacional geral da mesma natureza”.
Como é cediço, normas imperativas correspondem ao conceito de cogência, nos termos da distinção – pertencente ao campo da Teoria Geral do Direito – entre jus cogens e jus dispositivum. Colhendo a elucidação de Del Vecchio, temos:
“As normas taxativas (chamadas também normae cogenti ou jus cogens) são – a teor da doutrina corrente – aquelas que determinam ou imperam independentemente da vontade das partes, de maneira que não é lícito derrogá-las, nem absoluta, nem relativamente, à vista do fim determinado que as partes se proponham alcançar; porque a obtenção desse fim está cabalmente disciplinada pela norma mesma. Cite-se, a esse respeito, a máxima: ‘jus publicum privatorum pactis mutari nequit’. Contrariamente, as dispositivas (jus dispositivum) são aquelas que só valem quando não existe uma vontade diversa das partes, manifestada legalmente”.[2]
2.3. A cogência do princípio da dignidade humana
O princípio básico cogente de que se cuida aqui é o da dignidade humana. Os crimes contra a humanidade são reconhecidos como cogentes no Direito Penal Internacional e pode-se localizar um fundamento primeiro para isto na cogência do princípio da dignidade humana.
Cabe lembrar a ruptura no conceito de Direito após a II Guerra Mundial. A barbárie do Estado nazista, os horrores do Holocausto vitimando parte da população do próprio Estado e de outros Estados em número de milhões, pretendendo reduzir, pelo horror da eliminação de seres humanos, a sociedade a um exclusivo padrão étnico, social e político, tornou anacrônica a ideia de que o Direito pode ser reduzido, em última análise, ao singelo conceito de mero ato de vontade política de um Estado soberano. E que independeria do conteúdo para ser válido, aperfeiçoando-se apenas pela forma coercitiva e pela observância dos procedimentos pelos quais ingressa na esfera jurídica.
Essa ruptura consistiu no reconhecimento do teste da dignidade humana para conferir a qualidade de jurídica a uma norma, sob pena de renunciarmos ao nosso patamar civilizatório.
A ideia de dignidade humana tem profundas raízes históricas. Os estóicos que já compreendiam a humanidade como uma liga fraterna. Como observou Ernest Bloch, com eles apareceu “por vez primeira o ‘pathos’ da dignidade humana”[3]
No Cristianismo vemos implícita a dignidade humana no Sermão da Montanha, que trata o humano como o “sal da terra” e se dirige aos humilhados, ofendidos e aos que carecem da justiça; também em Paulo de Tarso, para quem todos, “judeu ou grego, escravo ou livre, homem ou mulher”, eram um.
No Judaísmo, aquele que salvou uma vida, salvou o mundo inteiro; quem quer que destrua a vida de um único ser humano é como se tivesse destruído o mundo inteiro; e quem quer que preserve a vida de um único ser humano é como se tivesse preservado o mundo inteiro (Talmud).
Sermos todos um, salvar o mundo inteiro ao salvar uma vida, são expressões da ideia de unidade indissolúvel do humano e de que um equivale a todos. O humano é uma totalidade.
Na Filosofia mais próxima Kant, de uma perspectiva não metafísica, mas como uma construção da razão humana, formulou a característica básica da dignidade humana da seguinte forma: “no reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e portanto não permite equivalente, então tem ela dignidade” (Fundamentação da Metafísica dos Costumes).
Se algo tem preço permite troca. A pessoa humana não tem equivalente e por isso não se troca. Não se compensa. É o que significa ter dignidade.
Após as barbáries da II Guerra, e por causa delas, a dignidade humana e seus corolários estão na Declaração Universal dos Direitos Humanos:
“O reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”.
“Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”.
“Todo o homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição”.
“Todo o homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”.
“Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”.
“Todo o homem tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei”
“Todo o homem tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados”.
A dignidade humana e seus corolários transferiram-se, a partir daí, do plano filosófico ou teológico em que transitaram por séculos para a esfera do jurídico. E hoje, indubitavelmente, no plano da cogência.
Por que, sendo uma declaração, afirma-se de sua cogência? Com base nela seguiram-se pactos e instrumentos internacionais de proteção dos direitos da pessoa humana, mas a Declaração Universal, per se, já é norma vinculante. Nesse sentido, John P. Humphrey:
“Independente da intenção dos redatores da Declaração em 1948, hoje a Declaração é parte do direito costumeiro das nações e é, portanto, vinculante a todos os Estados. A Declaração Universal e os princípios nela enunciados têm sido oficialmente invocados em muitas ocasiões tanto no âmbito das Nações Unidas como fora dele”.
E ainda Richard B. Lilich:
“Pode-se hoje persuasivamente afirmar que partes substanciais da Declaração Universal – uma resolução da Assembleia Geral da ONU adotada em 1948 sem qualquer dissenso e originalmente concebida de modo a não conter obrigações internacionais – tem se tornado parte do direito costumeiro internacional vinculante a todos os Estados. Esta visão, a princípio defendida por juristas mas, posteriormente, reiterada por conferências internacionais, pela prática dos Estados e inclusive por decisões judiciais, parece hoje ter alcançado uma aceitação generalizada” [4]
Incorporada à ordem jurídica internacional e a ordenamentos nacionais (Lei Fundamental da Alemanha, em texto constitucional por vez primeira; entre nós, na Constituição de 1988 como fundamento da República) como juridicamente opera o princípio da dignidade humana? Do exato modo que se colhe da frase de Kant acima citada: A pessoa humana não tem preço. Não há equivalente. Assim, por exemplo, aplicar o princípio implica renunciar à razão de Estado, que poderia permitir o afastamento de regras jurídicas ou morais para alcançar objetivos políticos entendidos como desejáveis e relevantes. Note-se aqui que, a rigor, extirpado de argumentos de reforço, o voto condutor da ADPF 153 amparou-se substancialmente na ideia de razão de Estado, ao sustentar que um “acordo” político (que factualmente não existiu, registre-se)[5] teria possibilitado a passagem da ditadura militar para o Estado de Direito e, à guisa de “cláusula pétrea” não jurídica, nos impediria para todo sempre de discutir a sua legitimidade. Como razão de Estado estaria fora mesmo do exame de constitucionalidade
Concedamos que seja possível disputar, em alguns casos, o que efetivamente é conteúdo da dignidade humana, mas em outros não, peremptoriamente. Lembremo-nos da metáfora da lâmpada que ilumina uma rua. Há uma zona plenamente alumiada. Há uma zona de penumbra, que a luz atinge parcialmente e que pode suscitar dúvida. Alguns apontarão que há luz e alguns apontarão que há sombra. Mas a parte que está sob incidência vertical da lâmpada é indiscutível. Em se tratando do princípio da dignidade humana, uma parte que está diretamente sob a luz da dignidade humana, a respeito da qual não pode haver dúvida racional, é a que diz respeito aos crimes contra a humanidade.
Assim, quando se trata de crimes contra a humanidade, o princípio da dignidade humana incide categoricamente. Se aí não incidisse, seríamos forçados a concluir que vivemos, apesar de nosso pretendido patamar civilizatório, às voltas com autoilusões ou preceitos que nada mais são do que artifícios políticos ou retóricos. A cogência do princípio da dignidade humana é, como se disse acima, o fundamento primeiro da cogência dos crimes contra a humanidade no estágio de desenvolvimento em que o colhemos hoje.
2.4. Cogência e conceito de crimes contra a humanidade
M. Cherif Bassiouni, que escreveu obra monumental e definitiva sobre crimes contra a humanidade, ilumina a cogência deles com duas citações preciosas de autores de Direito Internacional:
“Há regras de Direito Internacional Costumeiro (…) que não podem ser afastadas por Estados contratantes; é mais fácil ilustrar estas regras do que defini-las. São regras que foram expressamente convencionadas por tratados ou tacitamente pelo costume como necessárias para proteger a ordem pública das sociedades ou manter os padrões de moralidade pública. Por exemplo, a pirataria é estigmatizada pelo Direito Consuetudinário Internacional como crime, sendo o pirata considerado “hostis humanis generis”, punível por qualquer Estado. Pode haver qualquer dúvida de que, se dois Estados concordarem em permitir a pirataria em uma determinada área, ou contra navios mercantes de um determinado Estado, um tal acordo seria nulo? Ou um tratado em que dois aliados concordam em fazer uma guerra com métodos que violam as regras consuetudinárias, como o dever de clemência?” (Lord McNair)[6]
“Há certas condutas ilegais que nunca podem ser justificadas (…) São atos que não são meramente ilegais, masmalum in se, como certas violações dos direitos humanos, das leis de guerra, e outras regras de “jus cogens” – são obrigações de caráter absoluto, cujo cumprimento não depende de reciprocidade, mas é necessário em todas as circunstâncias”. (Gerald Fitzmaurice)[7] [8]
Temos nas duas citações um modo simples, claro e insofismável de compreender a cogência dos crimes contra a humanidade. Desprezá-los equivaleria juridicamente a aceitar um pacto para tornar lícita a pirataria. Eles são tão cogentes quanto a condenação universal da pirataria. Tampouco não se torna lícito o que é malum in se, como, por exemplo, uma decisão do Estado de exterminar uma parte de sua população, como fizeram os delinquentes nazistas ou os celerados do Khmer Vermelho.
Logo vem à lembrança a célebre passagem de Agostinho: a Justiça é a única coisa que distingue Estados de bandos de piratas.
Certas condutas praticadas por Estados, não obstante a forma “jurídica”, a aparência de “legalidade”, a eficácia que possam ter, são crimes perante os mais básicos princípios de justiça e moralidade. Portanto, cedem conceitos como soberania ou abordagens metodológicas (como o positivismo estrito) que, ao fim e ao cabo, são aparências ou as sombras da caverna a nos impedir de ver o horror e a barbárie.
Fácil ver como a pirataria não pode ser legalizada. Séculos de regras costumeiras ou formais nos habituaram a isso e é hoje norma indissociável de nossa consciência jurídica. Nós a reconhecemos sem necessitar de maior reflexão. Isto não ocorre ainda no que diz respeito aos crimes contra a humanidade, mas apenas porque é uma construção histórica recente.
Tal construção tem sua gênese no período da I Guerra. Em 1915 o Estado turco praticou o primeiro genocídio do século XX, o assassinato de 1,5 milhão de armênios. A pretensão de punir autoridades turcas não prosperou.[9] No final da guerra, que vitimou dezenas de milhões de pessoas, viu-se o potencial de destruição que detém o Estado moderno. A imensa concentração de recursos em poder do Estado, com auxílio da ciência e tecnologia modernas, tinha sido posta, e a partir daí vislumbrava-se que seria constantemente posta, a serviço do extermínio de seres humanos.
Quando do Tratado de Versalhes houve uma discussão sobre a responsabilidade do Kaiser Guilherme II, em um esboço do que conhecemos hoje como crime contra a Humanidade. Não prevaleceu, mas constou, como nota Eugênio José Guilherme de Aragão, uma espécie de condenação moral por ter praticado uma “ofensa suprema contra a moralidade internacional e a santidade dos tratados”[10]
Um conceito claro e expresso de crime contra a humanidade teve que aguardar outra catástrofe mundial, teve que esperar o horror da delinquência nazista controlando a formidável máquina do Estado, milhões de mortos e sofrimento inenarrável de outros milhões.
O Estatuto de Londres (ou Carta de Londres) do Tribunal Militar Internacional, que fixou os parâmetros do julgamento de Nuremberg, assim definiu os crimes contra a humanidade:
“assassínio, exterminação, escravização, deportação e outros atos inumanos cometidos contra qualquer população civil antes ou durante a guerra, ou perseguições políticas, raciais ou religiosas a grupos em execução ou em conexão com alguns crimes da jurisdição do Tribunal Militar Internacional com ou sem violação da lei doméstica do país em que foram perpetrados”.
O precedente do Tribunal de Nuremberg foi consolidado pela ONU em 1950 como regra de Direito Internacional. São os chamados Princípios de Nuremberg:
“I – Qualquer pessoa que cometa atos que constituam um crime de guerra segundo o Direito Internacional será responsável e sujeito a punição
II – O fato de as leis internas não imporem sanções por um ato que constitua crime segundo o Direito Internacional não exime a pessoa de responsabilidade
III – O fato de uma pessoa que cometeu um ato criminoso segundo o Direito Internacional seja chefe de Estado ou autoridade não a exime de responsabilidade perante o Direito Internacional
IV – O fato de uma pessoa atuar sob as ordens de seu governo ou de um superior não a exime de responsabilidade perante o Direito Internacional, sempre que se demonstre que tinha possibilidade de conduta diversa
V – Qualquer pessoa acusada de crime perante o Direito Internacional tem direito a um julgamento justo perante a lei
VI – Os crimes que se enumeram aqui são puníveis perante o Direito Internacional
(…)
C – Crimes contra a humanidade:
Assassinato, extermínio, escravidão, deportação e qualquer outro ato desumano contra qualquer população civil, ou perseguição por motivos religiosos, raciais ou políticos, quando ditos atos ou persecuções estejam em conexão com qualquer crime contra a paz ou qualquer crime de guerra
VII – A cumplicidade com um crime contra a paz, um crime de guerra ou um crime contra a humanidade tal como foram expostos no Princípio VI é um crime de Direito Internacional”.
Relativamente à conexão com um evento guerra veja-se a exposição contida no parecer do Sr. Procurador Geral da República (nota de rodapé 56). A Comissão (International Law Commision), que consolidou os Princípios de Nuremberg, fez constar em seu relatório que conexão com guerra não era elemento essencial à caracterização do crime contra a humanidade. M. Cherif Bassouini observa:
“Condutas internas dos Estados compreendendo fatos subsumidos no artigo 6 (c) não necessitavam, por razões óbvias, conexão com guerra. O desenvolvimento pós-Carta [Estatuto de Londres], discutido no capítulo 4, removeu a conexão com uma guerra. Isto se iniciou em 1950 com o Relatório de Consolidação dos Princípios de Nuremberg da ILC [International Law Commision], seguidos por mais cautelosas definições dos crimes contra a humanidade do ICTY [International Criminal Tribunal for Yugoslavia]. [11]
A ditadura militar no Brasil matou ou fez desaparecer cerca de 400 pessoas. As prisões foram em número de aproximadamente 50 mil, grande parte delas torturadas. A tortura era política de Estado (“acho que a tortura, em certos casos, torna-se necessária para obter confissões”, Ernesto Geisel [12]). Subsume-se no que o Estatuto de Roma (que reforçou no plano da convencionalidade as normas cogentes do Direito Penal Internacional) denomina de violações sistemáticas ou generalizadas dos direitos humanos, em larga escala, contra população civil, caracterizando crime contra a humanidade. O Estatuto de Roma condensa e é, afinal, o resultado do que se desenvolveu a partir da Carta de Londres e nos instrumentos internacionais que se seguiram a ela, já reportados nestes autos no parecer do Sr. Procurador Geral da República.
O voto em separado do juiz Roberto Caldas na sentença aqui em questão assinala que é irrelevante a não ratificação pelo Brasil da Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e contra a Humanidade porque ela não é criadora do Direito, mas meramente consolidadora. Afirma:
“É prudente lembrar que a jurisprudência, o costume e a doutrina internacionais consagram que nenhuma lei ou norma de direito interno, tais como as disposições acerca da anistia, as normas de prescrição e outras excludentes de punibilidade, deve impedir que um Estado cumpra a sua obrigação inalienável de punir os crimes de lesa-humanidade, por serem eles insuperáveis nas existências de um indivíduo agredido, nas memórias dos componentes de seu círculo social e nas transmissões por gerações de toda a humanidade. É preciso ultrapassar o positivismo exacerbado”.
3. Impossibilidade de anistia e imprescritibilidade
O Estado moderno é uma novidade histórica. Ainda que denominemos “Estado” a organização política da antiga Atenas, ou o Estado feudal, ou o Estado absolutista, o Estado moderno é ontologicamente diverso porque detém os monopólios da violência, da norma jurídica e da tributação no momento em que a ciência e a tecnologia desenvolveram meios e recursos capazes de destruir parte ou toda a humanidade, aniquilar seres humanos em escala industrial, impor dor e sofrimento às suas próprias populações ou de outros Estados em larga escala.
Sem exaurir todos os fatos, registremos alguns dos mais tenebrosos episódios contemporâneos de responsabilidade dos Estados modernos: 1,5 milhão de armênios assassinados pelo Estado turco; 5 milhões de fome ou executados durante a política de coletivização agrária promovida por Stalin; 6 milhões de judeus durante o nazismo, além dos perseguidos por motivos religiosos, sexuais, políticos ou pessoas com deficiência; 1,7 milhão sob o regime do Khmer Vermelho no Camboja; 800 mil em Ruanda; os milhares de mortos nas ditaduras que infelicitaram a América Latina nos anos 60/70 do século passado, entre as quais a ditadura brasileira.
A impossibilidade de anistia e a imprescritibilidade têm sua ratio essendi nesse formidável potencial ofensivo e na necessidade de, diante dele, aplicar o princípio da não repetição visando proteger coletividades e a própria sobrevivência da humanidade em sua inteireza.
São atos que constituem suprema ofensa à moralidade. Não devem ser extirpados da memória dos povos. Não podem ser. E jamais subtraídos à Justiça, como infelizmente se fez e está sendo feito no Brasil.
Anistia nesses casos significa uma contradição de lógica jurídica insuperável: com uma mão são proscritas as graves violações de direitos humanos e com a outra elas são anistiadas. Mais ilógico ainda e insustentável quando se trata de autoanistia: os agentes que perpetraram a suprema ofensa à moralidade e à Justiça perdoam-se a si mesmos.
Isto não pode ser o que denominamos de Estado. Uma estrutura de poder capaz de aniquilar de algum modo um seu cidadão que furta uma laranja ou um shampoo no supermercado, mas à qual se permitiria exterminar milhões de pessoas e ainda perdoar-se a si mesma.
Trata-se de constatar que controlando essa estrutura existem apenas pessoas capazes do mal absoluto e, nessa perspectiva, conceitos ou ideias políticas e jurídicas que as deixem impunes e convalidem de algum modo tais coisas são fantasmagorias, abstrações inúteis e disfarces para a barbárie, que jamais pode ser compatível com o Direito. São o que Shakespeare denominou a “matéria dos sonhos”: louca e incompreensível.
A consciência jurídica contemporânea não pode, pois, passar ao largo dessa realidade. O sistema internacional de proteção dos direitos humanos constitui hoje um patamar civilizatório arduamente conquistado, mas ainda precário e, por vezes, ignorado por motivações políticas ou por abordagens estreitas que colocam a humanidade a serviço do que seus fautores pensam ser o Direito, e não o Direito a serviço da humanidade. A esta Corte cabe neste momento a tarefa histórica de reforçar esse sistema e comparecer ao encontro com a civilização. Esse encontro significa, afinal de contas, que cada juiz e cada autoridade devem dar a contribuição que está ao seu alcance à vista do princípio da não repetição.
Relativamente a esse aspecto, barbáries cometidas contra a humanidade não são somente constituídas por condutas gritantes e ostensivas. Resultam também de uma cadeia de pequenos fatos, ações de homens comuns e gestos aparentemente pequenos ou banais.
Que nos seja permitida uma licença agora para lembrar a cena final de o Julgamento de Nuremberg, filme de 1961 (porque, afinal, a arte é a vida condensada). O juiz condenado por aplicar as leis raciais do Estado nazista diz ao juiz do Tribunal de Nuremberg: “não sabíamos que aquilo [o Holocausto e todos os horrores do III Reich] iria acontecer”. Ouve como resposta: “aquilo começou a acontecer na primeira vez em que você condenou um homem que sabia ser inocente”.
Que não se contabilize a débito desta geração de brasileiros ignorar qualquer fato, pequeno ou grande, que possa ser no futuro parte do encadeamento de uma grave violação de direitos humano
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Por todos os fundamentos aqui expostos manifesta-se o CONIC – Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil – pela procedência integral desta Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, nos seguintes termos:
a) por força do controle de convencionalidade, seja determinado ao Estado brasileiro o cumprimento da decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos; e:
b) como o pedido implica dar-se efetividade ao preceito fundamental da dignidade humana, a tutela jurisdicional deve ser concedida para além ainda do controle de convencionalidade, de modo a determinar aos órgãos do Estado que pratiquem os atos de ofício necessários para apurar qualquer conduta subsumida no conceito de crime contra a humanidade praticada no período mencionado no art. 1º. da Lei 6.683/79 (item 2.4 desta manifestação, final).
Brasília, 21 de novembro de 2014
Marcio Sotelo Felippe
OAB-SP 56.986
Giane Ambrosio Alvares
OAB-SP 218.434
José Damião de Lima Trindade
OAB-SP 41.781
Luciana Furquim Pivato
OAB-PR 37.810
César Antônio Alves Cordaro
OAB-SP 45.140
Referências
[1] Rezek, Francisco, Direito Internacional Público, E. Saraiva, 11ª. ed., p. 18
[2] Apud Maynez, Eduardo Garcia, Introduccion al estudo del derecho, Editorial Porrua, p. 94
[3] Derecho natural y dignidad humana, Biblioteca Jurídica Aguilar, p. 20
[4] Ambas as citações apud Piovesan, Flávia, Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, p. 163/164, 1996, Max Limonad.
[5] Demonstrando a inexistência histórica de um tal “acordo”, Paulo Sérgio Pinheiro:
“A lei da Anistia não foi produto de acordo, pacto, negociação alguma, pois o projeto não correspondia àquele pelo qual a sociedade civil, o movimento da anistia, a OAB e a heroica oposição parlamentar haviam lutado. Pouco antes de sua votação, em setembro de 1979 houve o Dia Nacional de Repúdio ao Projeto de Anistia do governo e, no dia 21, um grande ato público na Praça da Sé promovido pela OAB-SP, igualmente contra o projeto do governo. A lei celebrada nos debates do STF como saldo de “negociação” foi aprovada com 206 votos da Arena, o partido da ditadura, contra 201 da MDB. A oposição, em peso, votou contra ato de Legislativo emasculado pelas cassações, infestado por senadores biônicos. Parece que o movimento da anistia e a oposição na época não tinham sido comunicados de seu papel no “acordo nacional” que os ministros 30 anos depois lhes atribuíram (…) A execração da tortura [no julgamento do STF] soou farisaica, pois consagrou a impunidade dos torturadores e negou direitos e justiça às vítimas (…) A recusa da revisão da Lei da Anistia, ressalvados dois votos contrários, consagrou de vez o Brasil na rabeira dos países do continente quanto à responsabilização dos agentes do Estado responsáveis por graves violações de direitos humanos (Folha de São Paulo, 5 de maio de 2010).
A jornalista Maria Inês Nassif, a partir da tese de doutorado de Helena Greco, defendida em 2003 na UFMG, escreveu:
“Era o dia 22 de agosto de 1979. No plenário da Câmara, onde o Congresso se reuniria mais tarde para examinar a proposta de anistia do governo do general João Figueiredo (…) 800 soldados à paisana ocuparam quase todos os 1200 lugares das galerias. Os manifestantes que ainda tentavam mudanças no projeto de anistia do governo – que perdoou só os crimes de sangue cometidos pelos próprios militares – ganharam os lugares de volta quase aos gritos (…) As cadeiras no plenário para assistir ao espetáculo de imposição militar dos termos da anistia – que era mais autoanistia do que outra coisa – talvez tenha sido a única conquista efetiva dos movimentos que se mobilizavam para restituir os direitos políticos dos adversários da ditadura. Desde o envio do projeto ao Congresso, em 27 de junho, até sua aprovação, 56 dias depois, imperou o ato de vontade dos militares, acatado pelos civis que formavam, no parlamento, uma maioria destituída de coragem e vontade (…) A Comissão Mista do Congresso Nacional que analisou a proposta foi escolhida a dedo. Dos 23 integrantes, 13 eram incondicionalmente fiéis ao governo (…) as emendas aceitas em seu substitutivo [do relator Ernâni Satyro] foram definidas no Ministério da Justiça, em reuniões com o ministro Petronio Portela, o líder da maioria na Câmara, Nelson Marchezan e o presidente do partido [Arena] José Sarney” Valor Econômico, 6 de maio de 2010).
[6] No original: There are, however, many rules of customary international law which stand in a higher category and which cannot be set aside or modified by contracting States; it is easier to illustrate these rules than to define them. They are rules which have been accepted whether expressly by treaty or tacitly by custom, as being necessary to protect the public interests of the society of States or to maintain the standards of public morality recognized by them […]. For instance, piracy is stigmatized by customary international law as a crime, in the sense that a pirate is regarded as hostis humani generis and can lawfully be punished by any State into whose hands he may fall. Can there be any doubt that a treaty whereby two States agree to permit piracy in a certain area, or against the merchant ships of a certain State, with impunity, would be null and void? Or a treaty whereby two allies agree to wage war by methods which violated the customary rules of warfare, such as the duty to give quarter
[7] No original: There are certain forms of illegal action that can never be justified by or put beyond the range of legitimate complaint by the prior illegal action of another State, even when intended as a reply to such action. These are acts which are not merely illegal, but malum in se, such as certain violations of human rights, certain breach of the laws of war, and other rules in the nature of jus cogens – that is to say obligations of an absolute character, compliance with which is not dependent on corresponding compliance by others, but is requisite in all circumstances, unless under stress of literal vis major. In the conventional field, may be instanced such things as the obligations to maintain certain standards of safety of life at sea. No amount of noncompliance with the conventions concerned, on the part of other States, could justify a failure to observe their provisions.
[8] Ambas as citações apud Bassiouni, Cherif M., Crimes against humanity, Cambridge University Press, p. 267/268
[9] Como esclarece M. Cherif Bassiouni, o Tratado de Sevres, de 1920, continha uma cláusula de persecução penal das autoridades turcas por “Crimes Contra as Leis de Humanidade” cometidas contra a população armênia civil, que foi retirada da versão subsequente do Tratado de Lausanne. Este não só retirou a cláusula de persecução, mas também incluiu um anexo secreto garantindo imunidade às autoridades turcas. Nas exatas palavras de Bassiouni, “considerações políticas prevaleceram sobre as legais e morais” (Crimes against humanity, Cambridge University Press)
[10] Crimes contra a humanidade: sistema internacional de repressão, em http://www.tst.jus.br/documents/1295387/1312878/7.+Crimes+contra+a+humanidade+-+sistema+internacional+de+represss%C3%A3o, acesso em 19.11.2014
[11] No original: The national practices of states involving conduct falling within the meaning of article 6 (c) did not need, for obvious reasons, the connection to war. Post-Charter [Carta de Londres] legal devolpments , discussed in chapter 4, removed the war-connecting link. It stared in 1950 with the ILC’s Report on the Reaffirmation of the Nuremberg Principles, wich was followed by a more caution definition of CAH of the ICTY Statute”
[12] Depoimento a Maria Celina D’ Araújo e Celso de Castro
Leia também:
Comentários
José Nivaldo
José Miguel Vivanco, diretor-executivo da divisão das Américas da Human Rights Watch, diz que o Brasil está atrasado e precisa de coragem para julgar os acusados, de ambos os lados, de crimes durante a ditadura militar (1964-1985).
Diz sobre a decisão de ignorar os crimes das esquerdas: “Foi um erro. Não pode haver dois pesos e duas medidas. Se houve abusos cometidos por grupos armados irregulares, isso deve constar de um informe dessa natureza. E também haveria servido para mostrar a magnitude dos abusos cometidos pelo Estado e a magnitude dos abusos dos grupos armados.”
FrancoAtirador
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Chile prepara-se para derrubar “lei da anistia” com imprescritibilidade de crimes
Por Frederico Füllgraf, de Santiago do Chile, Exclusivo para o Jornal GGN
O governo da presidente Michelle Bachelet cumpre mais uma promessa de campanha: o fim da “lei da anistia”, forjada em 1978 pela ditadura Pinochet e adotada em 1979 no Brasil pelo Gen. João Figueiredo, para garantir a impunidade aos militares violadores de Direitos Humanos.
Três meses atrás, durante as vigílias do 41º aniversário do golpe de 11 de setembro de 1973, Bachelet confirmou a inclusão do tema espinhoso na pauta do Executivo.
Cumprindo a agenda, na última semana, o vice-presidente Rodrigo Peñailillo anunciou a entrega ao Congresso do projeto de Reforma Constitucional, que acaba com a anistia em casos de crimes de guerra, lesa-humanidade e genocídio, determinando sua imprescritibilidade.
Depois da Argentina, do Uruguay e, agora, do Chile, o olhos da América Latina voltam-se ao Brasil, o incômodo patinho feio, porque único no concerto da redemocratização continental a tocar um instrumento desafinado, temendo decretar o fim da “lei da anistia” da ditadura civil-militar.
Íntegra em:
(http://jornalggn.com.br/blog/frederico-fuellgraf/chile-prepara-se-para-derrubar-%E2%80%9Clei-da-anistia%E2%80%9D-com-imprescritibilidade-de-crimes)
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FrancoAtirador
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Pai, perdoai. Eles não sabem o que digitam
Por Leonardo Sakamoto
O conjunto de textos e comentários apoiando a tortura e execuções realizadas pela ditadura postados após a divulgação do relatório final da Comissão Nacional da Verdade e aqueles saudando as declarações violentas do deputado federal Jair Bolsonaro (que, em discurso no plenário da Câmara, disse que só não “estupraria” a deputada Maria do Rosário porque ela “não merecia”) deu uma ideia para um excelente epitáfio:
“Aqui jaz a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948 e enterrada, sem cerimônias, no cotidiano da internet. Uma boa idéia para a qual os brasileiros ainda não estavam preparados.”
Vale a pena a leitura. Nem que seja por saudosismo de um futuro que ainda será. Mas não agora.
E, até lá, muita paciência, sobriedade e, é claro, amor para enfrentar tanto ódio.
Artigo I.
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.
Artigo II.
1. Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.
2. Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania.
Artigo III.
Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.
Artigo IV.
Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas.
Artigo V.
Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.
Artigo VI.
Todo ser humano tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei.
Artigo VII.
Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.
Artigo VIII.
Todo ser humano tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.
Artigo IX.
Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.
Artigo X.
Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir sobre seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.
Artigo XI.
1. Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.
2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Também não será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso.
Artigo XII.
Ninguém será sujeito à interferência em sua vida privada, em sua família, em seu lar ou em sua correspondência, nem a ataque à sua honra e reputação. Todo ser humano tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.
Artigo XIII.
1. Todo ser humano tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado.
2. Todo ser humano tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este regressar.
Artigo XIV.
1. Todo ser humano, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países.
2. Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos objetivos e princípios das Nações Unidas.
Artigo XV.
1. Todo homem tem direito a uma nacionalidade.
2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade.
Artigo XVI.
1. Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução.
2. O casamento não será válido senão com o livre e pleno consentimento dos nubentes.
3. A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado.
Artigo XVII.
1. Todo ser humano tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros.
2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade.
Artigo XVIII.
Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, em público ou em particular.
Artigo XIX.
Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.
Artigo XX.
1. Todo ser humano tem direito à liberdade de reunião e associação pacífica.
2. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.
Artigo XXI.
1. Todo ser humano tem o direito de fazer parte no governo de seu país diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos.
2. Todo ser humano tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país.
3. A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto.
Artigo XXII.
Todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito à segurança social, à realização pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.
Artigo XXIII.
1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.
2. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho.
3. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.
4. Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para proteção de seus interesses.
Artigo XXIV.
Todo ser humano tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas.
Artigo XXV.
1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.
2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio gozarão da mesma proteção social.
Artigo XXVI.
1. Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito.
2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.
3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos.
Artigo XXVII.
1. Todo ser humano tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir das artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios.
2. Todo ser humano tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica literária ou artística da qual seja autor.
Artigo XXVIII.
Todo ser humano tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados.
Artigo XXIX.
1. Todo ser humano tem deveres para com a comunidade, na qual o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível.
2. No exercício de seus direitos e liberdades, todo ser humano estará sujeito apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática.
3. Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente aos objetivos e princípios das Nações Unidas.
Artigo XXX.
Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos e liberdades aqui estabelecidos.
(http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2014/12/11/pai-perdoai-eles-nao-sabem-o-que-digitam)
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FrancoAtirador
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Apenas a título de ilustração, leia o artigo abaixo linkado
e os respectivos comentários postados pelos Muares Fascistas,
Fregueses de Caderno dos Frias de Oliveira na Folha de S.Paulo.
(http://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfernandovianna/2014/12/1561294-bolsonaro-somos-nos.shtml)
(http://comentarios1.folha.com.br/comentarios/5969423?skin=folhaonline)
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Mariá
Clube Militar inventa “vítimas” da resistência à ditadura
No Blog da Cidadania: http://www.blogdacidadania.com.br/2014/12/clube-militar-inventa-vitimas-da-resistencia-a-ditadura/
A divulgação do relatório final da Comissão Nacional da Verdade produziu reações características dos envolvidos – direta ou indiretamente – com os crimes de lesa-humanidade cometidos pela ditadura militar. Diante da divulgação vexatória de atos como estupros de mulheres e homens e até tortura de crianças, os que praticaram aqueles horrores, ou as famílias dos que praticaram e estão mortos, inventaram uma “desculpa”.
A tese que os envolvidos com a ditadura tentam vender é a de que “os dois lados” seriam culpados pela violência que campeou no Brasil entre o início dos anos 1960 e meados dos anos 1970. Para entender a questão, primeiro há que definir quem são esses “dois lados”.
Um “lado” é facilmente identificável, pois é o Estado Brasileiro. Havia uma Constituição no Brasil em 1964. Ela estabelecia a forma como se constituem governos, a regularidade e a periodicidade de eleições, enfim, todo arcabouço legal que rege política e institucionalmente uma nação.
Como qualquer texto constitucional, o de 1964 definia que o Poder de Estado derivava do voto popular, da vontade do povo. E foi essa vontade que elegeu João Belchior Marques Goulart.
Em 1955, Jango, como Goulart era chamado, elegera-se vice-presidente do Brasil pela coligação PTB/PSD. Obteve mais votos do que o presidente eleito, Juscelino Kubitschek, porque, à época, votações para presidente e vice eram separadas, o que tornava muito maior a legitimidade do vice-presidente.
Em 1960, Jango se elegeu de novo vice-presidente, concorrendo pela chapa de oposição ao candidato Jânio Quadros, do Partido Democrata Cristão (PDC) e apoiado pela União Democrática Nacional (UDN), que venceu o pleito. Seria como se o vice de Aécio Neves recebesse votos diretamente e Dilma Rousseff, presidente, perdesse o mandato ou renunciasse. Quem assumiria seria o vice da chapa tucana.
Em 1961, Jânio renunciou poucos meses após assumir. Apesar da maior legitimidade de Jango, os militares tentaram impedi-lo de assumir. Ontem, como hoje, a direita questionava os votos dos setores mais humildes da sociedade, que, em geral, são os setores que elegem governos trabalhistas, voltados mais à esquerda.
Essa cultura dos conservadores latino-americanos de questionarem o valor do voto dos mais humildes é uma herança da cultura do sufrágio censitário, que vigeu no país de 1894 a 1891, quando, para votar, o cidadão tinha que ter um determinado nível de riqueza, sem o que era considerado um cidadão de segunda classe.
Mais de um século se passou e a elite conservadora continua encarando o voto de pessoas pobres como sendo menos válido que o seu.
Por conta dessa visão, grandes empresários e latifundiários, preocupados com medidas de distribuição de renda que poderiam ser adotadas, decidiram que, como os votos dos pobres, que elegeram Jango, valiam menos que os dos ricos, não haveria que respeitar a vontade da maioria que deu a ele a Presidência da República.
Contudo, essa premissa partia de uma ilegalidade. A Constituição não fazia distinção entre voto de pobre e voto de rico. E não permitia que o mandato de um presidente revestido pela legitimidade do voto popular fosse interrompido sem um processo legal de impedimento, que, obviamente, requeria que representantes eleitos pelo povo para o Legislativo referendassem tal interrupção.
Como os grupos econômicos e sociais que sentiam-se ameaçados não tinham votos entre o povo, e como entendiam que esse povo não tinha os mesmos direitos políticos que a elite, valeram-se da influência dessa elite econômica sobre os militares para violar a Constituição, para infringir a lei maior do país, para cometerem um crime por qualquer critério de julgamento.
A desculpa de que o golpe de direita foi dado para impedir um golpe de esquerda jamais se sustentou em provas. Até hoje, toda vez que um grande jornal, um ministro do Supremo (como Marco Aurélio Mello), um grande empresário ou um “clube militar” repetem a história do “golpe comunista”, utilizam-se de uma versão que não dispõe de uma mísera prova.
Claro que, assim como em 2013 houve grupos de jovens que saíram à rua pedindo a derrubada do regime democrático e a instalação do anarquismo, em 1964 havia jovens querendo promover no país uma Revolução Socialista. Contudo, tanto quanto os jovens radicalizados de hoje, os de ontem não dispunham de meios para concretizar seus devaneios ideológicos.
Não havia grupos se armando, não havia uma influência forte da União Soviética no Brasil. E, mesmo que houvesse, só seria cabível a derrubada do governo Jango se esse governo tivesse dado algum passo comprovável em direção a um golpe. Nunca, porém, existiu um mísero documento, uma mísera prova de que Jango pretendia adotar o socialismo soviético no Brasil.
Concomitantemente à derrubada ilegal do governo, os militares promoveram prisões ilegais e, nessas prisões, valeram-se de tortura física e psicológica contra qualquer um que policiais e militares treinados apenas para combates julgassem que poderiam ter “informações” sobre os que não aceitavam o golpe.
A violência e a criminalidade de Estado fez surgir na sociedade brasileira um movimento de resistência análogo ao que combateu o avanço nazista na França. As ações de guerrilha urbana ou rural, na verdade, eram ações investidas de legitimidade constitucional, pois cabe a qualquer cidadão defender a lei na ausência de autoridades que o façam.
Qualquer reação aos criminosos que derrubaram ilegalmente o governo Jango Goulart, portanto, era uma ação dentro da lei. Até porque, além da derrubada criminosa do governo, os golpistas passaram a praticar crimes comuns, como assassinatos, cárcere privado e torturas contra os que defendiam a lei e a manutenção do Estado de Direito.
Nesse processo de resistência aos criminosos que deram o golpe de Estado, houve tiroteios. Em meio aos tiroteios, é evidente que, apesar de os que defendiam a democracia serem capturados ou mortos em maior quantidade, sempre conseguiriam impor baixas ao lado dos criminosos golpistas durante combates, execução de prisões pelo Estado etc.
Durante esses confrontos, eventualmente algumas pessoas que nada tinham que ver com nada ficaram na linha de fogo, além dos agentes de repressão do Estado que agiam ilegitimamente, sob as ordens de um governo ilegítimo. Alguns desses, perderam a vida.
O relatório final da Comissão Nacional da Verdade envergonhou todos quantos colaboraram com o regime ilegítimo e criminoso que se instalou no país em 1964 ou que participaram ativamente daquele regime. Entre os que menos digerem a Verdade, está um certo “Clube Militar” que, no âmbito da comoção que se instalou no país com as histórias terríveis das vítimas do regime militar, tenta ludibriar a nação divulgando uma relação de “vítimas” dos “terroristas” que não tem amparo de investigações e que, no pouco que possa ter de verdade, cita pessoas que morreram em combate ou que estavam no lugar errado, na hora errada.
Leia, abaixo, o manifesto divulgado pelo site do “Clube Militar” em tela.
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As mais de quatro centenas de vítimas da ditadura que a CNV elencou, porém, contam com a legitimidade das investigações daquela Comissão e de seus braços espalhados pelos Estados e Municípios. As vítimas sobreviventes ou seus amigos e familiares vieram a público, deram nomes dos autores dos crimes, apresentaram provas.
Autores dos crimes depuseram nas Comissões da Verdade de todo país, documentos contendo detalhes das torturas e das prisões ilegais, entre outros atos arbitrários, foram apresentados à nação. Grande parte ou a quase totalidade dos que depuseram nas Comissões da Verdade, porém, não trouxe muita coisa nova ao conhecimento público. Muito do que diz o relatório final da CNV já era conhecido.
Do outro lado, temos uma relação obscura de pessoas que, na sua quase totalidade, nunca vieram a público e que, em boa parte, são literalmente desconhecidas. Ou seja: a lista publicada pelo tal “Clube Militar” é uma mentira, uma trapaça, um embuste que visa dar alguma coisa a dizer para os pervertidos da ditadura e para suas famílias diante da vergonha que ao menos deveriam estar sentindo.
Além do que já foi dito, vale refletir que as circunstâncias reais das mortes dos poucos casos reais que possam figurar na lista do “Clube Militar” em nada se assemelham aos crimes apurados e comprovados pelas Comissões da Verdade.
Devido à ampla divulgação dos horrores praticados nos porões da ditadura, é ocioso reproduzi-los. Os detalhes do sadismo inimaginável que regeu as ações dos verdugos escalados pela ditadura para arrancar informações de jovens que havia pouco dedicavam-se a carregar livros daqui para lá não precisam de mais publicidade. Só não viu quem não quis.
No caso dos policiais e soldados que possam ter morrido em combate contra a resistência ao golpe ilegal de 1964, não sofreram o tipo de perversão que transborda das ações do regime contra todo aquele que lhe parecesse suspeito. Até por isso, não há famílias e mais famílias clamando por justiça ou denunciando atrocidades.
As supostas “vítimas de terroristas” não têm rosto, não têm história, à exceção de alguns raros que, diante da enormidade de testemunhas das Comissões da Verdade, não significam nada. E mesmo que os citados pelo “Clube Militar” viessem contar suas histórias, concluir-se-ia que os membros da resistência que possam ter causado as mortes ou ferimentos dessas pessoas foram, em enorme parte, capturados e penalizados com prisão, tortura etc.
O relatório final da Comissão Nacional da Verdade é apenas um primeiro passo para punir todos aqueles que compactuaram com a ditadura ou cometeram crimes em seu nome, inclusive aqueles que tentam se passar por inocentes, como é o caso, por exemplo, de jornais como a Folha de São Paulo, que recita o conto do “Clube Militar” em um texto em que prega a impunidade dos criminosos pervertidos da ditadura que caminham soltos por aí.
Editorial recém-publicado por esse jornal propõe “virar a página”, ou seja, recompensar com impunidade os pervertidos, estupradores, torturadores de crianças, ladrões, sádicos de todos os tipos que hoje são vovôs cheios de netinhos que mal sabem que convivem com verdadeiros monstros, apesar da aparência humana.
É perfeitamente inteligível a postura das famílias Marinho, Mesquita ou Frias, donas de jornais que ajudaram a dar o golpe de 1964 e que sustentaram a ditadura. É inteligível porque o aprofundamento do processo de reparação histórica irá desmascarar os dirigentes dessas empresas à época da ditadura.
Nesse aspecto, o jornal da família Frias é o pior por seu colaboracionismo material com a ditadura e pela cada vez mais comprovada participação de seu fundador até em sessões de tortura, o que se supõe que possa ter ocorrido por algum tipo de tara que se comprazia da visão de sevícias contra pessoas indefesas.
Isso sem falar no apoio material da Folha à ditadura, com os notórios empréstimos de veículos de entrega de jornais para transporte de presos.
Diante do exposto, o Ministério Público bem que poderia investigar essa farsa inominável do tal “Clube Militar”, que busca ludibriar uma nação inteira com uso de informações falsas – em sua quase totalidade. Essa lista de 126 nomes de “vítimas” de “terroristas” é, em grande parte, fictícia. Constitui afronta ao país e seus autores deveriam ser severamente punidos.
Mário SF Alves
Olha, Mariá, não obstante tudo isso, conforme relatado, e além não não haver termos possíveis de comparação entre a desumanidade da tortura, assassinatos e desaparecimentos políticos cometidos por agentes da repressão e, portanto, de responsabilidade do Estado, e as eventuais perdas de vidas da parte dos referidos agentes da repressão e de civis que agiam em conivência e/ou apoio material e intelectual à ditadura, é inegável que, mesmo estes, são igualmente crimes de responsabilidade do Estado.
A bem da verdade, a tal lista do tal Clube Militar só faz aumentar a culpa dos fascínoras torturadores e a responsabilidade do Estado ante aquele desastrado, covarde e internacionalmente submisso golpe de Estado.
Cláudio
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* . . . . **** . . . . Lei de Mídias Já!!!! **** … “Com o tempo, uma imprensa [mídia] cínica, mercenária, demagógica e corruta formará um público tão vil como ela mesma” *** * Joseph Pulitzer. **** … … “Se você não for cuidadoso(a), os jornais [mídias] farão você odiar as pessoas que estão sendo oprimidas, e amar as pessoas que estão oprimindo” *** * Malcolm X. … … … Ley de Medios Já ! ! ! . . . … … … …
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