[Parece cenário de filme. Não é. Que o diga o pai que perdeu três filhos lá]
Pedrinhas como cenário do The Walking Dead
por Washington Araújo, especial para o Viomundo
Símbolo de um Brasil arcaico, o presídio de Pedrinhas, personifica à larga essa visão de nossas elites onde direitos humanos se confundem inteiramente com direitos dos bandidos, meliantes, marginais, delinquentes de todas as altitudes e latitudes.
É não mais que a ponta de um iceberg de horrores, lugar onde vige a lei do mais forte e onde há muito desapareceu qualquer verniz de civilização, palco de espetáculo mórbido onde cabeça humana decapitada tremula como insano estandarte anunciando a falência moral de um pretenso estado de direito.
É em nosso Estado do Maranhão, sempre louvado como o lugar onde é falado o melhor português do Brasil, que parece estar montado o set de filmagem do seriado The Walking Dead. Esse blockbuster americano que estreou internacionalmente durante a primeira semana de novembro de 2010, exibida na Fox International Channels, conta a história de um pequeno grupo de sobreviventes de um apocalipse zumbi.
Os sobreviventes tem conhecimentos limitados sobre o que realmente está acontecendo no mundo. O enredo da série é focado nos dilemas que o grupo enfrenta, como a luta para manterem-se vivos, os sentimentos confusos e os desafios do dia-a-dia em um mundo hostil e praticamente dominado por mortos-vivos.
Qualquer semelhança com os cerca de 2.500 habitantes de Pedrinhas não parece proposital, mas existe e são muitas. A começar que o presídio foi planejado com capacidade para hospedar exatos 1.700 pessoas. Apenas no excesso já se contam pouco mais de 800. E isso quer dizer que não existem latrinas e camas para essas adicionais oito dezenas ali despejadas.
A luta para manterem-se vivos é, certamente, a prioridade máxima dos prisioneiros. ‘Eliminar hoje quem poderá me eliminar amanhã’ pareçe ser a lógica dominante em Pedrinhas.
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Rebeliões e chacinas sempre com a marca da selvageria e brutalidade de um lugar, em princípio custodiado pelo Estado, dominado por três facções rivais, se integram na história do presídio: em 2010, morreram 18, em 2012 seis dezenas de presos foram assassinados, apenas em outubro de 2013 mataram nove detentos. Essas estatísticas macabras desnudam um Maranhão absolutamente incapaz de apurar casos de corrupção, violência, tortura e assassinatos com requintes de crueldade próprias do terror que ecoa na saga dos sobreviventes que lutam contra os zumbis em The Walking Dead.
Se é um mundo cão convenientemente ocultado pelo Estado insaciável à sociedade que lhe é pródiga em pagar tributos e impostos, é também o gancho de nossos jornalões em busca de melhores índices do número de leitores e de audiência. Foi o que aconteceu com a Folha de S.Paulo e seu portal na internet, UOL, ao decidirem publicizar vídeo com cenas macabras da chacina.
De pronto se escuta a voz de comando: “Tem de ajustar o foco”. Depois, como se estivesse filmando o episódio “Pedrinhas dos Zumbis”, a câmera foca o chão de concreto molhado até o cinza se transformar em vermelho, e um corpo sem cabeça ser enquadrado. A cena, registrada por detentos do Complexo Penitenciário de Pedrinhas, longe de ser fruto da imaginação mórbida de um diretor do The Walking Dead, mostra o exato instante em que os criminosos vitoriosos de um motim comemoram a execução de seus inimigos no último dia 17 de dezembro.
Até as pedras de Pedrinhas parecem clamar que as estruturas da sociedade entraram em colapso e a realidade se tornou atípica.
Se a força de uma corrente deve ser medida através da força de seu elo mais fraco, podemos muito bem entender que a força da sociedade brasileira depende enormemente do quão vulneráveis se encontram os habitantes do Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís do Maranhão.
Simples assim.
PS do Viomundo: O que mais me impressionou em Pedrinhas (eu, Azenha), quando estive lá no final de novembro passado, foi que atrás do complexo penitenciário passa a ferrovia que leva o minério de ferro de Carajás até o porto maranhense de Itaqui, de onde é exportado. Toda aquela riqueza indo embora, em trens imensos, enquanto a miséria fica…
O sumiço do preso from Luiz Carlos Azenha on Vimeo.
Comentários
Urbano
Uma única pessoa já é bastante lastimável, então se imagine três. Agora em Campinas-SP, sob o governo do psb, o resultado foi quatro vezes mais vítimas do que no Maranhão. Bem que o eduardo moita disse há pouco tempo, em sua campanha presidencial pelo Brasil afora, que dava para se fazer bem mais…
Mardones
Por que eu não me assusto com isso? Por que não me impressiona? Fico indignado, sim. Mas quem vive no Brasil, eu disse VIVE, jamais pode achar os acontecimentos de Pedrinhas algo assustador para o que se chama de Brasil. Há muito tempo, nosso país se tornou a terra do superávit primário, da exportação de soja, proteína animal, minério de ferro e da ‘nova classe média’. Não há espaço para a construção de um Estado de Direito.
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