André Oliveira: Fundação ou Instituto Butantan? Públicos ou privados? Relações nebulosas camuflam realidade e orçamento bilionário

Tempo de leitura: 4 min

Por André Oliveira, especial para o Viomundo

Na quarta-feira da semana passada, 15/02, o Conselho Curador da Fundação Butantan elegeu o seu novo diretor-executivo.

O escolhido foi Saulo Nacif, que não tem qualquer ligação com a área de saúde, como se esperaria.

Nacif é engenheiro mecânico-aeronáutico e consultor de gerenciamento estratégico e executivo de grandes multinacionais.

A repercussão na mídia foi pequena, como se o assunto fosse irrelevante.

A Folha de S. Paulo e o portal g1 noticiaram a eleição.

O site Metrópoles também. Porém, pela ilustração usada (esta abaixo) passa a ideia de que Instituto Butantan e Fundação Butantan são a mesma coisa, como se fossem sinônimos. Só que não são.

Embora fiquem na mesma área, tenham nomes parecidos e papéis que se interconectam, Instituto e Fundação são instituições distintas.

Para começar, o Instituto Butantan é público. Já a Fundação Butantan, privada. 

Apoie o VIOMUNDO

O Instituto Butantan é uma instituição centenária de pesquisa vinculada ao governo do estado de São Paulo.

Na próxima quinta-feira, 23/02, completa 122 anos.

Nele trabalham cerca de 400 funcionários públicos concursados, dos quais cerca de 100 são pesquisadores científicos.

Por lei, a eles cabe coordenar e executar pesquisas.

O Instituto Butantan tem um orçamento anual de cerca de R$100 milhões, consumidos principalmente com o pagamento de salários.

Já a Fundação Butantan tem natureza privada, como já disse, e existe há apenas 34 anos.

Em 1989, um grupo de funcionários do Instituto Butantan constituíram-na para apoiar pesquisas.

Inicialmente, contava com pequeno orçamento para pagar umas poucas bolsas de estudo de alunos e comprar materiais de pesquisa.

Mas, em determinado momento, a Fundação Butantan passou a ser utilizada para receber os recursos provenientes da venda de vacinas e soros para o Ministério da Saúde e que antes iam para o caixa do governo estadual paulista.

A justificativa é que pretendiam dar agilidade à produção de soros e vacinas, facilitando a aquisição de insumos e contratação de mão de obra.

Disseram também que deveria apoiar o Instituto Butantan e as pesquisas ali realizadas.

Com a expansão da produção de vacinas, os recursos que passaram a ingressar no caixa da Fundação foram aumentando a cada ano, atingindo a casa de centenas de milhões de reais.

O relatório anual da Fundação Butantan mostra que, em 2021, houve um superávit de R$ 2,578 bilhões.

Tudo isso graças aos recursos provenientes do governo federal — que é o principal financiador da Fundação Butantan.

Esses recursos têm como origem o Ministério da Saúde e o SUS,  e estão em poder de uma fundação privada.

O número de empregados da Fundação Butantan saltou de 1.345, em 2017, para 2.828, em 2021.

Para cada funcionário público do Instituto Butantan, há sete empregados pela Fundação.

Para complicar mais a situação já bastante confusa,  a sede da Fundação Butantan fica na rua Alvarenga, nº1.396, uma casa próxima ao Instituto Butantan.

Utilizando o GoogleEarth, é possível ver a entrada da casa e, utilizando suas ferramentas, calcular a área do imóvel:  cerca de 600 m2.

A Fundação Butantan, relembro, tem quase 2.900 funcionários.

Onde, então, eles trabalham?!

A grande maioria no mesmo espaço do Instituto Butantan, que é uma instituição pública.

E como não há mágica espacial, os funcionários públicos do Instituto Butantan acabam levando a pior. São obrigados a ceder seus locais de trabalho aos empregados da Fundação Butantan.

Essa situação é flagrante no prédio da administração, que costuma aparecer em reportagens.

Trata-se de uma edificação nova construída no terreno do antigo “Paço das Artes” da USP.

É onde ficam atualmente as diretorias do Instituto Butantan e da Fundação Butantan.

É também o prédio onde foram realizadas algumas das famosas coletivas do Comitê de Crise da Covid durante o governo Doria. Embora o espaço seja público, a grande maioria dos trabalhadores  é Fundação Butantan.

É preocupante que essa mesma Fundação Butantan tenha um histórico recente nebuloso, com uma sequência de crises.

Entre 2005-2008, houve o desvio de mais de R$ 30 milhões.

Em 2017, o então presidente da Fundação, André Franco Montoro Filho, denunciou irregularidades e se demitiu (aqui e aqui).

As denúncias mais recentes sobre a Fundação Butantan são de 2022.

Referem-se a contratos supostamente irregulares, salários altos e obras caras e desnecessárias (aqui), passando por inquérito sobre desmatamento de área de preservação permanente (aqui).

Desde a sua criação, em 1901, o Instituto Butantan desenvolve atividades de saúde pública relevantes e de interesse nacional.

Durante a pandemia teve papel fundamental no combate à covid-19 e na preservação de vidas.

Tem importância científica e estratégica nas políticas de saúde pública e imunobiológicos. Pode, inclusive, contribuir para diminuir a dependência nacional de imunobiológicos estrangeiros.

Em outras palavras: o Instituto, com seu mirrado orçamento, é que faz as pesquisas que dão fama ao Butantan, e não a Fundação, que tem  superavit bilionário.  A Fundação é só de apoio.

Considerando o grande volume de recursos que a Fundação Butantan recebe do Governo Federal e as crises recorrentes envolvendo dinheiro, algumas medidas são fundamentais, entre as quais estas:

*transparência de todos os atos administrativos da Fundação Butantan;

*revisão de contratos pelo Governo Federal, já que é principal financiador da Fundação;

*acompanhamento mais próximo pelo poder público e pela sociedade civil de suas atividades e decisões;

*maior participação da comunidade científica e da sociedade civil nas decisões da Fundação Butantan, incluindo a escolha de seus dirigentes.

Leia também:

Cimi rechaça 3 senadores na comissão para acompanhar os Yanomami: ‘Têm envolvimento explícito na defesa do garimpo dentro da TI; escárnio’

Milly Lacombe: Ecos da tragédia no litoral norte de SP e a liberdade de cobrar R$ 93 por um galão de água

Apoie o VIOMUNDO


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

abelardo

Governos Municipais, Estaduais e Federais poderiam fazer uma rígida varredura em todas as Fundações Públicas e também na parte que lhes cabem e lhes dizem respeito nas parcerias que fazem com as Fundações Privadas.
Agindo assim, muitos dirigentes evitariam transtorno, processos, condenações e prisões.

José Ferreira

O nosso governador Tarcísio deveria conhecer esses detalhes, onde anda os acessores dele?
Precisamos entrar em ação.

abelardo

Sendo assim, os nomes corretos que poderiam representar esta Fundação, que nos faz de Tantãs, poderiam ser:
Fundação Picaretagem
Fundação Usurpadora
Fundação me engana e eu não gosto
Fundação Afunda Governos
Fundação Traíra
Fundação dos Rentistas
Fundação Vale Tudo
Fundação Este Brazil É Uma Beleza
Fundação Brasil Otário

Deixe seu comentário

Leia também