Rachaduras na Torre de Marfim
por Andrea Gorenstein, especial para o Viomundo
A alta moda tem códigos muito particulares. Por se distinguir tanto dos demais segmentos de consumo de vestimentas, fashionistas gostam de chamá-lo de “mundinho”, uma realidade paralela em que os padrões e pudores tradicionais são deixados à porta.
Fora do “mundinho”, a publicidade que abusa da objetificação da mulher e apela ao corpo feminino para alavancar vendas costuma se distribuir no nicho dos produtos populares, voltados ao público masculino — como reinava a tradição no segmento de cervejas.
Nos últimos anos, o ruído contra o abuso do corpo feminino se tornou tão persistente, que mesmo empresas cujo marketing só inovava em revelar novas donas de nádegas e seios, cederam.
Neste verão, mesmo a Skol capitulou, assinalando que suas campanhas antigas não mais a representavam.
Mas, se o barulho contra a publicidade misógina atinge marcas populares, mesmo não parecia acontecer no “mundinho”, em que campanhas muito bem embaladas esteticamente vendiam fantasias de estupro ou a glamurização do consumo de drogas com assustadora naturalidade.
O público feminino consumia as imagens que estetizavam o aspecto pré-pubescente, anoréxico e hipersexualizado das modelos com absoluta naturalidade.
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E o mercado de alto luxo informava as campanhas de todo o segmento de vestuário, uma das maiores indústrias do planeta.
Uma recente campanha francesa da maison Saint Laurent parece prenunciar o fim da do caráter intocável do segmento de alto luxo: fotos impecáveis de jovens mulheres de aspecto anoréxico em posições de hipersexualização ou submissão humilhante foram alvos de ataque por toda a cidade de Paris, de condenação pela Ministra dos Direitos das Mulheres e ganharam hashtag própria nas redes sociais.
Um muro de separação do mundinho foi seriamente fissurado.
O requinte fotográfico não protegeu a campanha da chuva de críticas: mais de 200 pessoas denunciaram a campanha como degradante para as mulheres, à autoridade de regulamentação publicitária francesa.
Um dos segredos do segmento de luxo feminino é que as maisons produzem alta costura, deficitariamente, para lucrar com a venda de perfumes, bolsas e sapatos, que possuem etiquetas mais acessíveis.
É por isso que o barulho vindo de quem não consome alta-costura assusta.
Os círculos acadêmicos feministas sempre condenaram a representação da mulher na indústria de luxo, por ser exclusivista, limitadora e pouquíssimo representativa.
Desta feita, em vez dos habituais narizes torcidos, cartazes amanheceram pichados por toda a cidade e soaram como um alarme que prenuncie, talvez, o fim de uma era.
A publicidade foi julgada e condenada a ser retirada de circulação.
Na sexta-feira passada, os anúncios saíram de cartaz.
São pequenos, mas seguros sinais de que o mundo real começa a se infiltrar pelas rachaduras no mundinho da moda.
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Comentários
RONALD
Essa turma do mainstream tenta impingir seus comportamentos bizarros, sexistas e trissextos. Aí, vem o público diz basta. Eles dão uma recuada, mas logo vem de novo, tentando implantar suas misérias e aberrações.
Vamos sabotar esses produtos e marcas !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
a.ali
As “placas tectônicas” começam a se mexer!
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