Cardeal Orani: Rio “precisa respeitar as pessoas que estão sendo removidas”

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Rio “precisa respeitar as pessoas que estão sendo removidas”, diz novo cardeal

por Dario de Negreiros, no Rio de Janeiro* 

No dia em que foi nomeado cardeal da Cúria Romana pelo papa Francisco, o arcebispo do Rio de Janeiro, dom Orani João Tempesta, 63, conversou com o Viomundo sobre alguns dos principais problemas sociais da capital fluminense.

A conversa aconteceu no morro do Pavão-Pavãozinho, localizado na zona sul do Rio, entre os bairros de Ipanema e Copacabana. Em dezembro de 2009, foi instalada nas comunidades vizinhas de Cantagalo e Pavão-Pavãozinho a quinta UPP (Unidade de Polícia Pacificadora), projeto do governo estadual do Rio que já conta com 36 unidades instaladas.

Em outubro de 2013, entretanto, uma reportagem do diário carioca Extra afirmava que o tráfico já havia retomado o controle da região mais elevada do morro, a quinta estação do plano inclinado. Pouco antes, o jornal O Dia afirmava que comerciantes fecharam as portas após um homem ser encontrado morto pela polícia, que afirmou ter acontecido intenso tiroteio entre facções rivais.

Durante a entrevista, o Viomundo cobrou de Orani, representante máximo da Igreja no país ao lado dos outros noves cardeais brasileiros, posicionamentos sobre as denúncias de violência policial nas comunidades pacificadas e os processos de remoção de comunidades pobres em função das obras da Copa do Mundo e das Olimpíadas.

Apesar de comedido nas críticas, o novo papável deixou claro que faltam ações sociais do Estado do Rio nas comunidades pacificadas e que os direitos das famílias vítimas de remoções não têm sido respeitados.

Em novembro de 2013, Orani celebrou uma missa campal na Vila Autódromo, comunidade da zona oeste do Rio, ameaçada de despejo. “A cidade precisa respeitar as pessoas que estão sendo removidas”, disse.

 Segue a íntegra:

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O senhor acabou de ser nomeado cardeal e vem, no mesmo dia, para uma comunidade pacificada do Rio de Janeiro. Há algum conteúdo simbólico neste ato?

É o que eu faria de qualquer maneira. Faz parte das minhas visitas durante a trezena de São Sebastião. Eu já participei de várias visitas a comunidades não pacificadas, também, onde nem mesmo a polícia pode entrar comigo. Hoje estava previsto ir à Cruzada São Sebatião [conjunto habitacional localizado no Leblon, zona Sul do Rio] visitar uma família e, agora à tarde, a Pavão-Pavãozinho e Cantagalo. Já não é a primeira vez, mas é uma oportunidade, providencialmente, agora que sai a nomeação dos novos cardeais, de dizer que a Igreja está muito próxima das pessoas que passam por necessidade, que sofrem, que necessitam de melhor moradia, mais dignidade. Aqui no Pavão-Pavãozinho é um lugar em que realmente a Igreja tem atuado bastante, tanto com trabalho social quanto evangelizador.

As UPPs (Unidade de Polícia Pacificadora), que já foram vistas como um projeto promissor, têm recebido críticas crescentes, denúncias de violência policial, de desrespeito a direitos fundamentais e mesmo de uma progressiva militarização da vida cotidiana dos moradores dessas áreas. Como o senhor vê esses problemas?

É claro que colocar uma presença do Estado onde antes não havia, no caso das UPPs, é apenas o primeiro passo. Os outros passos são importantes: educação, saúde, locomoção…

E esses outros passos têm acontecido, na sua visão?

Isso falta no Brasil todo. E falta aqui, também.

Nós estaríamos, aqui, avançando num ritmo lento demais, neste aspecto?

Eu creio que o Brasil todo sofre muito com isso. A diferença das pessoas, a dificuldade de se viver com dignidade, é muito grande, ainda, Brasil afora. É claro que, aqui, é um reflexo disso. Há pouco tempo que o Estado começa a estar presente e é claro que os resultados são pequenos, ainda, em relação àquilo que se desejava.

Se a gente tem a presença do Estado, temos também críticas segundo as quais a polícia ainda não tem o preparo desejado, não possui formação sólida em direitos humanos e tampouco capacidade de lidar com maior civilidade com a população destas comunidades. O senhor vê a violência policial como uma questão importante, hoje, no Rio?

Isso depende de cada pessoa. Existe aula de direitos humanos na escola da polícia. Evidente que isso depende de cada situação, de cada realidade. Conheço policiais muito humanos com quem já conversei. E existem aqueles que, infelizmente, são militares que acabam desrespeitando os outros. E isso ocorre mesmo em Londres, onde vimos que pessoas foram mortas recentemente pela polícia. Há muita coisa a fazer no Brasil, aqui nas favelas, e no mundo inteiro também.

Eu estive alguns dias atrás na Vila Autódromo e os moradores me disseram que o senhor já esteve lá para manifestar apoio às famílias que lutam contra a remoção.

A Igreja tem uma pastoral das favelas que tem mais de 30 anos e que atua principalmente nas questões dos direitos à vida, à habitação, à locomoção e tudo o mais. Já no passado, a favela do Vidigal foi o trabalho inicial, na época com o cardeal Eugênio Salles. O papa João Paulo II também foi lá visitar. Então a arquidiocese tem um trabalho muito antigo, trabalha com o Ministério Público, a Defensoria Pública, para ajudar dentro daquilo que é possível.

Como o senhor vê a questão das remoções?

Eu creio que existe uma legislação, tanto no Brasil quanto aqui no Rio. E, quando são necessárias as remoções, os moradores removidos têm direito de estar próximos de onde moravam, de onde trabalhavam. E de ter a mesma dignidade. A cidade necessita, é claro, de outros passos, mas que precisam ser muito bem examinados. E precisa respeitar as pessoas que estão sendo removidas.

E essas pessoas não têm sido respeitadas, no Rio?

Não só no Rio de Janeiro, isso acontece pelo Brasil afora, pelo mundo afora. E aqui também. E nós temos trabalhado em relação a isso, porque é toda uma mentalidade que existe no mundo de hoje que nem sempre leva em consideração a pessoa humana.

O senhor acha que, aqui no Rio, interesses da especulação imobiliária têm se sobreposto aos direitos dos moradores vítimas de remoção?

Tem várias questões. Tem essa questão, de se querer fazer mais prédios. Tem também a questão da necessidade de locomoção da cidade. Tem o problema das pessoas que vivem em áreas de risco. Tem perigos sérios e reais, as pessoas podem sofrer algum dano devido ao lugar em que está localizada a sua residência. São várias coisas e a gente não pode classificar só um aspecto. Há uma multiplicidade de situações.

*Dario de Negreiros está no Rio para uma série de reportagens sobre o poder local. A viagem é bancada pelos assinantes do Viomundo.

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