Fátima Oliveira: Nhá Chica não era pobre, adotou a simplicidade
Tempo de leitura: 3 min
por Fátima Oliveira, em OTEMPO
[email protected] @oliveirafatima_
O fervor devocional por Nhá Chica faz de Baependi (MG) um porto de turismo religioso similar a uma Casa da Moeda. O dinheiro rola aos montes: de R$ 1 em R$ 1 – preço de um chaveiro com a Nhá Chica preta, canecas, xícaras, camisetas, sacolas, panos de prato, imagens tradicionais da santa, em papel e em gesso pintado, de vários tamanhos e preços.
Estive lá em 27 e 28 de julho passado, com Silvana Nascimento, perguntadeira de nascença, que indagou a mais de uma centena de pessoas sobre a nova imagem. Para devotos, Nhá Chica é preta e acabou-se! Foi instalada a desobediência religiosa. Disse a dona de um restaurante: “A minha Nhá Chica, e não vou trocar, é pretinha, em sua cadeira e com seu guarda-chuva. Diz que o papa mandou fazer daquele jeito, quase branca, de pé, de terço de ouro na mão e vestido florido. Não troco minha Nhá Chica pretinha nem por ordem do papa!”.
Nas missas de domingo, às 9h e às 11h, o santuário da Imaculada Conceição lotou até a escadaria, e o comércio de tudo com a imagem antiga da santa, até na loja do santuário, que não fecha nem nos horários das missas, é vigoroso. A nova imagem, cópia da de Osni Paiva, é rara. Só a vi em um lugar. O comerciante disse que não é vendável (!).
O legado de Nhá Chica é de fé e muito dinheiro. Doou para o patrimônio de Nossa Senhora da Conceição “casas, terrenos e fontes de água”, sob a guarda da paróquia de Santa Maria de Baependi, que, em 1955, designou às freiras da Congregação das Irmãs Franciscanas do Senhor cuidar da herança de fé e material que gera dinheiro para obras sociais.
Até para acender vela virtual/ecológica paga-se – uma moedinha no cofre aciona um sensor que acende a vela –, pois as velas de verdade são proibidas! Ah, usar o banheiro é de graça!
Numa retrospectiva da vida de Nhá Chica, ela nunca foi “pobre, pobre, pobre de marré deci”.
Optou pela filosofia da vida simples, que não é a penúria imposta pela pobreza. Da chácara, onde vivia com a mãe, tirava o sustento. Após a morte da mãe (1818), recebeu do irmão, Theotônio Pereira do Amaral, o escravo Félix, a quem alforriou, mas morou com ela até morrer, aos 80 anos (1883); com dinheiro próprio e de doações, construiu a igrejinha de Nhá Chica, em homenagem a sua Sinhá, a Imaculada Conceição, iniciada em 1865 e inaugurada em 8.12.1887, sob os acordes de um órgão caríssimo, comprado por ela no Rio de Janeiro, levado de trem até Barra do Piraí (RJ) e de lá até Baependi, num carro de boi, uma viagem que durou três semanas!
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Herdeira universal do irmão, falecido em 1861, recebeu uma fortuna e a usou para a caridade e para cumprir designação do testamento dele de doação de 200 mil réis para dourar o altar mor da igreja matriz de Mont Serrat (1862).
Nhá Chica ditou um testamento em 1.7.1888.
Seu espólio, cujo inventariante foi o monsenhor Marcos Pereira Gomes, vigário de Baependi, foi suficiente para um enterro “nos trinques”, de cujas despesas, no valor de 47 mil réis, consta até uma grinalda de porcelana francesa; e distribuiu para o cônego Custódio de Oliveira Monte Raso, o sacristão Francisco de Paula Mota Júnior e várias irmandades católicas 106 mil réis, totalizando 153 mil réis, em dinheiro vivo (um conto de réis valia oito gramas de ouro), conforme Passarelli (2013).
Nhá Chica praticou a simplicidade voluntária, era solidária com os pobres, material e espiritualmente, e socorria com a sua fé todas as pessoas que a procuravam. Nhá Chica, por seus méritos, é uma santa do povo, sempre-viva e imortal como a flor.
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Comentários
Bárbara Brandão
Sou de Baependi e concordo que a Igreja está explorando absurdamente a imagem de Nhá Chica, mas contra isso pouco podemos fazer. Os locais de peregrinação religiosas são locais de exploração e todo mundo ganha dinheiro em nome da fé. O que está acontecendo com Baependi, num grau nunca visto antes é exemplar. Mas também não há como controlar a fé do povo em seus santos.
Wilma Dias
Fátima a fé de Nhá Chica revela uma ligação forte do catolicismo popular com os santos do povo. Eu nunca fui muito de rezar, de ir à missa, mas a fé em Nhá Chica eu tenho porque ela nunca me deixou de me valer em todas as ocasiões. Ninguém é obrigado a acreditar, basta pedir e esperar o resultado, rápido.
ORAÇÃO À NHÁ CHICA
Glorioso Deus e Santíssima Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo, em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo e da Imaculada Conceição, Nossa Senhora, seja bendita a minha casa porque nela entrou esta oração da Beata Nhá Chica.
A Beata Nhá Chica, em nome de Maria, multiplicava laranjas e pode multiplicar a felicidade da minha casa.
A Beata Nhá Chica, por Maria Santíssima, curava os doentes e pode curar as minhas enfermidades também.
A Beata Nhá Chica, em nome de Maria, alimentava os pobres e pode alimentar-me sempre na necessidade.
Ela, por Maria Santíssima, fez a terra parar de tremer e pode parar as aflições e os temores que me atormentam.
A Beata Nhá Chica, em nome de Maria, chamava o povo para fazer as orações e pode também, em nome da Sagrada Mãe, chamar a paz para habitar em minha casa. Amém!
Antonio Domingues Lourenço
Muito bom os comentários, mas uma coisa é importante é a fé de cada um.
Letícia Martins
O turismo religioso, aquele turismo que tem por base a fé, é fonte de dinheiro para todas as religiões e para as cidades que possuem símbolos de fé. No entanto a religião católica romana sabe muito bem explorar a fé. No que não difere de outras denominações regiosas. Numa coisa concordo quando dizem a fé é uma fonte de dinheiro inesgotável para todas as religiões existentes.
Quanto à simplicidade voluntária de Nhá Chica destacada no texto, acho que a autora resgata um aspecto filosófico da vida de Nhá Chica hoje muito em moda e que tem sido abordado em artigos e livros.
Letícia Martins
Reproduzo comentário que fiz ao mesmo artigo no Blog Tá lubrinando:
Letícia Martins
8 de agosto de 2013 08:56
Cara Fátima Oliveira, o que tenho lido sobre simplicidade voluntária é taxativo que a santa Nhá Chica deu demonstrações de ser precussora da filosofia que embasa a simplicidade voluntária, já que dizem que a pobreza é involuntária e a simplicidade é voluntária, portanto uma escolha.Viver a simplicidade voluntariamente é realmente uma escolha. Foi o que fez a santa Nhá Chica.
Alexandre Bastos
Renato eu discordo de sua opinião que os três artigos são a mesma coisa. A não ser que eu seja um analfabeto funcional. São artigos sobre um mesmo assunto, Santa Nhá Chica, mas abordagens diferentes.
Do que entendi:
– o primeiro artigo: Fátima Oliveira: Nhá Chica é uma santa negra que nasceu escrava?
publicado em 14 de maio de 2013 às 12:09
http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/fatima-oliveira-nha-chica-e-uma-santa-negra-que-nasceu-escrava.html
Abodou o boato de que uma santa negra virou branca numa escultura e Fátima Oliveira não caiu no boato, disse que iria a Baependi conferir.
– o segundo artigo: Fátima Oliveira: Santa Nhá Chica, mestiça oriunda do estupro colonial
publicado em 31 de julho de 2013 às 10:42
http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/fatima-oliveira-5.html
Fátima Oliveira viu a santa e disse que é parda, logo, negra!
– o terceiro artigo, que é o que estamos discutindo: Fátima Oliveira: Nhá Chica não era pobre, adotou a simplicidade
publicado em 12 de agosto de 2013 às 14:52
Aborda o fervor religioso e os rios de dinheiro que corre na cidade de Baependi em nome da santa.
Compreendi que o comentário da Érica Batista é adequado e crítico.
Soraia Lemos
A simplicidade da beata do Sul de Minas
Nhá Chica sempre viveu de forma muito simples. Quando recebeu a herança do irmão, entendeu que era sua missão construir a igreja para Nossa Senhora da Conceição. Do ouro que ela recebeu, o que não foi gasto na capela, ela doou aos pobres que iam buscar sua ajuda. Usava praticamente a mesma roupa, vivia numa casa simples com poucos móveis e dormia em catre (cama rústica sem colchão).
http://g1.globo.com/mg/sul-de-minas/noticia/2013/05/nha-chica-sera-primeira-leiga-ser-beatificada-pela-igreja.html
Érica Batista
A viagem de Fátima Oliveira a Baependi rendeu bem, pois é o segundo artigo, que junto ao primeiro, totalizam três artigos sobre a Santa Nhá Chica. É muito, né? Acho não porque o que tantos artigos, de uma pessoa que nem religião tem, em meu entendimento constituem uma denúncia de como a Igreja Católica Apostólica Romana sabe se apoderar e meter a mão no dinheiro que gira no entorno de uma santa do catolicismo popular, como é o caso de Nhá Chica, que morreu há 118 anos (1895), aos 85anos. Deixou tudo o que possuía para a Igreja Católica, que passou quase meio século para começar a cuidar de sua herança espiritual. Roma quer saber só do dimdim… Mais nada.
renato
Você já descobriu o que a Igreja faz com o dinheiro que ganha.
Caríssima amiga, que perdeu o seu tempo lendo três vezes a mesma coisa.
E precisou três vezes para concluir… e ainda não sabemos se concluiu
certo.
Paulo
Com o dinheiro que entra lá eles estão construindo Hotel e adquirindo outros bens que a gente não sabe. mas certamente o objetivo principal desse povo é arrecadar dinheiro. E tem uma coisa, eles tem preconceito porque transformaram a Nhá Chica negra em branca. O papa Francisco nem deve ter ficado sabendo disso… Mas que coisa feia! Que papelão da igreja católica.
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