Força-tarefa do amianto supera meta: Já avaliou a saúde de mais de 500 pessoas expostas na Bahia

Tempo de leitura: 5 min
2 de setembro de 2024, sessão especial dá início aos trabalhos da força-tarefa do amianto na Bahia: na plateia, entre as pessoas convidadas a engenheira Fernanda Giannasi, responsável pela organização da força-tarefa. Ela está muito sorridente no meio da segunda fila; tem um botom no lado esquerda da blusa. Foto cortesia da Abrea e Avicafe

Milagre em Setembro no Nordeste do Brasil!

Por Laurie Kazan-Allen*

Em um lugar esquecido há muito pelas empresas que abusaram de seu povo e poluíram suas terras, um milagre feito pelo homem está ocorrendo no sudoeste da Bahia.

Começou em 2 de setembro de 2024 e vai até esta sexta-feira, dia 20.

Uma força-tarefa relacionada à exposição ao amianto está realizando o rastreamento gratuito da saúde de 450 indivíduos das cidades baianas do entorno de Bom Jesus da Serra e Poções, como Caetanos e Planalto.

Todos estão sendo submetidos a exames clínicos, testes de espirometria e tomografia pulmonar de baixa dose.

Um projeto pioneiro, que acontece em duas etapas e localidades.

De 2 a 13 de setembro, a avaliação da saúde foi realizada em Bom Jesus da Serra [1], em uma escola nova construída totalmente sem amianto.

De 16 de 20 de setembro, na área central de Poções, onde de 1939 a 1967 funcionou a primeira mineração de amianto no Brasil.

As pessoas elegíveis para os check-ups médicos foram identificadas por profissionais de saúde desses municípios por terem alto risco de contrair doenças relacionadas ao amianto devido à exposição pregressa ocupacional e doméstica ou mesmo ambiental, como ocorre até hoje com casas construídas e estradas pavimentadas com resíduos da mineração [2]

Apoie o jornalismo independente

A sua organização foi liderada pela Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea) e sua afiliada na Bahia, a Avicafe (Associação das Vítimas Contaminadas pelo Aminto e Famílias Expostas).

Foram muitos meses de trabalho, envolvendo muito planejamento, dezenas de funcionários, departamentos médicos de várias instituições de saúde, agências locais e estaduais e uma complexa logística.

Embora há cinco anos um programa de triagem piloto tenha sido realizado em Minas Gerais, o escopo da iniciativa na Bahia é quase duas vezes maior [3].

Como em 2019, a maior parte do financiamento do programa foi proveniente de multas aplicadas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) a empresas condenadas por danos morais coletivos pagos devido a infrações e por não protegerem os seus trabalhadores dos riscos laborais [4].

31 de agosto de 2024: Caminhão (à esq.) contendo tomógrafo de última geração (à dir.), do Hospital do Câncer de Barretos (Hospital de Amor), no interior de São Paulo, chega a Bom Jesus da Serra (BA). Dois dias depois, em 2 de setembro, começa o programa oficial de rastreamento. Fotos: Abrea e Avicafe

O MPT destinou ao programa R$ 540.000,00.

Esses recursos foram usados para custear principalmente as despesas referentes ao tomógrafo computadorizado móvel, em especial estas:

  • transporte do equipamento de Barretos (SP) a Bom Jesus da Serra (BA) — percurso de 1.358,40 km, que durou mais de 20 horas e atravessou três estados.
  • permanência do tomógrafo na região por três semanas para a realização do rastreamento das 450 pessoas por oncologistas do Hospital do Câncer de Barretos e pneumologistas do Instituto do Coração de São Paulo (InCor/USP) e da Fiocruz, do Rio de Janeiro.

O transporte do tomógrafo não é apenas caro, envolve também um verdadeiro pesadelo logístico.

Com os recursos obtidos foram adquiridos ainda um espirômetro e um computador para aumentar a capacidade diagnóstica.

Médicos, enfermeiras e fisioterapeutas locais foram treinados para realizarem exames clínicos e a prova de função pulmonar (espirometria).

Uma tarefa monumental para realizar essa iniciativa de ponta.

Pneumologista Hermano Albuquerque de Castro, da Fiocruz/RJ: à esquerda, examina na companhia do médico Lucas Carlini Tirelli, do programa de residência médica de Medicina de Família e Comunidade da Secretaria Municipal de São Bernardo do Campo; à direita, no dia 6 de setembro, dá palestra aos alunos do Colégio Estadual de Tempo Integral, em Bom Jesus da Serra. Fotos: Abrea e Avicafe

Comentando a complexidade de fazer malabarismos com tantos interesses e prioridades, a co-fundadora da Abrea e coordenadora da força-tarefa, Fernanda Giannasi, explicou que, apesar dos muitos desafios:

“Precisávamos perseverar. Durante anos, essas pessoas foram negligenciadas. A falta de capacidade e suporte médico significava que as pessoas continuavam a morrer sem diagnósticos e sem tratamento. Obviamente, isso foi um benefício para as empresas cujo comportamento negilgente causou as doenças. Sem o reconhecimento das doenças relacionadas ao amianto (DRAs), nenhuma indenização pôde ser buscada. Pretendemos mudar isso dando voz às vítimas e seus familiares, apoiando-os em sua saúde e nas lutas judiciais. Abrea e Avicafe não puderam fazer isso sozinhos e somos gratos aos nossos parceiros nos Estados da Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo. Somente um esforço coletivo pode levar ao fim do silêncio epidemiológico abissal que temos no Brasil sobre as doenças relacionadas à exploração de minerais cancerígenos, como o amianto, urânio e outros. Precisamos conhecer e reconhecer os casos dessas doenças para permitir às vítimas a proteção social a que têm direito [5]”.

A notícia da chegada da força-tarefa do amianto na Bahia foi transmitida em canais locais de TV e rádio e na imprensa escrita, com organizadores recebendo ligações de lideranças e políticos regionais e estadual, incluindo o governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues.

Em 2 de setembro de 2024, a prefeita de Poções, Nilda Magalhães, e a secretária de Saúde, Luciana Miranda Vasconcelos, fizeram uma visita à sede da força-tarefa para saber mais sobre seu trabalho (na imagem abaixo).

No centro, a prefeita de Poções, Nilda Magalhães (conjunto rosa), a secretária de Saúde do município, Luciana Miranda Vasconcelos (camisa vermelha); entre elas, a engenheira Fernanda Giannasi, cofundadora da Abrea, Foi a responsável pela logística da força-tarefa. Na foto também estão membros das equipes de Saúde de Vitória da Conquista, Poções e Bom Jesus da Serra. Foto: Abrea e Avicafe

Maximizando as oportunidades oferecidas pela presença da força-tarefa, dos especialistas médicos e dos ativistas está sendo possível interagir com membros da comunidade, líderes políticos e estudantes dos ensinos médio e fundamental durante seu tempo na Bahia.

De acordo com o presidente da Abrea, Eliezer João de Souza:

“Estamos somente no meio do projeto de rastreamento dos expostos ao amianto do sudoeste da Bahia e já tivemos uma resposta muito positiva de um amplo espectro da comunidade. Não tenho dúvidas de que os resultados mostrarão que muitas das pessoas que estão realizando exames têm sintomas de doenças graves. Estamos trabalhando com nossos colegas das localidades envolvidas e com os governos municipais e estadual para a continuidade do trabalho, garantindo que haja os acompanhamentos oportunos e intervenções médicas a serem fornecidas para todos os afetados pela maldição do amianto. ”[6]

Em tempo. A previsão da força-tarefa do amianto era examinar 450 indivíduos até sexta-feira, 20 de setembro.

Mas a população aderiu tanto à proposta que a meta foi ultrapassada. Ao final da manhã desta quinta-feira, 19 de setembro, 522 já tinham atendidos. E avaliações de saúde prosseguirão na tarde de hoje e amanhã.

NOTAS

[1] Vilasboas, Z. Exames Gratuitos Revelam Saúde das Vítimas do Amianto na Bahia. 1º. de setembro de 2024. https://racismoambiental.net.br/2024/09/01/exames-gratuitos-revelam-saude-das-vitimas-do-amianto-na- bahia/

[2] A mina abandonada do amianto de São Félix está localizada em Bom Jesus da Serra (ex-distrito de Poções). Em 1939, quando a mina foi aberta, era de propriedade da Brasilit, uma subsidiária do grupo francês Saint- Gobain de nome SAMA, que explorou o amianto crisotila (branco) por 30 anos antes de ir embora em 1967 para explorar a grande mina de Cana Brava, em Minaçu, estado de Goiás, sem sequer dar um olhar para trás. Atualmente o passivo existente é de propriedade do grupo Eternit. Kazan-Allen, L. Brasil: produtor de amianto, usuário, exportador. 19 de novembro de 2012. http://ibasecretariat.org/lka-brazil-asbestos-producer-user-exporter.php

[3] Kazan-Allen, L. Iniciativa Marcante no Brasil. 2 de outubro de 2019. http://ibasecretariat.org/lka-landmark- asbestos-initiative-in-brazil.php

[4] MPT viabiliza exames médicos para vítimas de mina de amianto no sudoeste da Bahia. 30 de August 30, 2024. https://www.bahianoticias.com.br/justica/noticia/70543-mpt-viabiliza-exames-medicos-para-vitimas-de-mina-de-amianto-no-sudoeste-da-bahia

[5] E-mail de Fernanda Giannasi. 10 de setembro de 2024.

[6]E-mail de Eliezer João de Souza. 10 de setembro de 2024.

*Laurie Kazan-Allen, jornalista e historiadora, coordena o International Ban Asbestos Secretariat (IBAS), sediado em Londres, Inglaterra. É parceira da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea), cofundada pela engenheira Fernanda Giannasi, responsável pela tradução deste artigo.

Apoie o jornalismo independente


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

Nenhum comentário ainda, seja o primeiro!

Deixe seu comentário

Leia também