Ex-funcionário da Anvisa denuncia ação do lobby do agrotóxico

Tempo de leitura: 7 min

Lobby por agrotóxico na Anvisa é um inferno, diz ex-gerente

3 de setembro de 2013

Por Tiago Mali


Da Revista Galileu, reproduzido na página do MST

Luiz Cláudio Meirelles, ex-gerente de toxicologia da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) foi exonerado do cargo em novembro de 2012 quando denunciou um esquema de corrupção para aprovar 7 princípios ativos de agrotóxicos mais rapidamente.

Nesta entrevista, ele relata como era a abordagem para que se apressasse as aprovações e diz que vê sua saída como algo já desejado há muito tempo pela bancada ruralista do congresso.

Quanto tempo você ficou na Anvisa?

Treze anos e meio. Peguei lá em fevereiro de 1999 e sai de lá em novembro de 2012.



Como as coisas funcionavam lá?



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A Anvisa estava para ser criada em 1999 e eu fui convidado pra organizar a gerência de toxicologia [que cuida da avaliação de agrotóxicos] ,ela não existia ainda. O nosso olhar sobre essa questão era uma avaliação preventiva.

Você vê os problemas relacionados àquela substância antes de ela ir pro mercado, e evitar que exista algum risco ou algum dano saúde da população, e também pensa em questões de controle.

Por exemplo, monitorar os resíduos de agrotóxicos em alimentos, melhores informações sobre os agravos provocados por esses produtos, melhoria da notificação de intoxicações, rever substancias autorizadas no passado que já estavam no mercado quando a gente chegou.

Você organizou esse setor lá.

Sim. E o objetivo era uma ação dinâmica. Quando você fala de substância química, elas estão sendo estudadas permanentemente. E às vezes uma coisa que era considerada segura no passado, dependendo dos estudos que apareçam, pode não ser mais considerada segura e você ter que mudar a decisão.

Por exemplo, o DDT. Quando foram lançados ali pela década de 1970 eram a maravilha do mundo. E depois eles passam a ser hoje, combatidos no mundo inteiro. Descobrimos que causam câncer, se acumulam no tecido adiposo, que contaminam o lençol freático.

Por isso temos nessa área constantemente de rever nossas decisões. Mesmo porque quem avalia as substancias são as empresas, né, elas são donas das moléculas, elas que apresentam estudos, e nesse início da entrada de molécula em qualquer país, os pesquisadores independentes não tem acesso àquela substancia pra desenvolver estudo. Então o trabalho da gente tinha esse escopo de prevenção com base em dados.

Essa prevenção é bem feita hoje?



A gente sabe que no Brasil a produção de dados em relação a essas contaminações da população ainda é extremamente precária. Pouco se investiga, poucos são os programas de monitoramento que temos operando, como o PARA [Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos].

Existe monitoramento de água potável, mas a gente não encontra os dados. Devia existir pra todo tipo de alimento. Processado, de origem agropecuária, água de ambiente, agua potável, pra que pesquisadores e gestores pudessem tomar sua decisão.

Muitas vezes você se depara com uma substância química nova e o estudo não te dá clareza sobre produção de câncer ou alteração de embrião.

Enquanto o órgão avaliador e de proteção sanitária você deve impedir a exposição até que isso se esclareça, mas essa é uma questão muito polêmica no país.Tem essa questão do poder de fogo que as empresas do agronegócio têm. Aos olhos deles, a precaução é tida como algo xiita, ideólogo, radical.



Mas o controle é bem feito?



Olha, faltam programas de monitoramento, de resíduos, programas de capacitação, tanto de profissionais de saúde quanto dos próprios agricultores. Os agricultores precisam ser mais bem informados sobre o perigo das substâncias que eles manipulam.

Os profissionais de saúde em como atender um intoxicado, como tratar uma intoxicação. Precisamos também monitorar resíduo de água, de solo. São informações importantes pra tomadores de decisão no momento de avaliação.

Por que esse monitoramento não é feito?

Falta de recurso, falta de estrutura dos órgãos, falta de laboratório. O Para, por exemplo. A gente fez logo no inicio da Anvisa, começou com 4 estados e 3 laboratórios na ocasião, e a gente começou a estruturar os laboratórios e trazer as vigilâncias sanitárias estaduais pra perto, porque na verdade o papel de monitoramento envolve os estados.

Ao longo de 10 anos conseguimos alcançar o país todo. E qualificar 4 laboratórios públicos no Brasil que monitoram resíduos com muita qualidade, pra evitar questionamento judicial, e uma série de outras questões. Esse processo lento se repete em várias áreas.

O que precisaria?



Precisaria ter análise de resíduo de agrotóxico em água, em alimento processado, em águas profundas, no solo.. Não saberia estimar quantos laboratórios mais seriam necessários.

Um país que usa agrotóxico como o Brasil precisa ter uma estrutura pra que a sociedade monitore a qualidade do ambiente em que ela vive, e isso ainda é bastante precário. Se não tenho isso, minha discussão com o setor regulado fica muito precária.

Não é discussão qualitativa que você olha nesse aspecto, é levar porrada.

Você sofria muita pressão na Anvisa? Como o lobby funcionava?



Olha, tem varias maneiras. A estratégia das empresas vai desde desqualificar o nosso trabalho, dizendo que o setor não tem capacidade de fazer aquilo.

Por exemplo, a reavaliação de agrotóxico [processo que revê liberação de agrotóxicos já aprovados para ver se eles não estão causando nenhum dano] que eles diziam que a gente não tinha capacidade. E depois a pressão política através dos deputados, senadores que muitas vezes têm suas campanhas financiadas por esse segmento e acabam tendo que dar uma resposta e procuram a instituição pra questionar o trabalho, por que proibiram aquele produto, por que não liberou aquele.

Era muito comum políticos procurarem vocês?



Bastante. Durante todos os anos que estive lá, a maior parte dos políticos que procurou na Anvisa enquanto eu era gestor era pra saber dos processos.

Pra reclamar de atraso na avaliação e reclamar da reavaliação que proibiu produto tal e que isso ia prejudicar a produção. Poucas e raras vezes um politico procurou. O lobby do setor também vai pra Justiça tentar derrubar nossa decisão.

Você diz isso à respeito da reavalição?



Sim. No Brasil, agrotóxico é registrado para sempre. A única maneira do Estado intervir nessa situação é ter em conta que o conhecimento avança, novos dados surgem, as substâncias passam a ser proibidas em outros países. Quando a gente chamou uma reavaliação de 14 ingredientes em 2008, houve toda a pressão política para não permitirem isso.

Depois, tentaram via judicial e conseguiram uma liminar que parou esse trabalho por um ano. Não queriam que houvesse revisão de substâncias que estão sendo proibidas inclusive na China, proibidas já na Europa, EUA, e amplo uso no Brasil.

Derrubamos a liminar, mas o processo foi atrasado em uma ano [das 14 substâncias que começaram a ser reavaliadas em 2008, apenas 5 tiveram decisão final até agora, com 4 banimentos].

A gente tem um Estado que vive oscilando nessa questão. Gente competente dentro do governo tem, não é pouco não. Só que esbarra nesse inferno, muitas vezes institucional, desses acordos que os políticos fazem, do financiamento de campanha.

Nada disso tá desligado. Quem indica um diretor da Anvisa é o Senado. Uma coisa empurra a outra, não tem jeito.



Como funcionava isso?



Se você pegar o processo do metamidofós [ingrediente ativo de agrotóxico barrado após ser reavaliado] vai ver o horror que foi aquilo. A empresa pressionou de tudo quanto é maneira. Mandou carta pra tudo que é político, dizendo que a gente tava desempregando gente, piorando a agricultura, e por ai foi até que o próprio escritório deles abandonou o uso.

Quais eram os políticos que mais apareciam por lá?

Eu teria que verificar o nome pra não ser leviano contigo. Mas normalmente os políticos da bancada ruralista.

Não lembra de nenhum?

Tinha o Gonzaga Patriota (PSB-PE), o Alex Canziani (PTB-PR)… Esse Gonzaga Patriota chegou a pedir meu cargo várias vezes, pra me substituir, por 2005… Mandava indicação, pra me tirar do cargo pra botar fulano. O que gente sofre muitas vezes dentro do órgão publico, não tá desvinculado de uma estratégia politica maior.

Havia pressão direta das empresas dentro da Anvisa?

Elas nunca pressionam diretamente, são recebidas em audiências. É direito pedir audiências com o diretor, como pediam também comigo. Então eles questionavam e, às vezes ameaçavam quando se viam prejudicados… E eu sempre dizia, se você se sente prejudicado tem o direito de ir pra Justiça.

Nem sempre é uma relação tranquila, a empresa que investiu pesado no produto e você tem que barrar o seu pedido. Mas de maneira geral a relação é cordial. Atendíamos com toda reserva. Sempre fui muito cuidadoso. A Anvisa criou um parlatório pra proteger os servidores. A gente tinha uma sala onde a audiência era gravada, a fita ficava registrada. A pressão era nesse sentido, da preocupação deles com a norma… Era legitimo.

Essas pressões estão relacionadas com as irregularidades que você apontou antes de sair?



Não, não. O que eu apontei foi uma descoberta interna de uma autorização. De um determinado caminho que o processo deveria ter seguido que é a nossa rotina de trabalho e que não seguiu.

Mas isso não era do interesse de alguém?



Por acaso descobri aquilo ali, verificando uma situação que uma das gerentes que trouxe. Informei meus superiores, pedi providências. Providência, quando você encontra uma situação de irregularidade, é polícia e Ministério Público. Também pedi a saída do gerente responsável por isso.

Isso gerou, inexplicavelmente e espero que um dia se explique, um ambiente muito ruim. E o diretor logo depois de demitir a pessoa que eu tava pedindo, me demite.

Eu fui claro com eles: não vai me botar na mesma sacola, das irregularidades. Não adianta elogiar o trabalho e falar que é assim mesmo. Essa exoneração da maneira que aconteceu já era desejada há muito tempo, há dois anos a pressão tinha aumentado muito.

Quem que desejava a sua saída?



A bancada ruralista, há muito tempo. Esse segmento deseja que o setor saúde pare de avaliar os agrotóxicos. Já tem um projeto de lei rolando, claramente jogando todas as atribuições pro ministério da Agricultura. Pra mim essa questões tão mais no fundo das exonerações, mas elas não foram ditas. Houve uma oportunidade em relação à situação, que gerou um mal-estar e o sujeito lá agiu dessa maneira.

O que, na sua opinião, motivou as irregularidades?



As instituições têm fragilidades, se identifica um canal e se entra por ele… As motivações são sempre aquelas: benefício pessoal, alguém que pode estar influenciando externamente, um apoio de empresa… Isso que eu gostaria de ver investigado.

Foram sete aprovações de agrotóxicos sem avaliação técnica apropriada?



Identifiquei sete.

É possível que haja mais?

É possível, é claro. Fui exonerado logo depois que descobri o sétimo. E desde então não sei se alguém continuou investigando.

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Urbano

Dona Fátima Oliveira, a relação é extensa…

Mardones

Chama a Kátia Alves ou a Gleisi Hoffmann.

Os adoradores do atraso no Brasil têm bancadas poderosas e cofres cheios: banqueiros, religiosos e ruralistas. Assim não tem país que avance.

Marco Piva

Luiz Carlos Meirelles admite que a Anvisa não tem estrutura suficiente para avaliar com qualidade e eficiência o impacto dos chamados agrotóxicos no cotidiano dos brasileiros. Daí se pode concluir que tampouco tem condições de garantir 100% que um produto deva ser banido do mercado. Diz que, no caso do metamidofós, houve pressão por parte da “empresa”, que teria feito lobby pela permanência do produto no mercado. Passado um tempo, a própria “empresa” teria abandonado a causa. Seria bom dizer a verdade por inteiro. Essa “empresa” tem nome. Chama-se Bayer e sempre teve no metamidofós um produto importante enquanto era patente. Depois que o produto virou genérico, os preços baixaram e outras empresas entraram no negócio (muitas delas brasileiras), o produto deixou de ser interessante. A multinacional decidiu então substituir o metamidofos pelos neonicotinóides, que acaba de ser proibido na Comunidade Europeia, mas que foi aprovado pela Anvisa no Brasil na condição de patente. Custa cinco vezes mais que o metamidofós e tem 50% menos de efeito nos combates a pragas que antes estavam extintas e agora estão voltando às lavouras. Resultado: alimentos mais caros e impacto na inflação. Qual foi a jogada? Garantir maior rentabilidade aos acionistas e destruir o pouco que restava de indústrias brasileiras no setor. Precisa desenhar?

    Icaro

    Caro leitor, creio que lhe falta senso de leitura. Ele não disse que as análises estavam erradas por falta de estrutura. Falta estrutura pra fazer análise dos inúmeros processos. E como você mesmo sabe, vários desses produtos já estavam proibidos na Europa, China e até na África! Veja vem até na África.
    E no Brasil são permitidos. Pra alguém com o mínimo de inteligência e Decência, já bastaria saber que se é proibido na Europa, porque deveríamos ter aqui. Mas, pelo seu papo, pouco lhe importa os consumidores. FODAM-SE! O que lhe importa é o lucro fácil, sem muito trabalho. Se alguém morre ou sofre DANA-SE.

Julio Silveira

Neste nosso país, onde vivemos em um deserto de interesses pró cidadania, nada disso me surpreende. Talvez por isso os yankes achem tão tranquilo e natural nos espionarem a todos. Aqui aprendemos desde cedo que o dinheiro compra tudo, os fracos de caráter difundem essa cultura e eles são muitos, e vão se multiplicando culturalmente numa progressão maligna para qualquer país. Por isso, até em inconfidências publicas já assumem que nos consideram seu quintal. Me indigna saber que tem gente aqui neste país que trabalha para que sejamos uma cidadania de segunda classe.

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