Saúde mental: Revogaço do Ministério da Saúde ameaça milhares de pessoas que cruzaram o inferno e ousaram desejar a vida que pulsa mais forte; vídeos
Tempo de leitura: 3 minPor Conceição Lemes
Nessa semana, o Ministério da Saúde apresentou ao Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) um conjunto de “propostas” em relação às políticas de Saúde Mental.
Na verdade, um revogaço de cerca de 100 portarias, editadas sobre saúde mental, de 1991 a 2014.
Para quem não é da área, pode parecer à primeira vista que seria mera eliminação de portarias “antigas”, velhas”, visando à “modernização”.
Puro engano.
“Nada mais velho, retrógrado e antidemocrático que a revogação dessas portarias!”, alerta o médico psiquiatra Roberto Tykanori, ex-coordenador de Saúde Mental do Ministério da Saúde e professor adjunto da Unifesp/Baixada Santista.
“Essas portarias foram instituídas em décadas de discussão entre secretários de saúde, quatro conferências nacionais de saúde mental, com a participação de milhares de delegados”, explica.
“Essa construção consensual formou as bases de uma política de saúde mental que respeita a dignidade e os direitos humanos e a liberdade de ir e vir”, observa.
O revogaço ameaça programas como De Volta para Casa e o Serviço Residencial Terapêutico, que visam a reabilitar psicossocialmente pacientes submetidos a longas internações psiquiátricas.
“Imediatamente milhares de pessoas em serviços residenciais ficarão sem definição, o que farão os municípios?”, preocupa-se o médico psiquiatra Roberto Tykanori.
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A propósito. Os depoimentos de Ana Venâncio, Antônio Gonçalves e Altair Pinheiro, apresentados websérie Retratos da Reforma Psiquiátrica Brasileira”, comprovam a violência absurda da segregação e dos atos agressivos promovidos nos hospitais psiquiátricos, afirmam os seus autores.
“São histórias reveladoras da humanidade que a Reforma Psiquiátrica apostou e construiu no Brasil”, atentam os responsáveis pela websérie lançada nessa semana.
Uma produção do Núcleo de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas da Fiocruz Brasília (Nusmad).
No topo, os depoimentos emocionantes de Ana Venâncio, Antônio Gonçalves e Altair Pinheiro na websérie
Ana Venâncio, 56 anos, é paulista.
Teve a primeira internação aos 18 anos de idade.
Ao todo, foram 25 anos de internações em instituições psiquiátricas.
Voltou para a sua casa, atualmente em Juiz de Fora (MG), onde vive com uma irmã e cuida do pai até que ele faleça.
Acredita na felicidade, no amor e na importância de não se guardar mágoas.
Seus olhos brilhantes comprovam isso.
Antonio, o Grande, Antônio Carlos da Fonseca, 60 anos, também paulista.
Ficou internado durante 26 anos
Há 10 anos está em liberdade em Juiz de Fora, onde vive em uma residência terapêutica.
Gosta de fazer amigos, caminhar na praça, comer sanuíche misto café na padaria da esquina co e cantar no Karaokê. Sonha ainda em ser ator.
Altair Pinheiro, na websérie, recita uma poesia dele que é um soco no estômago de todos nós:
“Descortino os silêncios da minha alma, faço sangrar a minha angústia, revelo todos os segredos da minha realidade interior e exterior, os despojos da criatura humana, subverto todo o lugar comum, não aceito e não vivo uma vida de incapacidade e passividade (…) caminho num labirinto mental de emoções inatingíveis, transgrido com voracidade o estigma da loucura, ultrajo a morbidez do silêncio, não me calo diante a hipocrisia.” (Altair Pinheiro)
Os depoimentos deles revigoram a esperança teimosa que nos faz acreditar na resistência humana.
“Porque eles cruzaram o inferno e ousaram desejar a vida que pulsa mais forte”, frisam os responsáveis pela websérie.
Abaixo o vídeo Morar em Liberdade — As palavras de quem viu.
Testemunhas das transformações.
Este vídeo também faz parte da websérie Retratos da Reforma Psiquiátrica Brasileira.
Abaixo a ficha técnica.
Atualização para correção: O Ministério da Saúde apresentou as propostas de revogação das quase 100 portarias de Saúde Mental apenas ao Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). Diferentemente do que eu disse inicialmente, não mostrou também ao Conselho de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems). Daí a correção.
Comentários
Zé Maria
Programa Aktion T4
O programa de “Eutanásia” na Alemanha Nazista foi oficialmente
adotado em 1939, como um “Ato de Caridade” para levar à Morte
indolor os indivíduos que viviam uma “vida indigna de ser vivida”
(Lebensunwertes Leben).
A “Eutanásia” de certos grupos culturais e religiosos e de pessoas
com deficiências físicas e mentais continuou de forma mais discreta
até o final da Segunda Guerra Mundial.
Os métodos usados inicialmente em hospitais alemães, como injeções
letais e envenenamento por gás engarrafado, foram expandidos para
formar a base para a criação de campos de extermínio, onde câmaras
de gás foram construídas para conduzir o extermínio de judeus, ciganos, comunistas, anarquistas e dissidentes políticos [anti-fascistas].
https://academic.oup.com/ahr/article-abstract/102/1/128/167543
http://courses.washington.edu/intro2ds/Readings/23_Friedlander-review.pdf
https://academic.oup.com/jmp/article-abstract/12/3/305/921058
https://www.latimes.com/archives/la-xpm-1986-10-12-bk-3086-story.html
http://gateshead-fc.com/The-Nazi-Doctors-Medical-Killing-And-The-Psychology-Of-Genocide.pdf
Raquel Clotildes de Oliveira Santos
Além de desumano é um retrocesso.
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