Ilustração de Alexandre de Maio para a campanha Fim da Revista Vexatória
por Luana Tolentino, especial para o Viomundo
No domingo passado, a caminho da casa da minha avó, passei em frente a Penitenciária Dutra Ladeira, localizada no município de Ribeirão das Neves/MG. Sob o sol do meio-dia, uma imensa fila de mulheres – jovens e idosas -, e algumas crianças aguardavam o momento de entrar em mais um dia de visita. Muitas estavam lá desde às cinco da manhã.
Outra fila se formava nas imediações da Dutra. De ônibus e carros. Motoristas diminuíam a velocidade gradativamente para verem de perto as mulheres que, cheias de sacolas nas mãos, contornavam o muro do presídio. Pareciam estar diante de um verdadeiro zoológico humano, tal qual ocorria na Europa no final do século XIX. Sem qualquer tipo de proteção, a elas eram dirigidos olhares carregados de fetichismo, desprezo e escárnio.
Se do lado de fora a espera é longa, do lado de dentro da penitenciária, mulheres e crianças são condenadas pelo “crime” de ter parentesco com os detentos.
Como pena, são submetidas a revistas vexatórias, que violam os seus corpos e ferem a sua dignidade. Uma garota, a quem chamarei de G.C. , me contou que são obrigadas a se despir por completo, fazer agachamentos e abrir o ânus e a vagina com as mãos para provar que não portam drogas, armas ou chips de celulares. Tudo sob o olhar de agentes penitenciárias e das crianças. Uma verdadeira afronta à Constituição com a conivência do Estado.
Com autorização de G.C., cujo pai e namorado estão encarcerados, reproduzo o que ela me relatou:
A visita é humilhante. Você entra numa sala com uma agente penitenciária. Daí, tira a roupa toda e agacha três vezes. Depois, deitamos em uma maca e abrimos as pernas. Fazemos força, é força mesmo. Eu chorava depois disso. Tínhamos que abrir a boca para elas verem se não tinha nada escondido. Depois soltar o cabelo. Eu chegava no pátio para ver o meu namorado chorando, pois [as agentes] acham que somos culpadas por eles estarem lá. Elas olham a comida perto do lixo. Cortam o biscoito todo e ainda por cima ficam reclamando, pois enchemos as vasilhas. Só sabemos se o preso está de “castigo” ou foi transferido na hora, pois eles não ligam para avisar.
Ao reler essas palavras, fui tomada por uma sensação imensa de impotência. O que fazer diante de tamanha violência?
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Não tenho a vaga noção do que é passar por tudo isso. Meu pai, meu irmão, meus amigos não estão presos. Minha mãe também não. Minhas irmãs já se foram. Não tenho filhos. Jamais cruzei os portões de uma casa de detenção. O mais próximo que cheguei desse universo foi através da leitura de alguns artigos da antropóloga Alba Zaluar e de “Estação Carandiru”, livro do médico Dráuzio Varela. Ouvindo “Diário de um detento”, dos Racionais Mc’s, pude imaginar. Somente imaginar… Porém, nada disso impede que eu fique indignada diante de tamanha violência e opressão.
Em busca de algo que sinalizasse uma esperança, mesmo que remota, de reversão dessa situação degradante vivenciadas pela garota e pelas mulheres e crianças da fila, descobri que, segundo dados da Organização Rede Justiça Criminal, no Estado de São Paulo, entre 2010 e 2013, de cada 10.000 visitantes, apenas 0,03% portavam itens considerados proibidos. Tais números revelam que o objetivo dessas práticas além de humilhar as mulheres, é inibir as visitas, uma vez que muitas desistem de visitar seus filhos e companheiros para não terem que passar por esse tipo de abuso.
Descobri que aguarda votação na Câmara dos Deputados o projeto de lei de autoria da senadora Ana Rita (PT-ES), que proíbe a realização de revistas vexatórias. Um alento!
Descobri ainda que a Rede Justiça Criminal lançou uma campanha nacional contra as revistas íntimas nos presídios. Através do seu site é possível enviar mensagens ao presidente do Congresso, senador Renan Calheiros, solicitando que o projeto de lei seja aprovado com urgência.
Descobri também que, além de lamentar e me indignar, podemos participar, exigir o fim dessas revistas degradantes e desumanas, como outras pessoas e grupos já fazem.
G.C., talvez você não leia esse texto, mas ele é para você, que generosamente partilhou comigo memórias tão íntimas e dolorosas. É para todas as mulheres e crianças que eu vi na fila na porta da penitenciária. Para todas as mulheres que, pelo fato de terem seus companheiros, filhos ou amigos reclusos atrás das grades, são torturadas física e psicologicamente. Para as mulheres que todo domingo têm a sua condição humana negada.
Luana Tolentino é professora e historiadora. É ativista dos movimentos negro e feministas.
Leia também:
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Comentários
Rafael
Petista defendendo direito de BANDIDOS? Porque não me surpreendo? Essa é a mesma Senadora que efetuou CENSURA a um blog da internet. Os cidadãos de bem que se lasquem, né?
Não se esqueça que pra visitar os MENSALEIROS não é preciso revista.
Elias
A senadora Ana Rita (PT-ES) acaba de ter seu projeto aprovado no Senado que proíbe revista manual ou sem roupa.
“Ana Rita justificou a apresentação do PLS 480/2013 argumentando que, não obstante as garantias individuais trazidas pela Constituição, persiste o desrespeito ao visitante em presídios. O relator, senador Humberto Costa (PT-PE), recomendou a aprovação da proposta. Segundo ele, devido à falta de regulamentação em âmbito nacional, a revista pessoal tem gerado procedimentos diversos, muitos dos quais, além de ineficazes para coibir a entrada de objetos ilegais, também têm gerado humilhação para os visitantes. – A proposta garante dignidade e integridade física e moral dos amigos dos apenados e a segurança dos estabelecimentos penais – disse o relator, após a aprovação.”
Fonte: www12.senado.gov.br
Sergio Santos
Ultrajante, também, é preso ter direito a visita íntima ou pessoal com os familiares e amigos. Que se faça como as prisões que vemos nos filmes: através de vidro, sem qualquer possibilidade de contato entre preso e visitante. Impediria o tráfico de armamentos, celulares, etc. por esse meio. Para coibir o tráfico por agentes inescrupulosos existe a possibilidade de instalação de câmeras que poderiam ser monitoradas por uma central da Corregedoria do sistema carcerário, externa à unidade prisional. Com o avanço da tecnologia e o barateamento dos componentes isso é perfeitamente possível. Mas vivemos na idade da pedra nesse quesito e impera o caos que facilita todo tipo de corrupção.
Vlad
Mas então somando a presidenta, a maria do rosário e a eleonora menicucci temos algo equivalente a um maço de couve?
Ah…elasnãosabiam.
Ok.
Gerson Carneiro
Recentemente fui ao Banco, em uma manhã de domingo logo após um dos jogos da Seleção Brasileira na Copa, e uma policial, acompanhada de dois outros policiais me provocou quando eu me dirigia à porta do Banco. Na saída foi a vez de um dos policiais. Me chamou e fez mais provocações. Isto porque perguntei o porquê de não poder deixar meu carro estacionado em determinado lugar na frente do Banco. Ficaram me provocando para ver se eu perdia a cabeça e desse razão para eles exibirem “autoridade”. Sai de lá me mordendo de raiva.
Fico aqui a imaginar o que essas mulheres passam nessas revistas aonde não tem ninguém fiscalizando o comportamento desse pessoal que não conseguiu ser outra coisa na vida além de policial.
Carlos Mello
Discordo totalmente do artigo. Não me parece correto afirmar que “tais números revelam que o objetivo dessas práticas além de humilhar as mulheres, é inibir as visitas, uma vez que muitas desistem de visitar seus filhos e companheiros para não terem que passar por esse tipo de abuso”. Nada mais equivocado! Esses números revelam que a revista íntima (que também é feita nas delegacias, quando das prisões em flagrante) inibe o ingresso de artigos proibidos (armas e drogas) nas prisões via visita íntima. Nada mais. Nao há nenhum outro dado que confirme essa afirmação de que essa prática “inibe” as visitas. Isso é mera suposição, e se vamos trabalhar com fatos não é lícito fazer esse tipo de suposição….
Aliás, esse tipo de artigo mostra total desconhecimento da realidade e situação prisional do país. Nossos presídios são medievais; lá prevalece a lei do mais forte, a lei do crime. Não há autoridade estatal, não há segurança. Acho, honestamente, que pela segurança dos presos e da sociedade, a revista íntima tem que continuar!
abs
Aline C. Pavia
O Alckmin já falou que vai vetar. Disse que cada scanner custa 500 mil e ficaria “muito caro” colocar scanner em todos os presídios do Estado.
augusto2
Bom, é bem possivel que uma revista aleatoria, de surpresa caso feita por agentes externos (so como ex. pela PF) numa amostragem de 10% dos agentes penitenciarios… encontrasse mais armas e celulares do que essas terriveis revistas nas visitantes.
Alguem pode discordar disso mas é mera suspeita, mera impressão minha, claro.
Lopes
Creio que não seja uma boa ideia.
Os companheiros passarão a obrigar as mulheres a entrar nos presídios com material ilícito.
Mulher de malandro sofre.
Viviane
Surgindo “argumentos” de: “Ah, mas se só 0,03% das revistadas são pegas com objetos proibidos é porque a revista cumpre seu papel.” em 3, 2, 1…
Lopes
Se não houver revista, os parceiros irão obrigar as suas respectivas mulheres a levar drogas/armas para dentro dos presídios tornando o ambiente ainda mais inseguro, inclusive para as visitas.
Viviane
Muito obrigada por confirmar minha teoria!
Lopes
Viviane, OK! O seu ponto-de-vista é o único que presta! Os dos outros não valem nada.
RodrigoR
Bom dia a todos.
Realmente, em pleno século 21, ainda temos que nos deparar com relatos a respeito de práticas degradantes por parte do Estado. A chamada revista vexatória já deveria ter sido extirpada do âmbito das Unidades Penai há anos, no entanto vamos a questão.
1 – Antes de tudo, o Estado deve garantir o direito a Dignidade Humana.
2 – Em uma Unidade Penal, o Estado deve garantir a segurança de todos, dos agentes que ali trabalham, dos visitantes (ponde ser os parentes que visitam, de profissionais de outras áreas que por lá transitam ocasionalmente), e dos próprios sentenciados que ali cumprem suas reprimendas.
Desta forma, temos a grande questão, Garantir o Direito a Dignidade Humana, sem no entanto, que deixem de ser efetuadas os procedimentos que Garantam a Segurança de todos ali no presídio.
Não podemos esquecer que hoje, O CRIME ORGANIZADO dá as cartas nos presídios do Brasil afora, em especial no Estado de São Paulo, manjedoura da maior facção criminosa do país, o PCC.
Hoje os presídios são verdadeiros escritórios do crime, drogas, celulares e armas estão nos principais objetos de desejo dos chefões do crime que lá estão, e muitas são as tentativas de se introduzir tais objetos no interior das Unidades, e os meios, não faltam.
Agentes corruptos e visitantes são um dos principais meios para que os chefões do crime possam ter acesso a esses objetos. Um agente corrupto é um caminho mais difícil, tem todo um processo para que se descubra um corrupto em meio a centenas de agentes, no entanto, com o crime organizado que em um presídio possui dezenas de integrantes e centenas de simpatizantes, a ação já não é tão difícil, e encontrar visitantes que se prestam a fazer esse tipo de atividades, por ene motivos (pressão, ameaça, simpatia a causa, ou por dinheiro) não é tarefa difícil.
A droga é um dos objetos que mais facilidade tem de ser introduzido em uma Penitenciária, pois a mula (quem atravessa a droga) a introduz no corpo (através de envólucros) que facilmente é fixado por produtos a exemplo de pó p dentadura (córega), com então impedir que o tráfico de drogas seja efetuado dentro de um presídio, além das revistas que são feitas nas celas? Uma revista preliminar bem feita na entrada de todos (agentes e visitantes) no presídio.
No entanto, abolindo a prática pré-histórica da revista vexatória, aparelhos de última geração devem ser instalados EM TODOS OS PRESÍDIOS, pois apenas detectores de metais não são capazes de fazer isso, além de que, entorpecente não é metal.
Desta forma, que se pese as ações positivas para as garantias dos direitos humanos, da dignidade da pessoa humana, também deve-se adotar em conjunto, ações para a garantia da segurança de todos.
A solução, a aprovação da lei, mas com a imediata instalação de Scanners Corporais. Não custam tão caro como muitos governadores pensam, e não fazem mal a saúde como alguns ativistas alegam. Fora disso, da chamada RESPONSABILIDADE, o restante é troca de farpas entre quem não se coloca no lugar do outro (Estado x Ativistas).
FrancoAtirador
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Em se tratando de Direitos Humanos,
é Muita Ordem e Pouco Progresso.
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