por Adelina França
Em 1895, Gustave Le Bon, médico, sociólogo, psicólogo e visionário, afirmou o seguinte sobre as sociedades do futuro:
“Em que idéias fundamentais se vão basear as sociedades que sucederão a nossa? Por enquanto, não o podemos saber. Mas podemos prever que terão que contar com um novo poder – último poder soberano da idade moderna: o poder das multidões. […] No momento em que as nossas antigas crenças vacilam e desaparecem, em que os velhos pilares das sociedades desabam, a ação das multidões é a única força que não está ameaçada e cujo prestígio vai sempre aumentando. A época em que estamos a entrar será, na verdade, a era das multidões. (Psicologia das Multidões, 2008)
Le Bon iniciou uma linha de pensamento que seria mais tarde desenvolvida por Freud e depois por Jung, nos conceitos de consciência individual e consciência coletiva, respectivamente.
Assistimos no momento a uma reação social, não só da juventude, mas da sociedade brasileira a questões ainda pouco claras. Aumento na tarifa dos ônibus, obras da Copa do Mundo, somados a outros fatores de fundo e estruturais envolvendo áreas de responsabilidade do Estado, têm levado milhares às ruas no país todo e nas colônias de brasileiros no exterior.
Até bem pouco tempo, se falava do desinteresse dos jovens pela política e da apatia do povo brasileiro sobre questões a ela relacionadas. O que fez com que as pessoas se levantassem neste exato momento? Que questões estão envolvidas no descontentamento geral?
Vários analistas se arriscam a levantar hipóteses de causas, desde os fatores conjunturais aos estruturais. O Instituto Datafolha aponta, em pesquisa, a falta de confiança dos paulistanos nas instituições governamentais e instrumentos democráticos. De dez anos para cá, o prestígio da Presidência e do Ministério caiu de 51% para 19%.
Em relação ao Congresso Nacional, o índice dos que consideram que a casa legislativa não tem prestígio subiu de 17% para 42% (Folha, 19.06.2013, p. C8). Outros apontam para a falência do modelo de inclusão social através do consumo, levado a cabo principalmente pelas gestões Lula.
Ao mesmo tempo, uma característica dos movimentos jovens em todo o mundo e nas manifestações que temos presenciado também é a horizontalidade e recusa à liderança. No caso de São Paulo, na segunda-feira (17), as imagens das multidões mostradas pelas emissoras de TV se assemelhavam a um imenso monstro acéfalo, que não sabia se subia ou descia as grandes vias metropolitanas.
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Aos poucos as pessoas foram se espalhando pela cidade e a marcha viu sua força inicial ser diluída em três ou quatro passeatas. Os próprios jovens durante as manifestações reclamavam da falta de direção do movimento e do tempo que haviam “perdido” sem saber que rumo tomar.
O que está sinalizado – para além do óbvio – na recusa de uma liderança ao movimento? Reação contrária à política partidária, denúncia da “corrupção política” e do desinteresse do Estado pelas questões sociais: saúde, educação, transporte, são alguns dos sinais de descontentamento identificados. Todos os manifestantes, munidos de seus celulares falavam, fotografavam e trocavam orientações e impressões, trazendo uma unidade e coesão do processo forjada em um dos símbolos do individualismo: a telefonia celular.
Pensando novamente em uma consciência política coletiva, temos algumas etapas ou fatores apontados pelo cientista político e professor de Psicologia Social na PUC-SP e Unicamp, Salvador Sandoval, no seu modelo de consciência política (1986). O inimigo comum é evidente: o Estado; o desejo de agir coletivamente era também evidenciado pela magnitude da ação.
Existe uma identidade coletiva presente – somos todos brasileiros descontentes, porém movidos por um sentimento generalizado de impotência política nos moldes tradicionais. Os interesses são coletivos – por se expressarem coletivamente – mas qual seria o desejo subjacente? O fortalecimento do SUS, ou seguro saúde privado para todos? Transporte coletivo eficiente ou uma cidade que permita o trânsito dos milhares de carros novos?
A polêmica “nova classe média” (ou a classe trabalhadora ascendente, como diria Marilena Chauí) quer o quê? Ser classe média e ter todos os produtos individuais disponíveis para o consumo, também individual? E onde é que está o coletivo? Onde é que estão os interesses societários? Divisão, compartilhamento dos espaços públicos, dos bens e recursos públicos, das políticas públicas para o interesse público e não privado. Os contrastes são evidentes, mas ainda não conscientes. E não representam a bandeira de todos. A revolução à la Caetano, “luxo para todos”, só combina com música.
Captamos mensagens de todo o mundo, e sensações e sentimentos vão sendo armazenados na memória coletiva e processados por meio de um descontentamento difuso. Existe um desejo de uma nova ordem, mas ainda não se traduziu em proposições. O que está posto é apenas um não. Assim não! O comentário mais honesto que li foi de Antonio Prata: “… ninguém está entendendo nada” (Folha, 19.06.2013). Imersos que estamos no contexto, porém no caminho e na possibilidade de uma consciência que espero, seja coletiva.
Mas, enquanto nossas crenças e valores forem guiados por anseios privados e individuais – apesar das mobilizações coletivas – nada será revolucionado, como diria Le Bon.
Adelina França é doutoranda em Psicologia Social, membro do Núcleo de Psicologia Política da PUC-SP, colaboradora da Universidade de Orebro, Suécia e pesquisadora sobre a temática Participação e Consciência Política da Juventude. Atua profissionalmente como consultora das Nações Unidas.
Leia também:
Yuri Franco: Direita quer diluir reivindicações para não pagar a conta
Comentários
Jose Mario HRP
Aos poucos a globo vai direcionando os protestos contra o governo federal, apesar de que são as prefeituras que são os alvos principais dos fascistas.
Ontem vandalizaram a de Campinas e deixaram vário guardas feridos.
O caso do Itamaraty é especialmente triste, pois o prédio é um dos mais artisticos e bonitos da capital, longe está a massa do significado na arquitetura dessa obra prima de Niemeyer.
Jorge Souto Maior: A redução da tarifa e os trabalhadores – Viomundo – O que você não vê na mídia
[…] Adelina França: O poder das multidões […]
Urbano
Quanto é empregado com justiça e inteligência é uma verdadeira obra-prima.
Mário SF Alves
???
Bernardino
o TALVEZ SAIU COM S por engano meu!!
Bernardino
J.SOUZA,você como eu aqui mesmo neste BLOG democratico ja cansamos de bater duro neste governicho Pseudo esquerdita do PT e Congeneres e eles arrogantemente desdenhavam todas advettencias feitas.Tipico de quem esta gozando as BEnesses do Poder.Agora meu caro a conta chegou e SALGADA estou feliz de ver traidores com a cara no CHAO e sem rumo.E digo mais dificilmente vencerao as proximas eleiçoes,Pois o pior COvarde é aquele que volta atras na tentativa de salvar a propria PELE.
Quem sabe uma nova liderança surja com espirito Guerreiro do proprio meio politico,talves ao estilo REQUIAO.É esperar pra VER!!!
Maria Izabel L Silva
Professora. Por que a classe media branca endinheirada quer boicotar a Copa do Mundo? E só agora, a 1 ano do evento, com tudo pronto? Por que tanta perversidade? Foram e serão criados milhares de empregos.Um evento como esse bota a economia prá cima. O Brasil não é a África do Sul onde o futebol não existia antes da Copa do Mundo e continuou não existindo. O Brasil é o pais do futebol. Antes e depois dessa Copa. Os belos, limpos e modernos estádios vão ficar sempre lotados para os grandes pequenos clássicos. É uma tradição do nosso povo. O PT não inventou isso. A ultima Copa no Brasil foi em 1950! Meus pais nem se conheciam ainda e por isso, eu não existia nem como projeto de gente. E agora, eu e milhares de brasileiros temos a oportunidade de ver uma Copa no nosso pais. A tigrada não admite a felicidade do povo. E muito menos que essa felicidade seja proporcionada por um governo do PT. Dilma vai abrir a Copa de 2014. E quero ver quem vai impedir isso.
Alexandre Aguiar
Os protestos que ganharam as ruas merecem reflexão e estão muito mais além do que simples reivindicações tarifárias, é evidente. Devem estar a quilômetros de distância disso. Porque, senão, irão se transformar em algo mesquinho, frágil e inútil.
Existe um desencanto do encantamento, isso é facilmente percebido. Quem já esteve nas ruas, naturalmente se emociona com aquela gente caminhando e cantando, envolvida e se envolvendo. A geração do êxtasi e das baladas pós-Coca-Cola ainda não havia sentido o cheiro do gás de pimenta e nem se oferecido de alvo às balas de borracha, tampouco saberá um dia o que é a picada de uma baioneta, mas ela precisava ir para as ruas transgredir a ordem. Mesmo que seja para aparecer no Facebook. É normal de cada geração e um rito de passagem da juventude. E as pessoas envolvidas querem um Brasil melhor porque sabem que já conquistamos muitas coisas e precisamos avançar mais ainda. Mas, o quê falta conquistar?
Há um potencial enorme em quem está nas avenidas e praças clamando por melhorias em diversos setores da sociedade, mas se percebe naturalmente que ainda não há uma ideia clara de que pontos atacar. Sugerem-se pautas aqui e ali, muito mais por força de não se perder a oportunidade de que algo seja planejado e definido. Talvez seja até presunção de quem já esteve ali, de quem já passou por tudo isso, esse ceticismo.
A força da mídia, por sua vez, para não perder a oportunidade de firmar contratos com mais patrocinadores, caiu espertamente do lado de lá do cordão de isolamento e já estabeleceu dia, hora e lugar para diversas manifestações, com direito a criar heróis no Fantástico.
Eu tenho feito, contudo, algumas provocações a simpatizantes do movimento espalhados por aí, para ver o que é que sai. Na maioria das vezes faltam argumentos sólidos. Aliás, faltam argumentos. Muito mais um discurso arrivista ou preconceituoso contra quem já dispõe de um posicionamento. No geral, o conteúdo é fraco.
Nota-se uma necessidade de exigir alguma coisa, mas que é incapaz de ser expressa, talvez por falta de traquejo político e de análise por parte dos que estão acordando agora. O simples CONTRA ISSO TUDO QUE ESTÁ AÍ é vago. Era um mote dos anos em que grande parte da sociedade estava à margem, sem referências, ou quando ainda engatinhava nos processos de reivindicação após a queda do regime militar. Hoje este discurso solto e vazio não cabe. Já passamos dessa fase. Embora muita gente abomine o país, muitos torçam o nariz para as conquistas sociais, empedernidos revoltados não reconheçam os avanços que obtivemos, o Brasil está muito longe daquela terra de ninguém e covil dos celerados, embora, também esteja ainda perto de voltar a ser tudo aquilo. E constata-se, por outro lado, que ainda há muito o que fazer. É um processo dialético que, parece, será interminável.
Um movimento que se quer sem partidos, sem líderes, sem ideologia e até sem leis é uma manifestação Miojo. Uma micareta de cara feia. Enche a sala de belos sons e bom cheiro, mas que se esvai à primeira lufada de vento bem soprada. Por falta-lhe consistência. Falta o conhecimento da História, das diretrizes ideológicas.
A mobilização de boa parte do país não pode se firmar apenas na revolta e na frustração coletiva, por algo que queria e não teve. Fica parecendo birra de criança mimada. Para ser efetiva e se garantir as conquistas bradadas nas ruas precisa-se de algo mais, exatamente da boa e velha política, que muitos ali abominam, sem sequer perceber que estão a fazer política e com uma boa dose de ideologia. Não é política partidária e nem manter os vícios que agora se contestam. É a arte do relacionamento entre os humanos.
O Brasil cresceu. Já não é mais um moleque adolescente. Está no meio do mundo e sendo referência para muitas coisas. Temos, então, um compromisso para fazê-lo ir ainda mais longe, um desafio de transformá-lo num adulto amadurecido e consciente e que não se permita que vire um velho resmungão e caduco.
O Brasil não precisa apenas acordar, mas se manter lúcido.
Bacellar
Micareta de cara feia foi boa!
leia
bom de ver esse vídeo
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=XT8TOpAOE5o#at=156
J Souza
O artigo é muito bom. É por ai!
O povo quer é serviços, principalmente os públicos, de boa qualidade, e a preços que não sejam extorsivos! O povo está dizendo mais uma vez “BASTA” aos serviços públicos privatizados, que iniciaram com FHC, continuaram com Lula, e que estão sendo acelerados com Dilma.
E o texto é revelador, pois mostra como funciona a psiquê humana que, ou neurotiza, ou desabafa… E agora resolveu desabafar!
Só discordo de uma coisa: o inimigo comum não é o Estado, é o PODER! O que o povo quer é exatamente que o Estado cumpra o seu papel, e não que seja um “apêndice” dos poderosos!
P.S.: Nenhum governo pode dizer que “foi pego de surpresa”, pois nós avisamos isso aos governos toda hora nos blogs e nas redes sociais, mas os “gênios” da comunicação só acreditam no que ouvem da Globo e do Datafolha!
Maria Carlotto: Nem golpe nem revolução – Viomundo – O que você não vê na mídia
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