Mário Scheffer: “Sem o SUS, o ativismo e o esforço dos profissionais, não teríamos sucesso na luta contra a aids”

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Mário Scheffer: “Sem o ativismo, os avanços da ciência não estariam ao alcance de tantas pessoas que vivem com HIV no Brasil”. Foto: Divulgação

por Conceição Lemes

Será lançado nesta segunda-feira 10, em São Paulo, o livro Coquetel: a incrível história dos antirretrovirais e do tratamento da aids no Brasil, de Mário Scheffer. Uma parceria da editora Hucitec com a Sobravime – Sociedade Brasileira de Vigilância de Medicamentos.

O livro narra a evolução de uma tecnologia inovadora combinada a uma política de saúde pública universal implementada pelo Sistema Único de Saúde – atualmente 250.000 brasileiros recebem o coquetel no SUS.

“Os antirretrovirais passaram de meros paliativos a remédios salvadores, capazes de inibir a replicação do vírus da aids  e recuperar o sistema imunológico das pessoas infectadas”, explica Mário Scheffer. “Sabe-se hoje que, combinados a outras estratégias, podem controlar a epidemia, numa escala crescente de diminuição das infecções pelo HIV e do número de mortes, o que, num cenário otimista, levará a uma geração livre da aids.”

Ativista da luta contra a aids desde 1988, Mário preside o Grupo Pela Vidda-SP (Pela Valorização, Integração e Dignidade do Doente de Aids). É jornalista, especialista em Saúde Pública pela Unicamp, doutor em Ciências e professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP.

Blog da Saúde — Desde a descoberta do AZT, há 25 anos, até o “coquetel” dos dias de hoje , já foram lançados mais de 30 medicamentos que combatem o HIV — os chamados antirretrovirais. Sem a firme atuação dos ativistas no mundo inteiro, inclusive no Brasil, nós estaríamos vivendo este momento de esperança?

Mário Scheffer — Sem o ativismo, os avanços da ciência não estariam ao alcance de tantas pessoas que vivem com HIV no Brasil.  Mas os progressos no tratamento da aids no país também devem ser creditados aos esforços de técnicos, de profissionais de saúde, à decisão política de financiar o acesso e, é claro, à existência  do Sistema Único de Saúde. Sem o SUS, não teríamos chegado até aqui.

No livro, eu procuro resgatar justamente essa rara combinação de fatores que permitiu, em menos de três décadas, modificar a cara da aids: de sentença de morte a uma doença crônica e tratável. Mas pouco adiantaria ter a tecnologia sem uma política pública de caráter universal.

Blog da Saúde — A quem se destina o seu livro?

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Mário Scheffer –– A todos envolvidos na luta contra a aids, mas também àqueles que desejam compreender esse extraordinário encontro entre política pública, mercado, medicina, ciência e mobilização comunitária.

Blog da Saúde — Um debate atualíssimo.

Mário Scheffer — De fato, pois, além do já conhecido benefício terapêutico individual, agora há evidências de que os  antirretrovirais têm um benefício preventivo global. É a convergência do tratamento e da prevenção. Temos agora, como nunca,  instrumentos para controlar a epidemia.

 Blog da Saúde — Então o que deve ser feito para garantir a sustentabilidade da política nacional de tratamento da aids?

Mário Scheffer — O programa brasileiro está paralisado. Há inclusive sinais de retrocessos num momento em deveria assumir metas ousadas. Pela nossa história de enfrentamento da aids, poderíamos dobrar o número de pessoas em tratamento com antirretrovirais, passando dos atuais 250 mil para meio milhão.

Você sabe muito bem que a maioria desses potenciais novos pacientes  nem sabe que tem o HIV. Para isso, precisamos de  uma nova política de oferta de teste para as populações mais vulneráveis, o que fará diminuir o alto índice de diagnósticos tardios.  É preciso rever a política de genéricos de aids no país, que está “empacada”, investindo pesadamente  na produção local e, se necessário, quebrando patentes. Hoje, os nossos genéricos na área de aids custam muito caro e há pouca transparência nessa política.

Mas a sustentabilidade da política nacional de tratamento da aids vai depender também de o Brasil resolver o  subfinanciamento crônico do SUS.

No livro, eu mostro que existem vários aspectos da incorporação dos antirretrovirais no SUS que, se melhor compreendidos e regulados, podem contribuir para a sustentabilidade do tratamento.  Aqui, entram os ensaios clínicos , a elaboração de diretrizes, as regras de registro, o marketing da indústria farmacêutica, o comportamento de médicos, do Poder Judiciário, a capacidade nacional de negociar preços e de produzir medicamentos baratos, de qualidade e acessível a todos que precisam.

Basicamente, temos de encontrar um melhor equilíbrio entre a mercantilização da oferta e a universalidade do acesso . A luta contra a aids no Brasil, emblemática sob vários aspectos, pode contribuir ainda mais para elevar o medicamento, hoje um bem do mercado, à  posição de bem público.

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Benedito

É verdade que o CRT (Centro de Referência e Treinamento em DST/AIDS), da Secretaria da Saúde, vai fechar no começo de 2013? É o que disse uma funcionária da Ouvidoria do Hospital Emílio Ribas a um amigo que usa os serviços do CRT. A Casa da Aids da rua Frei Caneca foi fechada em junho. Os 3.500 pacientes de lá foram transferidos para o Emílio Ribas e a espera na farmácia do ambulatório do ER para receber antiretrovirais está na casa das três a quatro horas (antigamente não passava de meia hora). A espera é numa sala cheia de pacientes com outras doenças infecciosas, onde um paciente imunodeprimido pode pegar qualquer coisa. Então, são dois órgãos de atendimento a pacientes de HIV que tinham amplo reconhecimento internacional e que o governo Alckmin fecha em apenas seis meses. “Se vocês, pacientes, não se mobilizarem, tudo aquilo que conquistaram nos últimos 30 anos vai pro espaço”, disse a funcionária da Ouvidoria.

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