Lumi Zúnica: Empresas brasileiras fugiram de impostos usando lei do Peru
Tempo de leitura: 6 minNo projeto Olmos, a Odebrecht ficou com U$ 77 milhões livres para movimentar sem pagar impostos
por Lumi Zúnica*, especial para o Viomundo
Muitos atrativos incentivam a conhecer o Peru. Sua história e os vestígios arqueológicos únicos no mundo, as sacadas coloniais e belíssimas alamedas, o folclore de cores vivas de um artesanato altamente elaborado e a culinária que reina soberana como melhor destino gastronômico das Américas, entre outros.
Mas não foram estes incentivos que levaram empresas brasileiras a investir no Peru.
Elas encontraram na legislação peruana o pote de ouro ao final do arco-íris.
Marco Legal
Em agosto de 1991, o ainda presidente Alberto Fujimori, hoje preso por atos de corrupção e crimes contra a humanidade, sancionou o decreto legislativo 662, que estabelece o marco legal para atrair investimentos estrangeiros ao país.
Basicamente a norma estabelece que qualquer pessoa física ou jurídica terá estabilidade jurídica, tributária e cambial desde que o investimento ingresse no país através do Sistema Financeiro Nacional e seja registrado no “Organismo Nacional Competente”.
O instrumento legal do acordo é chamado de “convênio de estabilidade jurídica” e é firmado entre a empresa e o governo peruano representado no ato pela estatal “Proinversion”.
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O valor mínimo de investimento é de dois milhões de dólares ou US$ 500.000,00, desde que gere mais de 20 empregos e pelo menos dois milhões de dólares de divisas por exportação nos primeiros três anos de atividade.
O instrumento busca gerar confiança nos investidores estrangeiros e progresso para o país, o que é louvável, correto e economicamente promissor…mas a mesma norma faz do Peru uma porta legal para acesso a paraísos fiscais e para empresas lavarem dinheiro e sonegar tributos em seus países de origem.
Isto porque entre as garantias de estabilidade está a chamada “livre disponibilidade de divisas”.
O túnel para os paraísos fiscais
O artigo 7 do decreto legislativo autoriza os investidores estrangeiros a transferir ao exterior a qualquer tempo a totalidade dos seus capitais e lucros, “sem autorização previa de nenhuma autoridade do Governo Central ou órgãos públicos descentralizados, governos regionais ou governos municipais, prévio pagamento dos impostos de lei.”
Esta liberdade inclui também a remessa originada em venda de ações, participações ou direitos, redução de capital, liquidação parcial ou total de empresas.
O destino das remessas ao exterior não precisa ser o país de origem.
Na prática o investidor pode repatriar o dinheiro ou enviá-lo a qualquer outro país, inclusive paraísos fiscais, sem nenhuma interferência das autoridades peruanas.
O que facilita ainda mais as remessas ao exterior é que os investidores tem o direito legal de comprar e vender moeda estrangeira, incluindo é claro dólares e euros, pelo câmbio mais favorável, sem nenhum tipo de restrição governamental.
O custo da operação é estar em dia com os impostos locais.
Brasileiros que investiram no Peru
Estas benesses levaram empresas do mundo todo a subscrever 968 convênios de estabilidade jurídica e cambial com o governo peruano, dos quais pelo menos 28 foram assinados por empresas brasileiras.
A OAS Engenharia e Participações, Construções Camargo Correa, Construtora Queiroz Galvão, Gerdau, BS Continental e a Pattac Empreendimentos e Participações em conjunto com a Tucumann Engenharia e Empreendimentos são signatárias de um convênio cada.
A Construtora OAS, Alusa S.A. e a Construtora Andrade Gutierrez aparecem cada uma com dois convênios assinados. A Cimentos Votorantim é titular de três convênios.
Mas em destaque aparece o grupo Odebrecht, com 15 convênios firmados por 6 empresas: Construtora Norberto Odebrecht, Odebrecht Energia, Odebrecht Investimentos em Infraestrutura, Odebrecht Participações e Investimentos e Odebrecht Latin Finance, cuja sede é em Luxemburgo.
Conforme registros da estatal Proinversion, órgão controlador dos convênios de investimento estrangeiro, o grupo Odebrecht investiu entre 2006 e abril de 2015 no país, US$ 1.376.678.941,38 (um bilhão, trezentos e setenta e seis milhões, novecentos e quarenta e um mil dólares e trinta e oito centavos).
O milagre da multiplicação dos dólares – 16 bilhões
O congresso peruano investiga desde o final de 2015 diversas construtoras brasileiras pelo suposto pagamento de propinas a agentes públicos e autoridades daquele país para obter vantagens ilegais em contratos com o Estado.
A comissão do Congresso peruano ficou conhecida como “Lava Jato”, por considerar que os investigados atuaram no Peru como extensão da organização criminosa investigada no Brasil.
Entre os figurões sob suspeita no Peru estão os ex-presidentes Alan Garcia e Alejandro Toledo, assim como o atual, Ollanta Humala.
Entre as empresas sobre as quais recaem suspeitas pela prática de suborno estão a Camargo Correa, Andrade Gutierrez, OAS, Queiroz Galvão, UTC e o grupo Odebrecht.
A Odebrecht é um dos principais alvos dos investigadores.
Eles querem saber como o grupo, que investiu pouco mais de 1,3 bilhão de dólares sob amparo da lei de promoção ao investimento estrangeiro conseguiu movimentar quase 16 bilhões de dólares num único banco no Peru, entre janeiro de 2006 e julho de 2015.
Estes valores circularam em 44 contas correntes da Odebrecht Ingenieria y Construcción, 22 das quais em moeda local e outras 22 em dólares norte-americanos.
Destas, 17 ainda estão em operação, 9 em dólares e 8 em soles, moeda oficial peruana.
O valor movimentado totaliza US$ 15.561.876.668,00 .
Isso significa que a Odebrecht multiplicou em quase 12 vezes seu investimento no Peru, um verdadeiro recorde de lucratividade.
Outra empresa do grupo, a Odebrecht Perú Operaciones y Servicios, movimentou entre junho de 2011 e junho de 2012 mais de 261 milhões de dólares em 8 contas correntes, 4 das quais em dólares norte-americanos.
As 48 contas correntes foram abertas no Banco de Crédito del Peru – BCP.
Projeto Olmos – um negócio da China…ou do Peru
A construtora Norberto Odebrecht também é suspeita de receber indevidamente benefícios fiscais e cambiais do governo peruano sobre US$ 77 milhões de dólares que a empresa deveria investir nas obras de irrigação do Projeto Olmos, mas que na verdade serão pagos pelos cofres do Estado peruano.
Talvez o mais importante projeto de irrigação do Peru é o de transposição das águas rio Hauncabamba da vertente do Atlântico para a vertente do Pacífico, através de um túnel de 20km sob a Cordilheira dos Andes.
O projeto visa gerar um polo de desenvolvimento regional nas áreas rurais do departamento de Lambayeque, ao norte do Peru.
A primeira etapa das obras, batizada de Projeto Olmos – Trasvase, foi orçada em mais de US$ 184 milhões de dólares.
Em fevereiro de 2005 a Concessionária Trasvase Olmos, controlada pela Construtora Norberto Odebrecht, foi autorizada a investir os 184 milhões de dólares no projeto.
Representada por Jorge Barata, membro do conselho administrativo da Odebrecht, a concessionária firmou com o governo peruano um “contrato de investimento” pelo qual a empresa se obrigou a realizar os aportes ao longo de 4 anos.
Em contrapartida, o governo peruano concedeu os benefícios fiscais e cambiais previstos na lei de promoção de investimentos estrangeiros no país.
Segundo cronograma anexo ao contrato, os aportes seriam integralizados do seguinte modo:
— ano 1 – US$ 52.507.503,09
— ano 2 – US$ 60.533.707,61
— ano 3 – US$ 55.850.594,18
— ano 4 – US$ 15.949.610,50
TOTAL: US$ 184.841.485,38
Estaria tudo certo, a não ser por um detalhe.
Meses antes da assinatura do contrato firmado entre a concessionária brasileira e o governo peruano, o então ministro de Economia e Finanças do Peru, Pedro Pablo Kuczynski, atual candidato à presidência da República, vinha negociando um empréstimo com a Corporação Andina de Fomento – CAF, órgão regional de desenvolvimento dos países andinos, para financiar parcialmente o Projeto Olmos.
Em maio de 2005 o empréstimo foi aprovado e a CAF financiou 77 milhões de dólares a serem pagos pelo governo peruano em 15 anos, com 5 de carência.
Com o empréstimo assinado, 77 dos 184 milhões de dólares previstos para execução da obra foram assumidos pelo Estado peruano como dívida com a CAF, restando para a Concessionária Trasvase –Olmos aportar os 107 milhões restantes.
Portanto, os benefícios cambiais, tributários e de livre disponibilidade de divisas previstos na lei de promoção deveriam ser aplicados sobre este último valor, 107 milhões.
Mas não foi isto que aconteceu.
No convênio assinado entre a concessionária e o governo peruano, as autoridades concederam os benefícios da lei sobre o valor total da obra, 184 milhões de dólares, assumindo como titular do investimento integral a Concessionária Trasvase-Olmos, ou seja, a Odebrecht.
Na prática isto significa que a Construtora Norberto Odebrecht poderia transferir legalmente ao Peru 184 milhões de dólares, com a obrigação de investir só 107 nas obras da transposição.
Os 77 milhões restantes a empresa poderia disponibilizar do modo que melhor entendesse, ficando legalmente amparada para remeter a fortuna a qualquer lugar do planeta, inclusive paraísos fiscais, sem nenhuma interferência das autoridades peruanas.
*Lumi Zúnica é repórter investigativo peruano radicado no Brasil
Comentários
Zé Maria
Esse tipo de isenção fiscal para empresas estrangeiras se instalarem no País
é um dos pontos da defórma tributária que vai ser proposta pelo Guedes.
Aliás, o (des)governo de Jair Bolsonaro vai reduzir ao máximo a arrecadação
de impostos no braZil, aumentando ainda mais o rombo por falta de Receitas.
Urbano
Os heróis do seu néscio…
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