Rolnik: Vão livre do MASP reflete o caráter de São Paulo

Tempo de leitura: 3 min

Imagem enviada pelo Gerson Carneiro, via Facebook

02/12/2013 – 03h00

O Masp e a casa da sogra

na Folha

Há duas semanas o “Estadão” defendeu em seu editorial o cercamento do vão livre do Masp como forma de proteger o museu da ameaça de “viciados”, “traficantes”, “moradores de rua” e “grupos de manifestantes” que tomaram conta do espaço.

O jornal reverberou declarações do curador do museu, Teixeira Coelho, que, diante da recusa do Instituto do Patrimônio Artístico e Histórico Nacional em aceitar seu pedido de instalação de grades no vão livre, classificou tal posição como “um atraso”.

Outra solução levantada pelo editorial seria “uma ação enérgica” da polícia, “para colocar cada um no seu devido lugar”, já que o vão livre se tornou “a casa da sogra”, “onde qualquer um faz o que bem entende”.

Reportagem da Folha da última sexta-feira estampa barracas de camping ocupando o espaço, servindo de moradia a pessoas sem teto, e reitera a imagem de “abandono” do lugar.

Não é à toa que o Masp se tornou um dos símbolos de São Paulo, além de um dos lugares mais apropriados pelos paulistanos. Poucos são os espaços da cidade que estabelecem uma relação tão bem-sucedida entre o público e o privado, a cultura, a arte e a vida cotidiana dos cidadãos.

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Na contramão dos equipamentos culturais desenhados para serem monumentos de celebração a uma arte-mercadoria, glamourizada e identificada com as elites, o Masp nasceu para ser uma espécie de antimuseu, radicalmente aberto para a cidade.

Em filme de 1972, Lina Bo Bardi, autora do projeto, fala sobre o Masp: “[…] minha preocupação básica foi a de fazer uma arquitetura feia, uma arquitetura que não fosse uma arquitetura formal, embora tenha ainda, infelizmente, problemas formais. Uma arquitetura ruim e com espaços livres que pudessem ser criados pela coletividade. Assim nasceu o grande belvedere do museu, com a escadinha pequena. A escadinha não é uma escadaria áulica, mas uma escadinha-tribuna que pode ser transformada em um palanque. Eu quis fazer um projeto ruim. Isto é, feio formalmente e arquitetonicamente, mas que fosse um espaço aproveitável, que fosse uma coisa aproveitada pelos homens”.

O vão livre do Masp é, portanto, o próprio museu. E os moradores da cidade, celebrando este belo presente, afirmam todos os dias seu caráter público: heterogêneo e múltiplo, ocupado e povoado por todo e qualquer tipo de gente, de evento e de situação, afirmando ali a dimensão pública da arte, da cultura e da cidade.

Se nos choca e indigna ver o vão do Masp (e outros espaços públicos) ocupado por pessoas viciadas em crack e moradores sem teto, é de políticas públicas decentes de saúde mental, de moradia e de assistência social que necessitamos, com urgência.

Não são as grades nem a repressão policial que vão enfrentar a situação de vulnerabilidade em que se encontram muitos paulistanos. Se eles estão ali, expondo a precariedade e a situação limite de sua existência, é porque, simplesmente, não há nada nem ninguém que os acolha, propondo alternativas reais para essa situação.

A imagem das barracas armadas no Masp só afirma a urgência de implementação de políticas que avancem nesta direção. Uma boa gestão de cidade mantém a qualidade de seus espaços públicos cuidando tanto de seu estado físico de conservação quanto da vulnerabilidade de parte de seus cidadãos.

Se o vão livre do Masp tem sido cada vez mais palco de manifestações, é justamente por acolher de forma tão eloquente uma das reivindicações centrais dos protestos recentes: a necessidade de constituição de uma esfera verdadeiramente pública no Brasil.

Raquel Rolnik é urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada

Aqui, abaixo-assinado contra o cercamento do MASP, sugerido no Facebook

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Comentários

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Fernando José

Eu sou um cidadão de São Paulo e apóio totalmente a medida de cerca o vão livro do MASP. Pena que nossas autoridades não tenha coragem política pra proibir protestos na avenida Paulista, um importante corredor de hospitais e por onde passam dezenas de linhas de ônibus. Já que os esquerdistas não sabem fazer passeata sem prejudicar o direito de ir e vir dos cidadãos, o poder público tem a obrigação de enquadrá-los e zelar pelo ordem social em nome de maioria não compartilha os valores democráticos.

    leprechaun

    pena que nossas autoridades não tenham coragem pra proibir a virada de ano na paulista patrocinada pela globo, importante corredor de hospitais

    Fernando José

    Eu também apoiaria essa medida, certamente amigo, pois o incômodo causado é o mesmo. Mas pelo que sei em eventos pré-programados (como a Marcha para Jesus, a Parada Gay, a Virada do ano)a CET organiza um esquema especial para que as ambulâncias e o trânsito em geral possam passar pelas vias paralelas à Paulista. O que é insuportável é ter que usar a Paulista pra chegar em casa ou ao hospital e dar de cara, do nada, com vinte gatos pingados (em geral moleques esquerdistas ou paga-paus de alguma ramificação do PT) que acham que têm o direito divino a ferrar com a vida dos outros.

    Caio Varela

    HAHAHAHA. Excelente resposta.
    E o comentário deste senhor (que apoia o cercamento do vão livre – pra que diabos serviria um vão livre fechado, aliás? Preciosismo?) só revela a infantilidade de certas pessoas ao lidar com os problemas do país. Sim, aquela atitude típica das crianças menores, que ao tapar os olhos com as mãos acreditam que não estão sendo vistas pelos outros (pelo fato de não poder vê-los). Não têm a menor preocupação com a situação das pessoas que estão vendo em todo tipo de situação deplorável, portanto preferem escondê-las dos seus olhos, como forma de poder acreditar que tais problemas não existem, talvez – ou até que eles existam sim, contanto que não enfeiem a “sua” parte da cidade. Quando isso já não basta, começam a se fechar: blindam e filmam os vidros dos Bentley, escondem as fachadas das mansões com muros de 5 metros de altura (de forma impressionante, uma das poucas excessões é justamente a mansão de Edemar Cid Ferreira), se confinam em shopping centers, country clubs… Se acham que assim vão conseguir transformar o país no que querem só podem ser loucos, ignorantes (por mais que carreguem o título de “doutor”). Mas o que mais me preocupa é a crescente propagação dessa mentalidade nas classes B e C, bem como o fato de um curador de museu compactuar com esse tipo de medida. Só não digo que estamos perdidos porque lidar com gente estúpida faz parte e sempre vai fazer.

    Rafaela

    Fernando José, espero ser breve e clara no que vou dizer..

    Quando você diz ‘Pena que nossas autoridades não tenha coragem política pra proibir protestos na avenida Paulista, um importante corredor de hospitais e por onde passam dezenas de linhas de ônibus.’
    Você me entristeceu muito deixando claro que é contra qualquer tipo de manifestação, o que me leva a pensar que você está super satisfeito (leia-se acomodado) com a governabilidade do Estado/Cidade que mora, certo? É, eu sei que nao está satisfeito como eu. Bom, continuando, transito é algo que temos independente de manifestações e pasme, é possível melhorá-lo injetando mais linhas e transportes públicos (e a elite fascista deixe a nojerinha de lado e passe a usa-lo também).
    E pra completar a resposta pra essa frase tua, digo: as nossas ‘autoridades’ têm SIM coragem política pra proibir as manifestações

    Quanto a outra frase, me dá preguiça (a resposta está entre parenteses):

    ‘Já que os esquerdistas (?) não sabem fazer passeata sem prejudicar o direito de ir e vir dos cidadãos (o seu direito de ir e vir? e o dos que querem se manifestar ~porque tem muita coisa errada~), o poder público tem a obrigação de enquadrá-los e zelar pelo ordem social em nome de maioria não compartilha os valores democráticos (????? ZZzzZZzZzzZzZ) nossa que preguiça de você. Que preguiça dessa sociedade……. ZzzZzZzZ

Gerson Carneiro

Preocupação com o vão LIVRE do Masp: 1.000
Preocupação com o ser humano…….: 0

Assim são os que se consideram donos de São Paulo.

FrancoAtirador

ricardo silveira

Um museu, um espaço de obras de arte tão importantes e revolucionárias e um curador que se mostra obscurantista e reacionário, despreparado para a função que exerce.

Antonio C.

Se existem mendigos, usuários de drogas ou sem-teto, o problema é outro, é social, depende de políticas de inclusão e de tratamento, quando for o caso. Não custa nada lembrar que o MASP é gerido de modo inconsequente há anos. O caso do roubo das obras de 2007 foi um exemplo claro de sua má gestão, obras sem seguro. O pior ainda é quando alguns burocratas tomam para si cargos como se fossem títulos de nobreza. Deve ser legal participar do Conselho do MASP. Uma educação decente, uma sociedade inclusiva, é, igualmente, “ameaça” às elites; a solução, então, é deixar tudo como está e cercar de grades, tijolos e policiais. Também pudera: eles têm medo do resultado daquilo que pensam… como se diz, “tem medo, mas não tem vergonha”.

Maria

Esse tipo de pensamento é o pensamento dessa elite paulista, cafona, colonizada, preconceituosa, que quer esconder a realidade debaixo do tapete. Essa elite tão bem representada pelo PSDB. Que se acha cheirosa. Essa elite, até hoje não se conforma com a abolição dos escravos. Quem faz São Paulo mais dinâmica e interessante é seu povo não sua elite. Essa nos envergonham.

CNunes

E o tema voltou no Bom Dia Brasil, da Globo hoje de manhã.
É uníssono ou jogral?!?

    Marat

    Eles que adoram e fomentam regimes de exceção, são regidos pela ditadura do pensamento único. Eles tem uma central de onde sai todo o vocabulário controlado. Podemos todos perceber que sempre há palavras-chave repetidas ad-æternum.

Mardones

São Paulo parou no tempo. Assaltado por uma população frágil, assisti a uma destruição social inacreditável. Um estado que deveria ser o farol do Brasil. Uma elite que inveja americanos e europeus. Uns clones de seres humanos. O resultado é uma ausência de políticas que deixa em carne crua a falta de tudo que se possa chamar de estado.

    Márcio

    Ótimo comentário.

    É isso mesmo, SP parou no tempo com uma elite carcomida. O foda é que até pobre aqui é conservador.

    Pensar que poderia ser uma metrópole, e um Estado, vanguardista em termos de política públicas nas várias áreas. Ainda mais com o bom momento econômico que se vive.

    Mas SP só acena para trás, é lamentável.

Marat

Mais um excelente texto.
Os “Donos da Cidade” parecem ainda estar no século XIX. Será que leem o Estadão? Que coisa antiquada, triste!

    rodrigo

    Século XIX é bondade sua Marat. A mentalidade desse pessoal ainda não saiu do Brasil colônia (ou pior, da baixa idade média com uma tremenda dificuldade pra se entender a idade moderna).

    Marat

    Caro Rodrigo, estamos fritos. Esta mesma elite arcaica, atrasadíssima, secessionista, capitalista (e muitos outros “istas”) que aqui está ainda tem muita força, creio, devido ao PIG. E o pior: caminham para mais uma vitória com seus subordinados políticos. Tivéssemos jornais e canais de TV de esquerda, talvez a situação fosse diferente.
    Difícil conviver com gente tão asquerosa… Nossas armas são poucas, assim como há poucos como Raquel Rolnik… Mas, mantenhamos a esperança: Ao menos uma cabeça de ponte foi conquistada na Prefeitura… Resta aos crédulos rezarem para os trapalhões não a perderem!

    rodrigo

    Com toda a sinceridade possível do mundo, se nós mesmos não fizermos uma profunda análise dos aspectos sociais e dos desdobramentos da revolução francesa não sairemos de parte alguma. A burguesia pode ser tão nociva quanto a nobiliarquia, além das sombras do “premier état” continuarem pairando sine die sobre a sociedade como um todo.

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