Rose Nogueira: “Um tiro pegou no joelhinho da menina, ainda no ventre da mãe”
Tempo de leitura: 4 minpor Rose Nogueira, no site do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo
Faz cinco anos e tudo ainda é inacreditável. Em uma semana que começou com o Dia das Mães, 493 pessoas, comprovadamente, foram assassinadas por arma de fogo em São Paulo – uma grande parte delas com os sinais clássicos de execução. Tiros de cima para baixo, nas costas, na nuca, na testa, no peito. Atiraram para matar.
Diante desse número escabroso, só aquelas pessoas muito especiais teriam a força de transformar sua dor em coragem santa: as mães que perderam seus filhos. Tanto que no dia 12, sexta-feira, o grupo Mães de Maio lança o livro “Do Luto à Luta” no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo. Depois farão uma caminhada até a praça da Sé para um culto ecumênico pela memória de todas as vítimas do episódio sem precedentes que já ficou conhecido como Crimes de Maio.
Uma das madres da Praça de Mayo de Buenos Aires virá para acompanhá-las, mostrando que a dor é a mesma. Do total de mortos, 352 eram jovens, de 11 a 29 anos, homens na quase totalidade. Mulheres foram 18, uma delas grávida de nove meses, prestes a dar à luz. A menina, ainda na barriga da mãe, também foi baleada. Um tiro pegou no seu joelhinho. E ela, mesmo dentro do aconchego do ventre da mãe, levou a mãozinha ao joelho, como se sentisse a dor no local. No laudo oficial, a menina morreu por “insuficiência materna”, e não pelos tiros. A mãe não pôde lhe garantir a vida porque morreu na hora, baleada também na cabeça. A menina já tinha nome. Seria Bianca, filha de Ana Paula, que era filha de Vera. E seu pai, que seguia pela calçada ao lado da mãe, também recebeu a carga de balas do mesmo assassino – ou assassinos.
Esse é um dos quase 500 casos daquela semana de cinco anos atrás, e sozinho já seria um escândalo por ultrapassar a barreira do desumano. Aconteceu em São Vicente, na Baixada Santista, onde também morreu Edson Rogério, filho de Débora, que teve o contra-cheque do salário que carregava no bolso manchado de sangue do tiro no peito. Ele abastecia sua moto num posto de gasolina quando os homens vestidos de preto, com máscaras ninja, chegaram e deram cabo de toda vida que houvesse por perto.
A morte por bala de calibre grosso em maio de 2006 encobriu a vida nas periferias e nos bairros mais pobres da capital, mas também de algumas cidades médias e grandes de São Paulo. Citamos dois casos horríveis da Baixada Santista porque lá fatos parecidos voltaram a acontecer no ano passado e agora nos últimos dias.
De comum, e chamou atenção, todos os lugares em que ocorreram os crimes eram pobres e todas as pessoas que morreram eram pobres, a maioria lutando pela sobrevivência. Os agentes do Estado assassinados eram soldados, investigadores de delegacias de bairro, guardas municipais, carcereiros e um bombeiro, servidores que também lutavam para viver. Segundo a polícia, foram 41. Os “outros”, os simples cidadãos que foram mortos apenas pelo fato de cruzarem com assassinos, são mais de 450. Impossível não lembrar que todos, os quase 500, um dia pesaram três quilos, foram abraçados ao nascer e mamaram numa mulher. Todos tinham os direitos garantidos, simplesmente porque um dia foram crianças que fizeram graça, meninos que foram à escola, adolescentes que se apaixonaram, homens e mulheres que talvez sonhassem – e tinham o direito de continuar vivos. Eram seres humanos.
Matou-se em São Paulo naquela semana de 2006 mais do que se mata nas guerras. Na noite de 15 de maio o toque de recolher foi uma realidade. Nunca uma notícia se espalhou tão depressa: “quem estiver na rua à noite corre perigo de vida”, informava o boca-a-boca. Escolas suspenderam as aulas, lojas, oficinas e fábricas dispensaram seus funcionários e São Paulo teve o maior congestionamento do ano às quatro da tarde, um dos poucos horários calmos no trânsito caótico da cidade. No dia seguinte a conta foi alta: a madrugada teve 117 mortos. Quem era o mocinho, quem era o bandido?
Que guerra foi essa onde o que restava de humanidade se perdia no medo? A cada dia, as manchetes dos jornais informavam com a naturalidade de quem já se acostumava à barbárie: “Polícia mata mais 90 suspeitos”… como se matar suspeitos fosse normal e permitido.
A perplexidade ainda permanece. A única palavra possível para tal perda de controle do Estado é justiça. Que seja federal, porque não podemos acreditar como de bom senso o “arquive-se”, que tem se repetido. O caminho racional é a federalização dos crimes de tortura, execução sumária e desaparecimento forçado, que continuam a acontecer em grandes proporções. É o caso da Baixada Santista.
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No ano passado, em apenas alguns dias do mês de abril, quando também houve o “toque de recolher”, 26 pessoas foram executadas em Santos, Guarujá, São Vicente, Cubatão e Praia Grande. A matança só parou quando uma autoridade diplomática dos Estados Unidos aconselhou aos cidadãos de seu país que não fizessem turismo por lá, pois nada poderia garantir suas vidas. Quase vinte policiais militares foram presos, suspeitos de participação em grupos de execução, mas foram soltos em seguida. Não sabemos como andam os inquéritos.
Neste ano, novamente em abril, motos com homens vestidos de preto e máscara ninja passam atirando, ferindo e matando. Em Santos, na semana passada, a câmera de segurança de um prédio flagrou uma execução, com o motorista de um carro chamando dois homens de meia-idade, como se pedisse uma informação. Ao se dirigir ao motorista os dois foram baleados no meio da rua. Um morreu na hora, o outro ficou gravemente ferido. As imagens foram parar no noticiário das TVs pela manhã.
O que isso representa, além da perversidade? Continuamos indignados. É que somos da espécie humana e diante da impunidade que gera impunidade só podemos ter uma certeza: ficamos muito menores diante de cada tragédia dessas.
Quem nos dá um pouco de grandeza ainda são as Mães de Maio. Benditas mulheres! Benditas mães!
Rose Nogueira é jornalista, diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo e Presidente do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo
Leia aqui o convite de Alipio Freire para o lançamento do livro “Do Luto à Luta: Mães de Maio”.
Comentários
Marxismo Online
Como diz uma pixação que vi ontem na faixa de pedestres entre a Plaza de Mayo e a Calle Defensa: "a impunidade é a mesma"…
Helenice
Que coisa mais odiosa! Não tive como conter as lágrimas, principalmente ao ler essa história da morte da mãe grávida. Pelo que a imprensa noticia, a gente não tem, nem de longe, a dimensão real do massacre.
Hélio Pereira
Com certeza todos estes fatos relatados são reflexo das ações de um grupo que Governa o Estado de SP desde 1983.
Os crimes se sucedem,as tragédias se sucedem,a Cracolândia se espalha pelo Estado,o PCC deita e rola comandando o Crime de dentro das Cadeias,Arrastões em Bairros de classe média,explosões de caixas de Bancos 24 horas,contrabando rolando solto no Centro de SP,venda de informações privilegiadas,policiais do DENARC dando cobertura a Mega traficante Colombiano em SP,Ney Santos abraçado ao Governador Alckmim,financiando a campanha Politica do Senador Aluizio Nunes,membros do PSDB embolsando grana do Grupo ALSTOM,desvio de verbas publicas,desvio ate em merenda escolar,jogo do bicho e maquinas caça niqueis em cada esquina,pra completar um Governador acusado de ter patrocinado a operação Castelinho em 2002 que causou 11 mortes e lhe garantiu a vitoria contra Maluf,pois a imprensa divulgou que Xuxu tinha acabado com o PCC.
Um Ministério Publico repleto de militantes do PSDB,com vários Parlamentares do PSDB em seu meio.
Esperar o que deste Governo?
Roberto Locatelli
Essa chacina inominável aconteceu e a mídia demotucana tenta apagar da História.
Ley de Medios já!!
Gerson Carneiro
Caso chocante acontecido também esse ano, e que também merece destaque, foi o da mulher que presenciou uma execução dentro de um cemitério, denunciou e foi abordada pelos policiais assassinos ainda quando efetuava a denuncia.
E o José Serra segue comemorando "a queda no número de homicídios no Estado de São Paulo" resultante de apuração manipulada de dados.
@danielcrf
A polícia brasileira é mais mortífera que qualquer grupo de elite das policias e exércitos americano e israelense, somente esse fato já seria estranho, mas se levarmos em conta o precário treinamento da policia brasileira, e de se estranhar que ela mate tantos "bandidos".
Lazlo Kovacs
Para uma cronologia dos ataques do PCC, veja em (pasmem) http://pt.wikipedia.org/wiki/Anexo:Cronologia_dos….
Na época, 2006, o Secretário de Segurança do governo do PSDB declarou que o PCC estva "sob controle".
Tempos depois, em 2008,no governo de Serra do PSDB, polícia militar reprime manifestação de policiais civis, em http://www.pmtube.com.br/guerra-das-policias-de-s…
FrancoAtirador
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TRECHOS:
"…todos os lugares em que ocorreram os crimes eram pobres e todas as pessoas que morreram eram pobres, a maioria lutando pela sobrevivência.
Os agentes do Estado assassinados eram soldados, investigadores de delegacias de bairro, guardas municipais, carcereiros e um bombeiro, servidores que também lutavam para viver. Segundo a polícia, foram 41.
Os 'outros', os simples cidadãos, que foram mortos apenas pelo fato de cruzarem com assassinos, são mais de 450."
"Quase vinte policiais militares foram presos, suspeitos de participação em grupos de execução, mas foram soltos em seguida. Não sabemos como andam os inquéritos."
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Indecência estatal e indignidade pública:
O REGIME MILITAR DE EXCEÇÃO INCRUSTADO E PERPETRADO NAS INSTITUIÇÕES POLICIAIS.
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ZePovinho
As empresas de segurança privada e assemelhadas tem de sair do ramo,o Estado precisa contratar mais policiais,aumentar os salários miseráveis deles e equipar bem a corporação;senão veremos coisas desse tipo:
http://odia.terra.com.br/portal/rio/html/2011/5/t…
PMs armeiros forneciam munições ao Comando Vermelho
O depoimento prestado pelo juiz revelou à CPI uma investigação que evidencia a fragilidade do controle do Estado sobre as munições fabricadas no Brasil. Em 2009, Villa condenou o traficante Ricardo Paiol, um dos encarregados de fornecer armas para o Comando Vermelho. As investigações apontaram que dois comparsas de Paiol eram policiais militares. Um trabalhava no 35º Batalhão, de Itaboraí, e o outro no depósito central de armas da PM de Niterói.
Um deles, o cabo Ricardo Galdino tinha autorização do Exército para colecionar armamento e para a prática esportiva. Com a autorização, Galdino encomendava insumo para recarregar munição em sua própria casa. O insumo era enviado pelo correio, via Sedex. O juiz afirmou que as investigações não conseguiram comprovar se houve desvio do armamento da corporação, apesar de os dois PMs exercerem funções no controle do armamento interno.
Para o deputado e presidente da CPI, Marcelo Freixo (Psol), esse foi um dos depoimentos mais contundentes prestados à investigação: "é um juiz que conduziu uma investigação onde apareceram dois policiais militares armeiros envolvidos com o tráfico de armas. Isso mostra que investigar a fragilidade do poder público sobre o seu armamento e sobre o armamento geral que circula na sociedade. O problema da fronteira existe, mas não adianta insistirmos esse mito que acaba encobrindo outras investigações importantes como a fragilidade da PM, da Polícia Civil e do próprio Exército".
Para o juiz, o controle sobre a munição é tão importante quanto o controle ao armamento. "A arma pode ser adquirida lá fora. Mas é preciso a munição estocada em grande quantidade para a manutenção do domínio territorial de traficantes. Acredito que o controle à munição seja uma forma inteligente de se combater o tráfico de armas", afirmou.
ZePovinho
O modelo de segurança pública atual(nos qual TODOS os partidos têm responsabilidade) está falido porque todos os governos estaduais não pagam bem os policiais,não fazem concurso público para aumentar o efetivo e estão privatizando o setor.Basta olhar as contribuições de campanha dos governadores e estarão lá contribuições de empresas privadas de segurança que não querem a concorrência do setor público.
SILOÉ -RJ
Era esse o modelo de policia e justiça que o PSDB queria implantar no BRASIL, Dá pra acreditar???
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