Carta aberta sobre as cotas na UFRJ
Ao contrário do que pretendem afirmar alguns setores da imprensa, o debate em torno de políticas afirmativas e de sua implementação no ensino universitário brasileiro não pertence à UFRJ, à USP ou a qualquer setor, “racialista” ou não, da sociedade. Soma-se quase uma década de reflexões, envolvendo intelectuais, dirigentes de instituições de ensino, movimentos sociais e movimento estudantil, parlamentares e juristas.
Atualmente, cerca de 130 universidades públicas brasileiras já adotaram políticas afirmativas – entre as quais, a das cotas raciais – como critério de acesso à formação universitária. Entre estas instituições figuram a UFMG, a UFRGS, a Unicamp, a UnB e a USP, que estão entre as mais importantes universidades brasileiras.
Em editorial da última terça-feira, 17 de agosto, intitulado “UFRJ rejeita insensatas cotas raciais”, o jornal O Globo assume, de forma facciosa, uma posição contrária a essas políticas afirmativas. O texto desmerece as ações encaminhadas por mais de cem universidades públicas e tenta sugestionar o debate em curso na UFRJ. Distorcendo os fatos, o editorial fala em “inconstitucionalidade” da aplicação do sistema de cotas, quando, na verdade, o que está em pauta no Supremo Tribunal Federal não é a constitucionalidade das cotas, mas os critérios utilizados na UnB para a aplicação de suas políticas afirmativas.
Na última década, enquanto a discussão crescia em todo o país, a UFRJ deu poucos passos, ou quase nenhum, para fazer avançar o debate sobre as políticas públicas. O acesso dos estudantes à UFRJ continua limitado ao vestibular, com uma mera pré-seleção por meio do ENEM, o que significa um processo ainda excludente de seleção para a entrada na universidade pública. Apesar disso, do mês de março para cá, o debate sobre as cotas foi relançado na UFRJ e, hoje, várias decisões podem ser tomadas com melhor conhecimento do problema e das posições dos diferentes setores da sociedade em relação ao assunto.
Se pretendemos avançar rumo a uma democracia real, capaz de assegurar espaços de oportunidades iguais para todos, o acesso à universidade pública deve ser repensado. Isto significa que é preciso levar em conta os diferentes perfis dos estudantes brasileiros, em vez de seguir camuflando a realidade com discursos sobre “mérito” (como se a própria noção não fosse problemática e como se fosse possível comparar méritos de pessoas de condição social e trajetórias totalmente díspares) ou sobre “miscigenação” (como se não houvesse uma história de exclusão dos “menos mestiços” bem atrás de todos nós).
Cotas sociais – e, fundamentalmente, aquelas que reconhecem a dívida histórica do Brasil em relação aos negros – abrem caminhos para que pobres dêem prosseguimento aos seus estudos, prejudicado por um ensino básico predominantemente deficiente. Só assim os dirigentes e professores das universidades brasileiras poderão continuar fazendo seu trabalho de cabeça erguida. Só assim a comunidade universitária poderá avançar, junto com o país e na contra-mão da imprensa retrógrada, representada por O Globo, em direção a um reconhecimento necessário dos crimes da escravidão, crimes que, justamente, por ainda não terem sido reconhecidos como crimes que são, se perpetuam no apartheid social em que vivemos.
Rio de Janeiro, 19 de agosto de 2010
Assinam os professores da UFRJ:
Alexandre Brasil – NUTES
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Amaury Fernandes – Escola de Comunicação
André Martins Vilar de Carvalho – Filosofia/IFCS e Faculdade de Medicina
Anita Leandro – Escola de Comunicação
Antonio Carlos de Souza Lima – Museu Nacional
Beatriz Heredia – IFCS
Clovis Montenegro de Lima – FACC/UFRJ-IBICT
Eduardo Viveiros de Castro – Museu Nacional
Denilson Lopes – Escola de Comunicação
Elina Pessanha – IFCS
Fernando Alvares Salis – Escola de Comunicação
Fernando Rabossi – IFCS
Fernando Santoro – IFCS
Flávio Gomes – IFCS
Giuseppe Mario Cocco – Professor Titular, Escola de Serviço Social
Heloisa Buarque de Hollanda – Professora Titular, Escola de Comunicação/FCC
Henrique Antoun – Escola de Comunicação
Ivana Bentes – Diretora, Escola de Comunicação
Katia Augusta Maciel – Escola de Comunicação
Leilah Landim – Professora – Escola de Serviço Social
Leonarda Musumeci – Instituto de Economia
Lilia Irmeli Arany Prado – Observatório de Valongo
Liv Sovik – Escola de Comunicação
Liz-Rejane Issberner – FACC/UFRJ-IBICT
Marcelo Paixão – Instituto de Economia
Marcio Goldman – Museu Nacional
Marildo Menegat – Escola de Serviço Social
Marlise Vinagre – Escola de Serviço Social
Nelson Maculan – Professor titular da COPPE e ex-reitor da UFRJ
Olívia Cunha – Museu Nacional
Otávio Velho – Professor Emérito, Museu Nacional
Paula Cerqueira – Professora Instituto de Psiquiatria
Paulo G. Domenech Oneto – Escola de Comunicação
Renzo Taddei – Escola de Comunicação
Roberto Cabral de Melo Machado – IFCS
Samuel Araujo – Escola de Música
Sarita Albagli – Professora PPG-FACC-UFRJ/IBICT
Silvia Lorenz Martins – Observatorio do Valongo
Suzy dos Santos – Escola de Comunicação
Tatiana Roque – Instituto de Matemática
Virgínia Kastrup – Instituto de Psicologia
Silviano Santiago, Professor emérito, UFF
Comentários
Fabio_Passos
Claro que é!
A rede globo é o sustentáculo do regime de segregação no Brasil.
ozeias laurentino
Temos que pagar nossas dividas sociais, sem ter vergonha da história que essa elite fez com os negros, os indios, que construiram e deram terras, para termos esse grande BRASIL. aqui em GOIÁS a mídia escondeu a opinião do Demóstenes.
Lu Busis
Meu respeito a esses professores que defendem as cotas na UFRJ. O Brasil precisa corrigir o erro histórico de mais de 500 anos de segregação. Segregação sim, essa é a palavra certa. Nós, também, temos aqui um "apartheid". Condição moral, física e intelectual, todos têm, mas, os egressos de escolas mais fracas não tem o conteúdo formativo necessário para competir com os alunos de escolas particulares de alto custo e padrão. É aí que entra o valor das cotas. Elas devem existir sim. Os menos favorecidos socialmente, os afrodescendentes, devem ter o direito às universidades públicas e os filhos dos já priviligiados, (como os meus filhos que estudam em excelente escola desde a primeira infância), que paguem as particulares.
Julio Silveira
Desde que ví uma reportagem em que alguns mauricinhos bossalaites e um diretor da globo do grupinho, brincando de atirar ovos nos cidadãos passantes da rua, nas imediações em que residima, sem que tivesse nenhuma repercussão na empresa, percebi que são realmente discriminadores e hipocritas.
Cesar Ferreira
Esse assunto é sério e não deveria ser discutido falaciosamente… No caso defender a política de cotas discutindo o caráter questionável de um interlocutor contrário a essa política (a Globo).
Não é por ai…
Eu estudei em escola pública e venho de classe média baixa.
Não tinha recursos para pagar cursinhos e estudei por conta própria para entrar para engenharia na UFRJ (mal tinha dinheiro para pagar a passagem de ônibus quanto mais pagar faculdade particular).
A política pública que deve existir é garantir condições econômicas mínimas para as famílias não precisarem colocar seus filhos para trabalhar e haver condições de segurança pública para todos.
Tendo condição de ficar livre para estudar, qual desculpa sociológica pode ser dada?
O fundamental para a democracia do acesso não é essa coisa de cotas, mas passa por algo que a elite lutou e conseguiu acabar para beneficiar seus filhos… O VESTIBULAR UNIFICADO para as universidades públicas.
Se você é filho da elite carioca, por exemplo, vai pagar os melhores cursinhos e fazer vestibular para UFRJ. Agora se você é pobre e estuda do jeito que dá, passar pra UERJ já está bom demais.
Então se as datas do vestibular da UERJ e da UFRJ coincidirem, o que você faz?… Tenta com mais chance para UERJ ou arrisca para UFRJ?
Lógico que essa “opção” é uma forma de pré-filtragem que beneficia os filhos dos mais ricos. E isso os politicamente corretos não se dão conta de discutir.
Eu me lembro bem desse debate nos anos 90… A elite (mídia) argumentava que nos paises desenvolvidos (EUA) não existia vestibular unificado; eu ouvia e me perguntava… O Japão não é país desenvolvido???
Acontece que dar cotas para quem é de uma suposta minoria é um álibi perfeito para encobrir o crime de terem acabado com o vestibular unificado das universidades públicas.
Eu não quero cotas, eu quero todas as vagas.
Luis
Naquele tal livrinho GOTA DE SANGUE – HISTORIA DO PENSAMENTO RACIAL, o tal do "Demérito" falou, falou, falou tanto, de tanta coisa, tantos lugares e se "esqueceu" do problema israelense/palestino. É o preço que se paga para ser apresentado como o bam-bam-bam da "cocada-preta"?
Carlos
"contra-mão da imprensa retrógrada, representada por O Globo"
Congratulações aos professores.
Wagner
Não só a GLOBO, com a BAND tb adora o Demérito. è ma figurinha carimbada daquela Emissora.
Marco Vitis
A revista Veja já tem entre seus principais acionistas aquela empresa sulafricana do Apartheid.
Ana Lucia
Ali Kamel e Demetrio Magnoli "Não Somos Racistas".SE o Brasil é a 8a economia do mundo e pretende ser a 5a, com certeza tem condições técnicas e financeiras para oferecer ensino de qualidade a todos os brasileiros em todas as séries e níveis.O Brasil é único país do mundo que desperdiça talentos humanos, não valoriza considerável numero de estudantes que querem cursar universidade. Se a USP é uma universidade pública, deve dar o exemplo de universalização de acesso e ensino.Os pobres (impostos) pagam para ricos estudarem na USP
Mário de Oliveira
Eles preferem o "Demérito Malignoli"!!!
jaderson
Um dia desses o JN trouxe uma materia sobre a aprovação de cotas por critérios sociais na UFRJ. E, é claro, depois pôs um tal sociólogo demérito Magnólia para comentar. Sem que cotas raciais estivessem em questão, lá veio ele para se posicionar contra elas.
Ed.
O Globo está branco de medo que a coisa fique preta e tenha de amarelar no futuro…
Riri Farinha
Sensacional. Vc tá mais do que inspirado: já anteviu o breve futuro. Abs, Riri.
Nilva
E hoje ainda ouvi da minha médica que o Jornal Nacional é chapa-branca e só faz elogios ao Lula.
Mostrei a ela que é bem ao contrário. Que o PIG faz é campanha contra o governo federal e esconde
as falcatruas dos demo-tucanos. Ela, sem querer, concordou comigo. Mas, como boa paulistana,
não vota no PT. Tudo bem. Pelo menos disse que vai prestar mais atenção na mídia.
José Paulo
Não adianta, Azenha, a Globo troca toda essa lista de notáveis pelo Demétrio Magnoli e ainda leva de brinde o demo racista Demóstenes Torres
Renan
Me fez lembrar quando a UFMG começou a publicar em seu site respostas a algumas acusações do jornal Estado de Minas…
viva a internet!
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