Foto de Hammond quando foi preso em Chicago
Revolucionários entre nós
Jeremy Hammond sentou-se na pequena sala do Centro Penitenciário Metropolitano de Nova York reservado para visitas com advogados. Ele estava vestindo um macacão de presidiário grande. O cabelo castanho do magricela de um metro e oitenta caía sobre suas orelhas, e ele tinha uma barba rala. Ele falou com a intensidade e a clareza que se espera de um dos presos políticos mais importantes da nação.
Na sexta-feira, o ativista de 28 anos comparecerá ao tribunal de Nova York em Manhattan. Depois de aceitar um acordo para se declarar culpado, ele pode ser condenado a 10 anos de cadeia por ter hackeado a empresa de segurança baseada no Texas, a Strategic Forecasting Inc., ou Stratfor, que faz trabalhos para o Departamento de Segurança Doméstica, para os Fuzileiros Navais, para a Agência de Inteligência de Defesa e várias outras corporações, entre elas a Dow Chemical e a Raytheon.
Outros quatro envolvidos no caso foram condenados na Grã-Bretanha, e receberam uma sentença que, somada, é menor – a maior sentença foi de 32 meses – do que a sentença potencial de 120 meses que está diante de Hammond.
Hammond entregou a informação furtada ao website WikiLeaks, à Rolling Stone e a outras publicações.
Os 3 milhões de e-mails trocados, quando tornados públicos, expuseram a infiltração da empresa de segurança, o monitoramento e vigilância de protestos e dissidentes, especialmente do movimento Occupy, em nome de corporações e do estado de segurança nacional. E, talvez mais importante, a informação oferece provas assustadoras de que as leis antiterrorismo estão sendo usadas pelo governo federal, rotineiramente, para criminalizar dissidências não violentas e democráticas e fabricar ligações falsas entre dissidentes e organizações terroristas internacionais. Hammond não buscou ganho financeiro. Não ganhou nada.
As trocas de e-mail que Hammond tornou públicas foram usadas como provas no meu processo contra o presidente Barack Obama e a Seção 1021 da Lei Nacional de Autorização de Defesa.
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A Seção 1021 permite que os militares prendam cidadãos que o estado considera terroristas, negar a eles o direito a um processo e mantê-los indefinidamente em instalações militares.
Alexa O’Brien, jornalista e estrategista, co-fundadora do US Day of Rage, uma organização criada para reformar o processo político, entrou no processo comigo.
Os oficiais da Stratfor, como soubemos pelos vazamentos de informações de Hammond, tentaram mentirosamente conectar a organização dela a radicais islâmicos e websites de ideologia jihadista, colocando-a sob risco de detenção pela nova lei. A juíza Katherine B. Forrest decidiu, em parte por causa do vazamento, que nós tínhamos um medo justificado e anulou a lei, uma decisão que a corte de apelação reverteu quando a administração Obama apelou.
Liberdade de imprensa e proteção legal para os que expõem abusos e mentiras do governo têm sido obliteradas pelo estado corporativo.
O resultado é o auto-exílio de jornalistas investigativos como Glenn Greenwald, Jacob Appelbaum e Laura Poitras, além do indiciamento de Barrett Brown.
Todos os atos de resistência – incluindo os protestos não violentos – têm sido fundidos com terrorismo pelo estado corporativo.
A grande imprensa comercial foi castrada pelo uso continuado da Lei de Espionagem, durante o governo Obama, para indiciar e sentenciar tradicionais denunciadores de erros do governo.
Autoridades do governo que têm consciência estão com muito medo de contatar jornalistas da grande imprensa porque sabem que a captação e armazenamento de comunicações eletrônicas por parte do governo os tornam facilmente identificáveis.
Representantes eleitos e os tribunais já não impõem limites ou práticas de supervisão. A última linha de defesa são pessoas como Hammond, Julian Assange, Edward Snoden e Chelsea Manning, que têm a capacidade de mergulhar nos arquivos da segurança e da vigilância estatal e têm a coragem de passá-los ao público. Mas o preço da resistência é alto.
“Nestes tempos de segredos e abusos de poder só existe uma solução – transparência”, escreveu Sarah Harrion, a jornalista britânica que acompanhou Snowden até a Rússia e também foi para o exílio em Berlim.
“Se nossos governos estão tão comprometidos que não vão falar a verdade, então temos que dar um passo adiante e agarrá-la. Quando têm acesso a provas irrefutáveis de documentos originais, as pessoas podem brigar. Se nossos governos não vão nos dar essa informação, então temos que tomá-la por conta própria”.
“Quando denunciantes se apresentam, temos que brigar por eles para que outros ganhem coragem”, continuou. “Quando são calados, temos que ser a voz deles. Quando são caçados, devemos ser seus escudos. Quando são trancafiados, devemos libertá-los. Fornecer a verdade não é um crime. Esses dados, informações e história são nossos. Devemos brigar para tê-los. A coragem é contagiosa”.
Hammond conhece esse contágio. Ele morava na casa dos pais em Chicago, em 2010, sob toque de recolher de 7 da manhã às 7 da noite, por uma série de atos de desobediência civil, quando Chelsea (ex-Bradley) Manning foi preso por dar informações secretas ao WikiLeaks a respeito de crimes de guerra e mentiras do governo.
Hammond estava organizando programas sociais nessa época, alimentando os famintos e enviando livros aos presos.
Ele tinha, assim como Manning, uma incrível aptidão para ciências, matemática e a linguagem dos computadores, desde muito cedo. Hackeou computadores de uma loja local da Apple aos 16 anos. Também entrou no computador do website do departamento de ciências da Universidade de Illinois-Chicago no primeiro ano, pregou uma peça que levou a faculdade a recusar seu retorno para terminar o curso.
Foi um dos primeiros a dar apoio ao “cyber-liberation” e em 2004 lançou um “jornal de desobediência eletrônica” que batizou de Hack This Zine.
Durante um discurso na convenção DefCon, em Las Vegas, em 2004, ele conclamou os hackers a usarem sua habilidade para atrapalhar a Convenção Nacional Republicana naquele ano.
Quando foi preso em 2012, era uma das eminências pardas do hacktivismo subterrâneo dominado por grupos como Anonymous e WikiLeaks, no qual apenas o anonimato, a segurança estrita e a constante troca de alianças asseguram sucesso na sobrevivência. A coragem de Manning incentivou o ato de desobediência civil cibernética de Hammond, mesmo sabendo que as chances de ser pego eram grandes.
“Eu vi o que Chelsea Manning fez”, disse Hammond quando conversamos na última quarta-feira, sentado diante de uma mesa de metal. “Através do seu ato de hacking ela se tornou uma lutadora, transformadora do mundo. Correu um risco tremendo para mostrar a verdade horrorosa da guerra. Eu me perguntei: se ela podia correr esse risco, eu não deveria também? Não estava errado ficar sentado em casa, confortavelmente, trabalhando nos websites do Food Not Bombs, quando tinha capacidade técnica para fazer algo semelhante? Eu também podia fazer diferença. Foi a coragem dela que me incentivou a agir”.
Hammond – que tem tatuagens em tinta negra nos dois antebraços, um o símbolo do movimento pela fonte livre, que é um planador, e o outro o hexagrama shi do I Ching – está imerso em pensamentos radicais.
Quando era adolescente, migrou politicamente da ala liberal do Partido Democrata para a militância anarquista dos Black Bloc.
Nos últimos anos do segundo grau, era um leitor ávido dos materiais publicados pelo CimethInc, um coletivo anarquista de literatura e manifestos anarquistas.
Ele se inspirou em radicais antigos como Alexander Berkman e Emma Goldman e revolucionários negros como George Jackson, Elaine Brown e Assata Shakur, como também nos membros do Weather Underground.
Disse que enquanto estava em Chicago, fez várias viagens ao cemitério Waldheim para visitar o Monumento aos Mártires de Haymarket, que homenageia quatro anarquistas que foram enforcados em 1887 e outros que participaram das guerras trabalhistas. No monumento de granito de quase cinco metros de altura estão as últimas palavras de um dos condenados, August Spies. Está escrito: “O dia virá quando nosso silêncio será mais poderoso do que a voz que vocês estão calando hoje”. Emma Goldman está enterrada ali perto.
Hammond se tornou conhecido do governo por conta de uma série de atos de desobediência civil na última década. Eles variaram de grafite contra a guerra nas paredes de Chicago aos protestos durante a Convenção Republicana em Nova York, em 2004, e ao hacking to website de direita Protest Warrior, pelo qual ele foi condenado a dois anos no Instituto Penal Federal em Greenville, Illinois.
Ele disse que está lutando como um “comunista anarquista” contra “a autoridade estatal centralizada” e “corporações exploradoras”.
Seu objetivo é construir “coletivos sem líderes com base em associações livres, consenso, ajuda mútua, autossuficiência e harmonia com o meio ambiente”. É essencial, disse ele, que todos nós trabalhemos para cortar nossas ligações com o capitalismo e nos engajemos em “organizações de protestos massivos, graves e boicotes”.
Hackear e vazar informações, disse, fazem parte da resistência – “são ferramentas efetivas para revelar verdades horrorosas sobre o sistema”.
Hammond passou meses no movimento Occupy, em Chicago. Abraçou “sua estrutura não hierárquica, sem líderes, como as assembleias gerais e consensos, e a ocupação de espaços públicos”.
Mas ele criticou muito o que chamou de “políticas vagas” no Occupy, que permitiram a inclusão de seguidores do libertário Ron Paul, alguns do Tea Party, assim como “reformistas liberais e Democratas”.
Hammond disse que não estava interessado em um movimento que “queria apenas uma forma mais simpática de capitalismo e preferiam reformas legais e não uma revolução”. Continua enraizado no ethos do Black Bloc.
“Ficar preso realmente abriu os meus olhos para a realidade do sistema judicial criminal”, disse ele, “esse não é um sistema voltado para a segurança pública ou para a reabilitação, mas sim um sistema que arranca lucro da prisão em massa. Existem dois tipos de justiça – um para os ricos e poderosos que saem ilesos de grandes crimes, mas para o resto, especialmente os pobres e de cor, não existe julgamento justo. Em mais de 80% dos casos as pessoas são pressionadas a confessar algo ao invés de exercitarem seu direito a julgamento, sob ameaça de longas sentença. Eu não acredito na possiblidade de uma reforma satisfatória. Nós precisamos fechar todas as prisões e libertar todo mundo incondicionalmente”.
Hammond disse ter esperança de que seu ato de resistência encoraje outros, assim como a coragem de Manning o inspirou. Disse que os ativistas devem “saber e aceitar a pior consequência possível” antes de levar a cabo uma ação e estar “conscientes de que a contr- inteligência massiva e as operações de vigilância tem nossos movimentos como alvo”.
Um informante que se apresentou como camarada, Hector Xavier Monsegur, conhecido online como “Sabu”, entregou Hammond e seus cúmplices ao FBI.
Monsegur armazenou dados conseguidos por Hammond em um servidor externo em Nova York.
Essa tênue conexão nova-iorquina permitiu ao governo processar Hammond em Nova York por hackear uma empresa de segurança baseada no Texas de sua casa em Chicago. Nova York é o centro das investigações do governo sobre guerra cibernética; é onde autoridades federais aparentemente queriam que Hammond fosse investigado e processado.
Hammond disse que vai continuar resistindo de dentro da prisão. Uma série de mini infrações, como também o resultado positivo, junto com outros presos, no exame de maconha contrabandeada para dentro da cadeia, resultou na perda do direito de visitas nos próximos dois anos e “tempo na caixa” (solitária). Ele pode ver jornalistas, mas meu pedido de entrevista levou dois meses para ser aprovado. Ele disse que na prisão existe ”muito tédio”. Joga xadrez, ensina violão e ajuda outros presos com os estudos. Quando o vi, estava trabalhando em um texto, um manifesto pessoal, que será lido no tribunal esta semana.
Ele insistiu que não se vê diferente dos demais presos, especialmente os presos pobres de cor, que estão ali por crimes comuns, espacialmente relacionados a drogas. Disse que a maior parte dos presos é de presos políticos, enjaulados injustamente por um sistema capitalista totalitário, que negou oportunidades básicas de dissidência e sobrevivência econômica.
“A maioria das pessoas fez o que precisava fazer para sobreviver”, disse. “A grande maioria era pobre. Foram pegos na guerra contra as drogas, que é como você ganha dinheiro se você é pobre. A verdadeira razão pela qual foram trancafiados na cadeia por tanto tempo é para que as corporações possam continuar a faturar. Não tem nada que ver com Justiça. Não faço distinções entre nós”.
“A cadeia significa essencialmente sobreviver aos abusos e condições desumanizantes”, disse. “Você tem que lutar constantemente para ser respeitado pelos guardas, algumas vezes sendo jogado na caixa (solitária). Entretanto, não vou mudar a minha maneira de viver porque estou trancafiado. Continuarei a ser desafiador, agitador e organizarei as pessoas onde for possível”.
Hammond disse que a resistência tem de ser um meio de vida. Ele pretende voltar a organizar comunidades quando for solto, apesar de ter dito que vai trabalhar para não voltar à prisão. “A verdade”, disse, “sempre virá à tona”. Alertou ativistas a serem hiper-vigilantes e conscientes de que “um erro pode ser permanente”. Mas acrescentou, “não deixem a paranoia ou o medo afastá-los do ativismo. Façam tudo em silêncio”.
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Comentários
Blog Anti-NOM
Jeremy Hammond, hackativista condenado, foi convencido por um informante do FBI a empreender ações de hacking contra vários governos estrangeiros incluindo Brasil. Documentos que comprovam a denúncia estão disponíveis na internet.
http://www.anovaordemmundial.com/2013/11/fbi-instruiu-hackers-invadir-varios.html
Lucas Gomes
black bloc nos olhos dos outros é refresco!
no Brasil é coisa de vândalos de extrema direita, nos EUA é coisa de revolucionários 2.0; será que a CIA também financia eles por lá?
ou será que… oh, depois de tanto mistério…. se trata de uma tática e não de um grupo?
Luiz Veloso
É a famosa “grande Democracia do Norte”
Luís Carlos
A ditadura mostra sua verdadeira face. Calar a todos que pensam diferente. O mundo do capital e seu pensamento único e intolerância máxima.
Malvina Cruela
gostaria de perguntar aos críticos do “capitalismo”: que mais existe fora isso?????
Rafael Isaacs
Cuba, China??
Malvina Cruela
esqueceu Vietnã e Coreia do Norte..entre os lugares bacanas
Thomas More
Utopia. “Aquilo” que a humanidade faz em conjunto.
michel
gostaria de perguntar à Malvina Cruela se o universo iniciou com o capitalismo?
Malvina Cruela
iniciar com certeza não..mas acabar sim
FrancoAtirador
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O Capitalismo é que acabou com o universo de homens e mulheres.
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ZePovinho
Esse rapaz admirável evidencia nosso comodismo.O meu,em particular.Por que deixamos de ser assim quando envelhecemos????
Ted Tarantula
resposta fácil…jovem que não é revolucionário não tem coração, velho que não é conservador e continua revolucionário não tem juízo.
ZePovinho
Provavelmente Thoreau(que o Hammond me faz lembrar) não tinha juízo….
Roberta Ragi
A história vai poder registrar, daqui a alguns anos, a coragem e a importância de homens como Jeremy Hammond. Eles são decisivos para chacoalhar as estruturas do sistema e alertar para a insanidade do modelo de vida ocidental – insustentável, violento e auto-destrutivo – a roubar, dia a dia, nossas esperanças.
Aos brasileiros desavisados: não é possível julgar rapidamente (sem elementos concretos) a ação e a filosofia dos blocos negros e dos anarquistas entre nós. Com a radicalização do neoliberalismo, vamos continuar ouvindo falar deles.
É preciso escutar a rebeldia! Ela poderá (quem sabe?) nos salvar de nós mesmos.
francisco niterói
Dia desses, vi no programa do bill maher ( excelente, aconselho a todos), uma congressista da florida dizendo, em discussao sobre o boicote a cuba, “que pra ter relacao com os EUA é preciso merecer” e que cuba “ta cheio de presos politicos”. O bill maher rebateu e os outros convidados tb.
Me lembrei disso ao ler o post, especialmente quando sabemos que os americanos se consideram a “maior democracia do mundo”. Rsrsrsrs. E que SÓ OS INIMIGOS POSSUEM PRESOS POLITICOS.
Leo V
Bom artigo.
Esse é a “democracia” que pode existir no capitalismo.
Mardones
É realmente importante que pessoas com grande conhecimento em computação possam desafiar o sistema com divulgação de informações fruto de atividade ‘hacker’.
O risco precisa ser consciente.
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