João Peres: Coca-Cola se recusa a revelar quais pesquisadores tiveram estudos patrocinados por ela no Brasil

Tempo de leitura: 5 min

Transparente nos EUA, Coca-Cola adota segredo sobre relação com pesquisadores no Brasil

Corporação não quis revelar quais os estudos financiados. Nos Estados Unidos, foram US$ 140 milhões desde 2010. Nestlé, Unilever, Danone e Ajinomoto também não divulgaram informações.

por João Peres, em O joio e o trigo, via Saúde Publica(da) ou não

Envolvida desde a fundação em controvérsias devido à fórmula secreta do principal produto, a Coca-Cola está habituada a financiar pesquisas científicas que busquem promover benefícios ou deslegitimar efeitos negativos.

Nos Estados Unidos, frente a pressões da imprensa, a corporação revelou recentemente a lista de organizações e pessoas que tiveram trabalhos patrocinados.

Aqui, a Coca-Cola Brasil optou por não tornar disponível a O joio e o trigo a lista de pesquisadores que tiveram estudos financiados nesses trópicos.

Entramos em contato com a assessoria de imprensa no final de junho de 2017, solicitando uma entrevista a ser feita pessoalmente.

Dez dias mais tarde, recebemos a informação de que a conversa seria por telefone. Passadas mais três semanas, tivemos de encaminhar as perguntas por e-mail.

1. Quais são as principais motivações da Coca para financiar pesquisas científicas?

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2. Quais os critérios utilizados para definir quais trabalhos receberão apoio da empresa? Via de regra, é a Coca quem escolhe os temas ou os pesquisadores que procuram a Coca? Quais têm sido os temas prioritários?

3. Quais pesquisadores já receberam apoio da empresa no Brasil? É possível saber o montante de recursos destinados a apoio científico?

4. Como a empresa se relaciona com o ILSI Brasil? E como avalia o papel da organização? É possível saber qual o montante investido no ILSI ou qual o percentual total do orçamento anual do instituto que corresponde à Coca?

5. Nos Estados Unidos, alguns veículos de comunicação têm contestado a relação da Coca com pesquisadores. Como a empresa vê essas críticas? Isso provocou alguma mudança na atuação da empresa no Brasil?

6. Há artigos de revisão indicando que estudos financiados pela indústria de refrigerantes tiveram tendência a não indicar o papel desses produtos na epidemia de obesidade. Qual a opinião da empresa sobre esses artigos?

7. Alguns autores afirmam que pesquisas com ênfase em atividade física buscam desviar o foco sobre as verdadeiras causas da obesidade. Como a empresa tem se posicionado em relação a essa crítica?

Questões parecidas também foram apresentadas a Nestlé, Danone, Unilever e Ajinomoto. Nenhuma delas quis responder.

A Coca-Cola chegou a encaminhar, um mês depois, uma nota curta, mas que ignorava todas as nossas questões.

“A Coca-Cola Brasil segue parâmetros rigorosos para patrocínio de pesquisas científicas e apoio a pesquisadores. Nosso interesse na literatura científica se reflete na preocupação de embasar todas as nossas decisões em evidências científicas – principalmente relacionadas à formulação de nossos produtos e ingredientes. Dessa forma, asseguramos que estamos oferecendo bebidas de qualidade às pessoas que escolhem consumir nossos produtos.

Para isso, temos uma relação de franco diálogo com os principais interlocutores envolvidos com as questões alimentares e a educação nutricional no Brasil. Buscamos estar atentos às críticas e às oportunidades da nossa atuação nessa área. Hoje estamos mais focados nas melhorias que podemos fazer em nosso portfólio e comprometidos em oferecer mais escolhas para as pessoas.”

A postura da empresa revela um duplo padrão.

Nos Estados Unidos, após uma série de revelações feitas pela imprensa, a corporação decidiu divulgar os investimentos desde 2010 não apenas em pesquisa, mas em organizações da sociedade civil. Foram US$ 140 milhões, em torno de R$ 430 milhões.

Historicamente, atividade física é um assunto preferencial, ao lado das pesquisas que tentam atenuar os efeitos negativos do açúcar e dos adoçantes, dois elementos básicos da fórmula dos produtos vendidos pela Coca.

Apesar dos escândalos, o interesse da empresa pelo tema não diminuiu. Nomeada em 2017 por Donald Trump, a nova chefe do Centro para o Controle de Doenças (CDC), Brenda Fitzgerald, teve trabalhos financiados pela Coca, a quem considera uma aliada na luta contra a obesidade.

Após sucessivas polêmicas, Brenda deixou o cargo com a revelação de que comprou dezenas de milhares de dólares em ações de empresas de tabaco, justamente um tema central na atuação do CDC.

Trata-se do principal centro de saúde pública dos Estados Unidos, localizado justamente em Atlanta, sede da Coca.

Antes do caso de Brenda, a imprensa abordou a relação entre o então assessor especial de Saúde Global do centro, Michael Pratt, e a corporação dos refrigerantes.

Ele era um dos propulsores do ISCOLE –Estudo Internacional de Obesidade, Estilo de Vida e Ambiente na Infância –,que buscava realizar uma pesquisa em toda a América Latina, justamente uma das áreas com maior evidência de correlação entre aumento do consumo de bebidas açucaradas e obesidade.

Entre 2010 e 2014, o ISCOLE recebeu US$ 6,4 milhões, o que inclui o Centro de Estudos do Laboratório de Aptidão Física de São Caetano do Sul (Celafiscs), comandado por Victor Matsudo e criador do Agita São Paulo.

Ele é próximo ao International Life Sciences Institute (ILSI), criado pela Coca na década de 1970 e que, como mostramos, busca influenciar a agenda regulatória de saúde no Brasil.

Sabemos que, após o fim do ISCOLE, os recursos da Coca se direcionaram a uma iniciativa similar.

O Estudo Latino-americano de Nutrição e Saúde (Elans) é encabeçado pelo brasileiro Mauro Fisberg, coordenador da Força-Tarefa Estilos de Vida Saudáveis do ILSI, e Irina Kovalskys, do ILSI Argentina.

“São 12 mil casos avaliados entre adolescentes, adultos e sênior. É um estudo caríssimo. São amostras representativas, e amostra representativa é uma coisa complexa, especialmente em países grandes”, conta Fisberg.

Os resultados ainda não foram publicados e a coleta de algumas informações está em curso, mas o professor adianta uma parte:

“Tem um gap mostrando que a obesidade se deve mais ao sedentarismo. É difícil fazer essa afirmação. Eu não gostaria. Mas os números mostram que a gente tem muito menos gente comendo mais do que deveria do que gente fazendo atividade física”.

Em 2002, alguns cientistas acordaram de manhã com um brinde na caixa de correios: “O uso de refrigerantes e a saúde humana” é um artigo de revisão, ou seja, um trabalho que revisa as evidências acumuladas sobre determinada questão. Neste caso, refrigerantes.

Os autores, Mauro Fisberg e Olga Amâncio, da Unifesp, e Ana Maria Pitta Lottenberg, da USP, acusavam haver preconceito contra a bebida, “pouco compreendida pelos profissionais da área de saúde”.

“Inúmeros alimentos artificiais, industrializados há anos, têm livre trânsito nas clínicas, consultórios e ambulatórios ou são pouco combatidos por estes mesmos profissionais, que rechaçam de forma cabal o uso de uma bebida que, na realidade, é utilizada para seu uso próprio, sem qualquer restrição.”

À época havia vários estudos jogando a responsabilidade para a gordura. E para os obesos, acusados de preguiça, de maneira que uma solução apontada pelos autores era o programa Agita São Paulo, coordenado por Victor Matsudo.

Alguns dos estudos citados na bibliografia foram financiados pela indústria de refrigerantes.

Não sabemos quanto Matsudo recebe pelas palestras que dá a comunicadoras na sede da Coca.

O mesmo vale para a professora Maria Cecília de Figueiredo Toledo, aposentada da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp.

Em outubro de 2014, ela deu palestra a blogueiros no Rio de Janeiro.

Um encontro desse tipo tem resultado garantido para a corporação, já que vários deles saem reproduzindo as informações divulgadas pelos especialistas convocados.

É uma aposta nos microinfluenciadores digitais, cenário que se abriu e consolidou nos últimos anos.

“A marca mostra que sim, é possível beber o refrigerante com moderação, desde que você faça sua parte e corra atrás para manter sua saúde”, resumiu um dos blogueiros presentes.

Na ocasião, Maria Cecília gravou um bate-papo com uma das comunicadoras para divulgar uma espécie de resumo do que havia sido a palestra.

“A partir de 12 semanas a criança pode consumir adoçante. E realmente é uma questão de cultura, de hábito alimentar. A uma criança obesa pode ser recomendado que consuma.”

A indústria de refrigerantes faz um esforço constante por conter danos relacionados à divulgação de informações sobre adoçantes.

No começo de 2017, o ILSI realizou um encontro no qual Maria Cecília adotou o tradicional tom assertivo contra a ideia de que esses aditivos provocam danos à saúde.

Na ocasião, ela falou que é preciso levantar dados sobre consumo entre crianças e que o ILSI estaria disposto a financiar esse estudo. “Se vocês souberem quem possa fazer essa pesquisa…”

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Comentários

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RONALD

A melhor forma de se prevenir é abolir da “dieta” essas miseras de refrigerantes. De um lado, o açúcar em níveis alarmantes e de outro o aspartame e a sucralose – dois venenos que destroem o cérebro do incauto !!!!

frederico costa barros

É o mesmo discurso que a industria tabagista fazia e que agora é feito pela Coca Cola e o mais incrível é que tenham
“cientistas”que deem suporte a esse tipo de propaganda e que orgão govenamentais seja subornados a ficarem calados.

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