Coronel assessor de Bolsonaro diz à PF ser ‘leva e traz’ do blogueiro do ódio Allan dos Santos ao presidente

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O presidente Bolsonaro com o tenente-coronel Mauro Cesar Barbosa Cid e Allan Santos. Fotos: PR/reprodução

Coronel Cid: assessor de Bolsonaro diz ser ‘leva e traz’ de Allan dos Santos ao presidente

Em depoimento à PF, ajudante que atua ao lado Tercio Arnaud no gabinete do presidente afirmou ser interlocutor do dono do canal Terça Livre

Por Patrik Camporez, Breno Pires e Rafael Moraes Moura, O Estado de S.Paulo

Mesmo com o avanço das investigações no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a engrenagem de ataques a instituições democráticas, os blogueiros que difundem o discurso do “gabinete do ódio” continuam arregimentando seguidores.

A fidelização do público desses canais na mira da Polícia Federal aumentou justamente no período de maior tensão política no País, com as manifestações pró-intervenção militar e contra o STF e o Congresso no primeiro semestre.

Os blogueiros atuam em consonância com auxiliares diretos do presidente Jair Bolsonaro e contam, até mesmo, com um “leva e traz“ para atender suas demandas.

Levantamento do Estadão identificou que onze canais no YouTube sob investigação, por suspeita de propagar atos antidemocráticos com o objetivo de auferir lucros, cresceram 27% no número de inscritos, de 6,7 milhões para 8,5 milhões, entre 1º de março e 30 de junho.

Foi nesse período que se concentraram as manifestações contra o Supremo e a favor de uma intervenção militar — parte delas com a presença e o discurso belicoso de Bolsonaro.

Nessa época, pipocaram nas redes sociais muitos vídeos com títulos apelativos. Nessa lista estavam “Bolsonaro rebate conspiradores”, “Bolsonaro dá ultimato para sabotadores e intromissões”, “Bolsonaro invade STF”, “A Força de Bolsonaro é maior que Congresso e STF”, “Bolsonaro e Forças Armadas fechados em um acordo para o Brasil” e “STF decidiu eliminar Bolsonaro”, como registrou a Procuradoria-Geral da República (PGR).

“Com o objetivo de lucrar, estes canais, que alcançam um universo de milhões de pessoas, potencializam ao máximo a retórica da distinção amigo-inimigo, dando impulso, assim, a insurgências que acabam efetivamente se materializando na vida real, e alimentando novamente toda a cadeia de mensagens e obtenção de recursos financeiros”, disse o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques, em manifestação ao STF.

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Depois que os atos antidemocráticos arrefeceram, os canais cresceram apenas 6%, de julho até o fim de novembro.

O período coincide com um tom mais cauteloso por parte do presidente. Apesar da diminuição dos episódios de ataques a instituições, os canais que orbitam em torno da figura de Bolsonaro se “institucionalizam” como uma rede de veículos de mídia que o exaltam.

O inquérito sigiloso de mais de 1,1 mil páginas revela os elos e a convivência harmoniosa da Secretaria de Comunicação da Presidência com os youtubers do “gabinete do ódio”. Trabalhando junto ao gabinete de Bolsonaro, o assessor especial Tércio Arnaud Tomaz e o Coronel Mauro Cesar Barbosa Cid, ajudante de ordens do presidente, são os interlocutores do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos dentro do Palácio do Planalto.

Cid admitiu que, como “mensageiro” de Bolsonaro, leva e traz recados de Allan para o presidente. Dono do Canal Terça Livre, Allan atua como uma espécie de representante das demandas dos demais canais. Para aumentar a audiência e a monetização das franquias, os empresários do YouTube reivindicavam maior acesso aos “bastidores do poder” e ao próprio presidente.

Em um grupo de Whatsapp criado por Allan, Tércio e Coronel Cid, além de políticos bolsonaristas, combinavam reuniões na casa do blogueiro, em área nobre de Brasília, para tratar dos temas de seus interesses.

As franquias do “gabinete do ódio” contam com acesso livre em áreas da Presidência que são restritas à imprensa tradicional. De lá podem gravar vídeos exclusivos e de grande apelo ao eleitor bolsonarista. Um vídeo do Foco do Brasil, transmitido de dentro do Palácio da Alvorada, com Bolsonaro falando da possível prorrogação do auxílio emergencial, somou 253 mil visualizações nos últimos dias. O acesso ao local é restrito a apoiadores.

Os youtubers militantes carregam credenciais de imprensa, mesmo admitindo, em depoimentos, que atuam com o objetivo de promover a imagem do presidente. Bolsonaro também aparece em fotos informais ao lado dos donos desses canais, que ostentam proximidade com ele nas vinhetas dos programas e, dessa forma, conseguem arregimentar mais seguidores, visualizações e, consequentemente, maior monetização.

“Gengis House”: o grupo de WhatsApp de Allan dos Santos

Nos depoimentos, parlamentares bolsonaristas admitiram participação em reuniões na casa de Allan dos Santos e no grupo de WhatsApp chamado “Gengis House”, criado pelo blogueiro para organizar esses encontros. Paulo Eduardo Martins (PSC), por exemplo, disse que o espaço servia para abordar “temas políticos, de comunicação, além de acontecimentos e assuntos de interesses gerais que tinham repercussão”.

Responsável pela “execução da agenda oficial e privada do Presidente da República, bem como pelo atendimento de suas necessidades diretas e imediatas”, o ajudante de ordens Cid, por sua vez, disse em depoimento à PF que, na sua função, é comum intermediar contato de terceiros com o Presidente da República, já que as pessoas reconhecem sua função como sendo a “de um mensageiro”.

Para o ajudante, trata-se de uma via de “mão dupla”, ou seja, ele também repassa mensagens a outras pessoas a mando de Bolsonaro.

À PF, no entanto, Cid afirmou que não produz qualquer relatório desses contatos, diante da “dinâmica da sua função” e “da grande quantidade de demanda de mensagens, não é viável a confecção de relatório ou documento similar”. Dessa forma, os investigadores não teriam como saber detalhes das conversas e contatos intermediados pelo mensageiro.

A troca de mensagens entre o coronel e o blogueiro é frequente, segundo a interceptação da PF. No dia 6 de maio, por exemplo, Allan cita decisões do STF que intimam ministros militares a depor (sobre a acusação de interferência de Bolsonaro na PF) e afirma: “Não dá mais…”. Cid respondeu: “Ta difícil”. À PF, o mensageiro justificou que foi uma manifestação pessoal sobre a forma como os generais foram intimados, pois, segundo ele, o fato causou um desconforto no meio militar.

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