Ivan Seixas: O homem do Consulado dos EUA que visitava o DOPS

Tempo de leitura: 4 min

Especial – 50 anos do golpe

Um golpe contra o Brasil

por Ivan Seixas* — publicado 25/03/2014 08:55, última modificação 25/03/2014 09:23

Da CartaCapital 

Engana-se quem acha que a ditadura foi implantada, em abril de 1964, com uma quartelada ou alguma ação improvisada de militares furiosos. Foi um golpe de Estado anticomunista, antioperário e antinacional, dentro da histeria da Guerra Fria, em uma agressão escancarada para impor um minucioso projeto econômico e social desenvolvido segundo os interesses do capitalismo estrangeiro e seus aliados nacionais.

Para impor esse projeto econômico e social era necessário impor o arrocho salarial e medidas impopulares sem precedentes. E para que isso se efetivasse era necessário o terrorismo de Estado e a cumplicidade e cooperação do empresariado nacional.

A grande maioria dos sindicatos de trabalhadores sofreu intervenção, que passaram a ser dirigidos por gente de confiança da ditadura e dos patrões. Para garantir a repressão, uma extensa rede de repressão se instala desde os primeiros momentos da ditadura sob o comando do temido SNI — Serviço Nacional de Informações, complementada por agentes de repressão particular dentro das fábricas, contratados pelos empresários. Essa cooperação é prevista no organograma do SISNI – Sistema Nacional de Informações, que destaca as “Comunidades Complementares” com os convênios com “Entidades privadas conveniadas”.

Toda essa rede de arapongas a serviço do empresariado foi detectada pela Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva, de São Paulo, com base em documentos oficiais do SNI, guardados no Arquivo Nacional. Do mesmo modo, o Arquivo do Estado de São Paulo guarda documentos que mostram que as empresas entregavam as fichas funcionais de seus empregados ao DOPS – Departamento de Ordem Política e Social para que fossem perseguidos pela temida repressão política e essa perseguição servir de desculpas para demitir e colocar o nome do perseguido nas “listas negras” daqueles que não poderiam conseguir emprego mais. Suas famílias passavam fome e os empresários impunham assim o medo da demissão e a submissão dos trabalhadores dentro do projeto implantado em abril de 1964.

A Comissão Estadual descobriu também os livros de entrada e saída no DOPS. Não o livro de entrada de presos, mas o de visitantes do departamento. Sem nenhuma dúvida, o visitante mais constante era um funcionário da FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, Geraldo Resende de Mattos, homem de confiança do chefe da entidade patronal. Suas visitas nem sempre têm registrado o horário de saída. Numa dessas vezes, a entrada foi pouco antes das seis da tarde e sua saída se dá no dia seguinte quase sete horas da manhã. Óbvio que o funcionário da FIESP ia lá organizar a repressão ao movimento sindical já amordaçado, reprimido e duramente perseguido. Mais uma vez o projeto econômico e social implantado em 1964 era garantido pela repressão política da ditadura sem nenhum disfarce, bem longe da civilidade ou legalidade.

Apoie o VIOMUNDO

Outro que visitava muito aquele órgão de repressão, tortura e extermínio e opositores à ditadura militar era Claris Halliwell, graduado membro do consulado geral dos EUA, que entrava e saía com muita frequência e também não tinha horário de saída registrado ou só saía no dia seguinte. Em geral, sua presença lá coincidia com os dias em que aconteciam terríveis sessões de tortura a membros da resistência ao estado de terror imperante. Sua entrada acontecia junto com conhecidos torturadores do DOI-CODI de São Paulo como o tenebroso Capitão Ênio Pimentel Silveira, notório torturador e assassino de presos políticos. A entrada dos dois indica que participavam das sessões de torturas, como é o caso do dirigente do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT), Devanir José de Carvalho, Comandante Henrique, barbarizado por quase três dias seguidos e assassinado ao fim dessa jornada.

Torturas, assassinatos e desaparecimentos de opositores militantes de organizações revolucionárias de luta armada aconteciam no mesmo lugar e com a mesma atenção que a repressão ao movimento sindical e de trabalhadores em geral. A ligação que há entre Mister Halliwell e Geraldo Resende de Mattos é o projeto econômico e social implantado em 1964, com orientação, apoio e acompanhamento do governo americano ao Estado usurpado pelos golpistas civis e militares, que se perpetuaram por longos 21 anos seguidos no poder. Causaram danos em, pelo menos, três gerações de brasileiros e estão impunes até hoje.

Nesse momento em que se marcam os cinquenta anos do assalto ao poder por gente que não tinha compromisso com a democracia e menos ainda com o País, devemos refletir o que se pode fazer para o Brasil continuar e aperfeiçoar suas instituições. Cometeram crimes de lesa-humanidade e também crimes de lesa-pátria, pois causaram danos ao povo trabalhador, aos jovens, à cultura nacional, à economia nacional e às instituições nacionais. E continuam impunes. As mortes são imperdoáveis, mas o que se pode dizer da fome causada aos trabalhadores colocados nas chamadas “listas negras”? Não eram “apenas” os trabalhadores, mas todos os componentes de suas famílias. Danos morais, políticos e econômicos em mulheres, crianças e idosos. Não há como perdoar. Tudo cometido em nome de um maldito projeto econômico e social de uma potência estrangeira.

*Ivan Seixas, ex-militante do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT), foi torturado ao lado do pai, assassinado pelo regime. Hoje Seixas preside o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana. Seu relato faz parte da série de 50 depoimentos coletados para o especial Ecos da Ditadura, sobre os 50 anos do golpe civil-militar de 1964

Ouça também:

O discurso de Rubens Paiva no primeiro de abril

Apoie o VIOMUNDO


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

Bonifa

O problema da dominação da informação é que ela tem que total, não pode permitir uma única opção viável. E a televisão é a grande forma de dominação através do controle da informação. Daí veio a tremenda resistência da mídia televisiva ao advento da TV Brasil. Mas quando a TV Brasil se mostrou como um mero canal institucional, como as TVs Câmara, Senado, NBR e outros, então a mídia televisiva permitiu que ela existisse sem grandes ataques contra ela.

Vejam bem, a independência de um país só existe quando ele tem uma imprensa independente das grandes correntes de dominação informativa.

Isso porque essas correntes sempre defendem a política dos países das quais são oriundas.

Deste modo, temos hoje no mundo uma corrente de informação uni-ideológica, e temos também alguns países que possuem uma imprensa independente, e por isso mesmo são independentes. São eles a Rússia, a Índia, a China, Israel e o Irã. Todos eles têm uma imprensa independente e todos eles também possuem poder nuclear, menos o Irã. Isso não é uma mera coincidência. Por isso atacam o Irã, pela audácia de ter uma imprensa independente, e acham que ele busca poder nuclear para sustentar sua imprensa independente.

O Brasil só romperá uma barreira séria ao seu desenvolvimento quando também tiver uma mídia independente que seja pelo menos tão forte quanto a mídia comprometida que opera livremente em seu território. Comprometida com um esquema de dominação externa que age sobre a independência do próprio próprio Brasil.

IADESIL

“A grande maioria dos sindicatos de trabalhadores sofreu intervenção, que passaram a ser dirigidos por gente de confiança da ditadura e dos patrões. ” Esses dirigentes foram treinados em escolas de liderança sindical no Panamá e os cursos eram financiados pelo IADESIL, com escritórios em várias cidades como Recife, Rio de Janeiro e São Paulo. O escritório do Recife funcionava na Rua Dom Bosco.

anac

Rezemos, mesmo os sem fé, juntos o poema que Tito – Noites de Silêncio – escreveu em Paris, a 12 de outubro de 1972:

“Quando secar o rio da minha infância / secará toda dor. Quando os regatos límpidos de meu ser secarem / minh’alma perderá sua força. Buscarei, então, pastagens distantes / lá onde o ódio não tem teto para repousar. Ali erguerei uma tenda junto aos bosques. Todas as tardes, me deitarei na relva / e nos dias silenciosos farei minha oração. Meu eterno canto de amor: / expressão pura de minha mais profunda angústia. Nos dias primaveris, colherei flores / para meu jardim da saudade. Assim, exterminarei a lembrança de um passado sombrio”.

anac

Frei Tito d eAlncar Lima, torturado no carcere se sucidiou em Paris.
Na terça-feira. 17 de fevereiro de 1970, oficiais do Exército retiraram Frei Tito de Alencar Lima do Presídio Tiradentes, onde se encontrava preso desde 1969, acusado de subversão. “Você agora vai conhecer a sucursal do inferno”, disse-lhe o capitão Maurício Lopes Lima.

No quartel da rua Tutóia, um outro prisioneiro, Fernando Gabeira, testemunhou o calvário de frei Tito: durante três dias, dependurado no pau-de-arara ou sentado na cadeira-do-dragão -feita de chapas metálicas e fios-, recebeu choques elétricos na cabeça, nos tendões dos pés e nos ouvidos. Deram-lhe pauladas nas costas, no peito e nas pernas, incharam suas mãos com palmatória, revestiram-no de paramentos e o fizeram abrir a boca “para receber a hóstia sagrada” – descargas elétricas na boca. Queimaram pontas de cigarro em seu corpo e fizeram-no passar pelo “corredor polonês”.

O capitão Beroni de Arruda Albernaz vaticinou: “Se não falar, será quebrado por dentro. Sabemos fazer as coisas sem deixar marcas visíveis. Se sobreviver, jamais esquecerá o preço de sua valentia”. A ceder e viver, Tito preferiu morrer. “É preferível morrer do que perder a vida”, escreveu ele em sua Bíblia. Com uma gilete, cortou a artéria do braço esquerdo. Socorrido a tempo, sobreviveu.

Foi libertado em dezembro de 1970, incluído entre os prisioneiros políticos trocados pelo embaixador suíço, seqüestrado pela VPR. Ao desembarcarem em Santiago do Chile, um companheiro comentou: “Tito, eis finalmente a liberdade!”. O frade dominicano murmurou: “Não, não é esta a liberdade”.

Em Roma, as portas do Colégio Pio Brasileiro, seminário destinado a formar a elite do nosso clero, fecharam-se para o religioso com fama de “terrorista”. Em Paris, nossos confrades o acolheram no convento de Saint Jacques, em cuja entrada uma placa recorda a invasão da Gestapo, em 1943, e o assassinato de dois dominicanos.

O capitão Albernaz tinha razão: sufocado por seus fantasmas interiores, Tito tornou-se ausente. Ouvia continuamente a voz rouca do delegado Fleury, que o prendera, e o vislumbrava em cafés e bulevares. Transferido para o convento de I’Arbresle, construído por Le Corbusier, nas proximidades de Lyon, as visões aterradoras continuaram a minar sua estrutura psíquica. Escrevia poemas:

“Em luzes e trevas derrama o sangue de minha existência / Quem me dirá como é o existir / Experiência do visível ou do invisível”.

Os médicos recomendaram-no suspender os estudos para dedicar-se a trabalhos manuais. Empregou-se como horticultor em Villefranche-sur-Saône e alugou um pequeno cômodo numa pensão de imigrantes, o Foyer Sonacotra, cujas despesas pagava com o próprio salário. O patrão o percebeu indolente, ora alegre, ora triste, sugado por um tormento interior. Em seu caderno de poemas, Tito registrou:

“São noites de silêncio / Vozes que clamam num espaço infinito / Um silêncio do homem e um silêncio de Deus”.

No sábado, 10 de agosto de 1974, frei Roland Ducret foi visitá-lo. Bateu à porta de seu quarto, na zona rural. Ninguém respondeu. Um estranho silêncio pairava sob o céu azul do verão francês e envolvia folhas, vento, flores e pássaros. Nada se movia. Sob a copa de um álamo, o corpo de Frei Tito dependurado por uma corda, balançava entre o céu e a terra. Ele tinha 28 anos.

Em março de 1983, seus restos mortais retornaram ao Brasil. Acolhidos em solene liturgia na Catedral da Sé, em São Paulo, encontram-se enterrados em Fortaleza, sua terra natal. O cardeal Aros frisou que Tito afinal encontrara, do outro lado da vida, a unidade perdida.

Nelson

Os dois primeiros parágrafos do artigo do Ivan Seixas explicam praticamente tudo sobre o golpe.

Só discordo da afirmação de que foi um “golpe de Estado anticomunista”.

Os conspiradores sabiam que João Goulart nada tinha de comunista e seu governo não descambava para esse rumo.

O problema é que João Goulart propunha um Brasil independente e autônomo.

Então, o golpe foi desferido contra o desejo do povo brasileiro de usufruir do direito inalienável à autodeterminação, do direito de construir um país a sua feição.

E essa proposta de Jango não se coadunava com o rumo traçado para nosso país pelos estrategistas estadunidenses.
O perigo do comunismo foi apenas um instrumental utilizado para evitar, ou abortar, a independência e autonomia de vário povos, não só do brasileiro.

Urbano

Vai ver que levando ração ou novos ensinamentos de tortura para os seus pitbulls amestrados, que obviamente não eram todos. É o que se espera, pelo menos…

renato

Tudo que há para ler sobre este assunto eu leio…
Em respeito aos que não estão mais aqui, e caíram
sobre esta ameaça permanente que é esta potência
estrangeira.
Eles nascem em minha mente..portanto não morreram,
em vão..
Não estão escrevendo a História deste país em vão.
parabéns a todos que se propõe a esta luta.

Carlos

O que há por trás das notas desta agência americana, praticamente, em pleno período eleitoral. A CIA? Pode ser. Precisamos ficar atentos. Quem são os seus membros? Podem ter trabalhado no serviço de inteligência americano. Já aconteceu antes. E a PETROBRÁS? Da mesma forma. Por que depois de 8 anos? Quando a gente vê a situação na Venezuela…

mineiro

e o pior de tudo isso , passados 8 anos do governo lula e mais 4 de dessa capachona e nada foi feito de concreto. isso é que é o pior de tudo , pensando que quando entrar um governo progressista iria pelo menos lutar contra isso , veja o que acontece eles entram la e ficam do lado dos torturadores assassinos. borrando nas calças de medo da turma que lucraram com os golpes e a mesma fazendo a mesma coisa querendo fazer tudo de novo. e o governo covarde que é empurra para debaixo do tapete. e os ratos desgraçados ainda se acham no direito de protestar querendo a ditadura de volta, é brincadeira. enquanto nao sentar no banco dos reus e botar esses lixos na cadeia ou no quintos dos infernos , isso infelizmente pode acontecer de novo.

    Bonifa

    “Deem-me uma alavanca e moverei o Mundo”. Sem alavanca, não se pode mover sequer uma pequena rocha.

Vixe

Simples:
Cria-se uma lei onde qualquer um que defenda abertamente um golpe de estado seja preso e punido, assim como quem ostenta a suástica nazista.
Queria ver se as “sheranazi” da vida iam fazer apologia ao golpe.

José

http://pt.scribd.com/doc/46459438/Who-is-Who-in-the-CIA
HALLIWELL CLARIS ROWLEY

Brazil 1958-1973 Ecuador 1965-1970 Chile 1970
Assn. Former Intelligence Officers. Membership Directory. 1983
CounterSpy 1975-SU (43)
Frazier,H. Uncloaking the CIA. 1978 (59)
Mader,J. Who’s Who in CIA. 1968
State Dept. Biographic Register. 1973
pages cited this search: 5

Julio Silveira

Aonde tiver golpe de direita os States estarão lá, como um cartório, para autenticar, evidentemente sem deixar de cobrar o preço elevado para a autenticação. Ditadura de direita quando ocorre, para eles, é democracia da minoria inteligente.

    Edu

    Exemplo: -Ucrânia.

Deixe seu comentário

Leia também