Cátia Guimarães: 20 anos depois, imprensa ainda é braço da ditadura
Tempo de leitura: 6 minLembram-se do caso de Carla Hirt? Esta foto, onde ela não aparece — nem o marido — saiu em O Globo. Leiam a legenda. O casal, segundo o jornal, participou de quebra-quebra no Leblon, do qual Carla e o marido não participaram. Ela foi denunciada por “formação de quadrilha” com desconhecidos. Depois de O Globo fazer escândalo, o caso foi arquivado.
PRISÕES NO RIO DE JANEIRO
Imprensa renova instrumentos da ditadura
Por Cátia Guimarães* em 15/07/2014 na edição 807, Observatório da Imprensa
Passaram-se mais de 20 anos, mas a grande imprensa brasileira não desaprendeu o seu papel como braço da ditadura. Os personagens são outros, mas aqueles velhos instrumentos que ajudam a explicar por que se fere a democracia em nome da própria democracia estiveram sempre guardados e continuam afiados, exatamente como em 1964. Não há maior evidência disso do que a cobertura que os grandes jornais fizeram das prisões de manifestantes efetuadas no último dia 12/7, véspera da final da Copa do Mundo no Brasil.
Numa ação orquestrada entre executivo e judiciário, foram expedidos 26 mandados de prisão temporária preventiva contra cidadãos que não cometeram nenhum crime, além de, em algum momento, uns mais, outros menos, terem participado de manifestações nas ruas.
Sustentando a acusação de formação de quadrilha, a polícia civil não teve nenhuma vergonha em declarar que o motivo das prisões foi evitar que eles cometessem crimes que se supunha que cometeriam. Mas o que é pior: veículos de comunicação e profissionais que julgam fazer jornalismo também não tiveram a mínima vergonha de repetir, de forma naturalizada, não só esse argumento como coisa muito pior.
O principal artifício ressuscitado dos tempos da ditadura escancarada foi a criação de um inimigo público, aquele cujo perigo justifica toda e qualquer violência e arbitrariedade. Houve muitos durante o regime empresarial-militar. Mas o mais novo inimigo público inventado pelo regime empresarial-falsamente democrático chama-se Elisa Quadros e atende pelo apelido de Sininho.
Não por acaso, a chamada de quase todos os grandes jornais não informava a prisão de dezenas de manifestantes, destacando apenas a situação dessa personagem renascida dos porões da ditadura. “Sininho é presa por formação de quadrilha”, diz a capa do Globo de domingo, 13/7. O “resto” aparece embaixo, em letras menores, como uma rápida referência a “outras 18 pessoas”.
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E isso basta, principalmente porque, também como na ditadura explícita, a imagem do inimigo público está sempre acompanhada da vítima a ele atribuída, direta ou indiretamente. Nesse caso, a vítima (real, mas de outros algozes, e não me refiro aos que foram presos por este crime), instrumentalizada como carniça de urubu, é Santiago Andrade, o cinegrafista da Rede Bandeirantes que foi morto por um morteiro em uma manifestação.
Aos fatos
Não importa que nem a inimiga pública de agora nem nenhum dos outros presos tenha relação com a morte: no imaginário cuidadosamente construído, os estereótipos dão conta das relações que a realidade insiste em negar. Foi por isso que o Globo, além do nome e da foto da inimiga pública da vez, tratou de providenciar uma coluna de “memória” intitulada “Onda de violência acabou em morte”, que lembra exatamente o caso do cinegrafista.
Com isso, todo o resto – toda a falta de informação, todas as falsas evidências, todos os argumentos absurdos, toda a vergonha alheia que a entrevista coletiva da cúpula da polícia civil no Rio provocou – pode ser jogado para debaixo do tapete.
Trata-se de uma postura consciente por parte do jornal, passiva e conivente por parte dos jornalistas que aceitam ser seus cúmplices, e muito eficaz no papel ideológico que desempenha junto à massa de leitores ou telespectadores. Junto com o inimigo público, vão-se outras dezenas de vidas, vai-se o respeito às leis, vai-se a máscara do Estado de direito.
Se estivesse vivo, talvez Roberto Marinho repetisse os termos do seu editorial de 1984, deixando “clara a sua crença de que a intervenção fora imprescindível para a manutenção da democracia e, depois, para conter a irrupção da guerrilha urbana”, nome genérico usado, naquele tempo e ainda hoje, para designar o estranho fenômeno do povo ocupando as ruas.
Sejamos claros: um jornalista que não só aceita como passa adiante a informação de que a polícia encontrou provas “robustas e consistentes” de que os prisioneiros cometeriam ações violentas na final da Copa, sem confrontar os adjetivos com as evidências materiais, não vale o diploma nem o crachá que exibe, seja ele qual for.
Seria cômico, se não se estivesse falando de vidas privadas de liberdade, ver um jornal como O Dia reproduzir, no melhor estilo de narrativa policial, que “os investigadores apreenderammáscaras de proteção contra gás, joelheiras, um pouco de gasolina dentro de uma garrafa plástica, maconha, jornais e uma bandeira do Movimento Estudantil Popular Revolucionário (MEPR)”.
Seria incompetência, se não fosse desonestidade, ver um jornal como o Globo escolher, dessa lista no mínimo constrangedora, os itens que, por exporem um pouco menos o ridículo da situação, mereceriam destaque nas suas páginas.
Assim, sobraram as “máscaras de gás e explosivos, além de computadores e celulares”. Computadores e celulares, como todo mundo sabe, são armas perigosíssimas. Máscaras que protegem os olhos dos efeitos do gás lacrimogêneo para uso em manifestações acompanhadas por uma polícia como a do Rio de Janeiro também são uma descoberta típica das séries de detetives norte-americanas.
Sobre o explosivo, esse foi o nome genérico oportunamente encontrado para descrever uma garrafa com gasolina, encontrada não numa mochila no meio da rua ou de uma manifestação, mas dentro de uma residência. Nenhum jornal esqueceu de mencionar que as prisões em flagrante foram por “arma” (ou revólver, dependendo do gosto do jornalista) e “drogas”.
Pois bem: como foi amplamente divulgado por veículos que se disseminam nas redes sociais – aqueles que os jornalistas da grande imprensa costumam tratar como não-jornalísticos –, a arma foi encontrada em uma das casas e era do pai do menor em nome de quem estava expedido um dos mandados.
Sua licença – porte de arma – estava vencida, o que pode gerar outro processo e outra matéria, mas não tem nenhuma relação com a prisão que os policiais foram fazer naquela casa. Por fim, as “drogas” encontradas foram um cigarro de maconha que, como se sabe, pelas propriedades cientificamente conhecidas, deve tornar os manifestantes ainda muito mais violentos. Curiosamente, os jornais esqueceram essa parte da história.
A imprensa alternativa que ocupa as redes sociais denunciou desde muito cedo, advogados e políticos se pronunciaram, instituições importantes e reconhecidas da tão aclamada democracia, como a OAB, emitiram notas que ganharam espaço no pé das matérias, apresentadas como manifestação de “repúdio” às prisões, num mero registro protocolar do “outro lado” jornalístico.
A referência ao objetivo evidente de desmobilizar os protestos do dia seguinte – cujo grau insano de repressão e violência só chegou às páginas da grande imprensa porque alguns de seus jornalistas foram atingidos – foi citada de escanteio, como a “opinião” de alguns, nunca como insumo para se questionarem as fontes oficiais.
Nenhum jornalista ousou fazer (ou nenhum jornal ousou publicar) o mínimo que se espera de um profissional da informação, que é usar os conhecimentos jurídicos dessas instituições e seus atores para questionar a legalidade e o fundamento da operação policial e os mandados de prisão.
Ninguém investigou e explicou a real funcionalidade e pertinência jurídica de uma prisão temporária de caráter preventivo; ninguém comparou a precaução da polícia e da justiça nessa situação com a oposta complacência mostrada, dias antes, quando um alvará de soltura expedido no meio da madrugada fez do executivo da empresa ligada à Fifa – cidadão inglês, sem domicílio fixo no país e preso com provas muito mais “robustas e consistentes” de formação de uma quadrilha de cambistas – um foragido.
Um consenso em torno da coerção necessária
É cada vez mais concreto o quanto essa noção abstrata de democracia e o seu correspondente Estado de direito são dois elementos circulares de uma farsa produzida para manter ou estabilizar as relações de dominação.
Em nome da democracia e do Estado de direito, vale tudo, até ferir a democracia e o Estado de direito, desde que se faça isso através de instituições como a polícia, o judiciário e a imprensa, que compõem o Estado de direito garantidor da democracia.
Há muito que a tradição marxista sabe que a forma assumida pelo Estado – democracia, ditadura, monarquia… – representa variações coerentes com a correlação de forças e o grau de hegemonia vigente em cada local, em cada contexto histórico, mas que, em todas essas situações, a função do Estado é garantir, com as armas que estiverem disponíveis, os interesses da classe dominante.
Por isso, no capitalismo, a combinação de mecanismos de cooptação e consenso nos regimes ditatoriais com mecanismos de violência e coerção nos contextos democráticos é e sempre será parte do jogo.
Isso se expressa de forma muito direta na grande imprensa que é, também, instrumento da democracia burguesa. Por isso, ela pode pluralizar seus públicos, diversificar os colunistas, usar de vez em quando uma imagem produzida por midiativistas, denunciar um senhor aqui, ajudar a prender um policial violento acolá.
Pode até escrever e ler em voz alta um belo editorial de mea culpa, lamentando seu apoio à ditadura encerrada. Mas sempre que for preciso, ela vai afiar as ferramentas, espalhar a poeira, tirar a ferrugem e usar todas as armas de que dispuser para, em nome da democracia, legitimar um consenso em torno da coerção necessária. Está no seu DNA.
*Cátia Guimarães é jornalista
Para quem quiser uma leitura acadêmica da capa dos jornais do Rio, a sugestão a seguir é da Conceição Oliveira, aqui.
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Comentários
Cláudio
****:D:D . . . . ‘Tá chegando o Dia D: Dia De votar bem, para o Brasil continuar mudando!!!! ****:L:L:D:D ****:D:D . . . . Vote consciente e de forma unitária para o seu/nosso partido ter mais força política, com maioria segura. . . . . ****:L:L:D:D . . . . Lei de Mídias Já!!!! ****:L:L:D:D ****:D:D … “Com o tempo, uma imprensa [mídia] cínica, mercenária, demagógica e corruta formará um público tão vil como ela mesma” *** * Joseph Pulitzer. ****:D:D … … “Se você não for cuidadoso(a), os jornais [mídias] farão você odiar as pessoas que estão sendo oprimidas, e amar as pessoas que estão oprimindo” *** * Malcolm X. … … … Ley de Medios Já ! ! ! . . . … … … …:L:L:D:D
FrancoAtirador
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A RAPINA FINANCEIRA CONTINUA
Os Abutres e Tubarões rondam
a Integração Produtiva Regional
e atacam qualquer País Indefeso.
Por José Félix Rivas Alvarado, na Carta Maior
(http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia/Abutres-e-tubaroes-rondam-a-integracao-financeiro-produtiva-regional/7/31422)
http://imgur.com/BgkECg4
i.imgur.com/BgkECg4.jpg
Edgar Rocha
Parem de prender manifestantes que lutam contra tudo que está aí, que eles param de falar que a polícia é resquício da ditadura. Querem mostrar poder, senhores otoridades, vão pra periferia matar preto, bem longe da manifestações! Vocês não têm o que fazer, caramba?! Tem eleição este ano. Vão fazer média com a cara do trabalhador: fazer batidas, pegar uns manés, botar terror no zé-povinho, pra todo mundo achar que vocês trabalham em favor do povo! Deixa a militância fazer suas manifestações ali no centro, poxa! Não sabem que pega mal demonstrar truculência contra filho da classe média?! Voltem pra periferia e fiquem na de vocês que a gente para de falar mal da polícia, ok? Tamos combinados! Até a próxima eleição!
Isidoro Guedes
Infelizmente o compromisso de nossa imprensa (mercadista e de direita) com a democracia é zero.
pimenta
Sininho não é Che Guevara, é a Sheherazade esquerdóide. E a direita gosta.
Autor: Fernando Brito
“Num país que ostenta incríveis níveis de pobreza, onde os direitos da população são frequentemente esquecidos e que sofre de uma politicagem endêmica, a atitude dos depredadores é até compreensível”.
A frase acima, há de concordar o estimado leitor e a arguta leitora, é absolutamente compatível com o que diria qualquer “blackbloquista”, destes que admitem como legítimo o exercício da violência em manifestações, antes ditas populares e agora restritas a quantidades dignas de seitas.
Esta frase, no entanto, é apenas uma versão que fiz da declaração da apresentadora Rachel Sheherazade, ao defender o bárbaro espancamento de um rapaz negro por um grupo dejovens imbecis no Flamengo, tempos atrás.
Disse ela, ipsis literis:
“Num país que ostenta incríveis 26 assassinatos a cada 100 mil habitantes, arquiva mais de 80% de inquéritos de homicídio e sofre de violência endêmica, a atitude dos ‘vingadores’ é até compreensível”.
Assim como não defendo o vandalismo, nem o linchamento de ninguém, muito menos de Sininho ou Sheherazade, porque não sou um imbecil justiceiro, também não concordo com o movimento de “vitimização” de pessoas sobre as quais há fortes indícios que tenha planejado atos que vão além de qualquer “tática de autofesa”, como preparar coquetéis molotov ou levar galões de gasolina para pretender incendiar próprios públicos.
Elisa Quadros e Sheherazade, uma em cada hemisfério, são adeptas do exercício arbitrário das próprias razões, que acreditam legítimas.
Já levei algumas borrachadas de PM e funguei com gás lacrimogênio, o suficiente para não gostar absolutamente nada dos que, em minha juventude, chamávamos de “samangos”. A princípio, claro, na militância já os despersonalizamos para um genérico “repressão”.
E, perdoem-se as senhoras da sala, polícia é foda, desde que o mundo é mundo.
A diferença é que hoje, a regra é poder se manifestar-se . Os abusos, brutalidades e selvageria policiais, diante de manifestações pacíficas seriam, agora, o que estaríamos discutindo se e como punir.
Mas, não.
Estamos discutindo os “musos e musas” de manifestações que, por interesses políticos – e por conta, também, de tal selvageria policial – foram, a princípio, glamourizados pela mídia.
Caetano ganhou capa de jornal com máscara preta.
Boechat defendeu os quebra-quebras.
Jabor os saudou como mais que os “carapintadas”.
Agora, os garotos e nem tão garotos, abandonados pelo sistema conservador que os viu como ferramenta de desestabilização do governo -muito mais como porta-vozes de anseios por educação, saúde, dignidade que não deram ao povo em seu secular domínio do Brasil – estão aí, largados ao chão como laranja espremida, da qual não pode ser tirado mais caldo algum e que, portanto, merecem ser lixo.
Pessoas não são lixo, não importa o que tenham feito.
Seja o garoto que roubou um cordão ou a mocinha que planejou um pueril e irresponsável incêndio.
Como também não são heróis, nem ele da distribuição da riqueza, nem ela com a fogueira “revolucionária”.
Houve uma confusão imensa entre direito de manifestação e direito de provocação e quem saiu cambeta disso foi a liberdade de as pessoas se expressarem.
Hoje, para o bem e para o mal, manifestação tem de ser feita em meio a cordões policiais.
O que, ainda que fossem todos frades capuchinhos – e estão a léguas disso – já é um constrangimento e um elemento de afastamento das pessoas.
Mas têm de estar ali, porque já se adotou como norma que, numa manifestação qualquer, meia-dúzia tem o direito de quebrar, vandalizar, incendiar.
Como escreveu um amigo: “os caras fazem bombas, quebram lojas, bancos, orelhões, pontos de ônibus – que são usados por trabalhadores para ir e voltar do trabalho todo dia! – e aí quando a força policial vai contra eles isso é perseguição política?”
A esquerda não é isso.
Sobretudo porque, divergindo de um governo social-democrata “manso e silente”, como tantas vezes nos irrita que este seja, jamais serve de combustível à máquina de propaganda de uma direita que os insuflou e que, agora, ainda tenta tratá-los como criminosos de alta periculosidade, o que não são.
São brotos tortos e deformados do lodo político a que vem sendo levado este país, lama formada por uma política que apodreceu.
O conservadorismo reage como fera às mudanças que isso precisa sofrer, numa reforma que não é possível acontecer dentro das estruturas parlamentares convencionais, parte da podridão.
Só um movimento extraordinário – mas dentro da regra suprema da democracia, o voto – pode fazê-la.
Mas não há nada que deixe mais histérica a direita do que a ideia de uma constituinte exclusiva para reforma política e de um plebiscito para legitimá-la.
Porque isso, ao contrário das vidraças quebradas e dos “ativistas queimados” é que muda a vida brasileira.
Quanto aos meninos, meninas e aos nem tanto assim, não precisam de solidariedade política, porque esta não merecem, pelo mal que fizeram ao direito político de livre manifestação.
Precisam de um julgamento justo, sem manipulações ou situações forjadas e, se culpados, de penas que não os brutalizem.
Porque, do contrário, seremos como a Sininho ou a Sheherazade, donos absolutos e intransigentes de verdades inquestionáveis e mais preocupados em linchar os divergentes do que em consertar e avançar coletivamente.
Quando um país deixa de olhar o futuro e de discutir como chegar a ele e passa a viver exclusivamente da manchete do jornal de hoje, perde o rumo como quem anda de bicicleta olhando para o chão apenas.
E quando um país perde o rumo, é parte de sua juventude, que ainda não conhece tanto as pedras do caminho, a primeira a bater com a cabeça.
Carlos
é tanto petista entrando na onda do PiG, ajudando no assassinato de reputações que tanto criticaram no passado… triste.
marcio ramos
… o humano tem um talento enorme para ser escravo do sistema e se deixar levar por estas e outras. Vou pagar conta de luz atrasada por que senão eu nao vejo a Record e ai de quem reclamar, vai pra cadeia neném…
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