O golpe de 64 que ainda não terminou
Carlos Tautz*
Já se passaram 49 anos desde que empresários e militares golpearam o presidente João Goulart, mas ainda há por ser desvelada toda a economia política da derrubada de Jango, que prometia apenas limitados ajustes distributivos no padrão de acumulação vigente à época, e a sustentarem economicamente a ditadura por 25 anos. A história carece tanto mais ser esclarecida quanto mais se percebe que várias das estruturas de acumulação que contribuíram para o golpe cresceram e se adaptaram de lá para cá, ainda operam nos dias de hoje e são decisivas para manter um modelo que concentra renda e riqueza e que manobra a forma subalterna como o Brasil sempre se enquadrou na economia mundial. É como se o golpe de 1964 ainda não tivesse terminado.
Um emblema dessa estrutura resistente, que ganha vitalidade e escala após o golpe, foi o senador José Sarney (PMDB-AP). De uma UDN com vernizes nacionalistas antes do golpe, ele passa a expressão maior de uma oligarquia vinculada aos setores da energia, da siderurgia e da extração mineral na Amazônia, que permitiu a grandes agentes econômicos, como a Vale, inserirem-se internacionalmente. Sarney sempre mediou tão bem as relações entre o Estado brasileiro e estes setores que chegou à Presidência da República e, quando saiu dela, continuou a manejar interesses, de tal forma que alcançou a Presidência do Senado e do Congresso, reunindo ao seu redor tanto poder político e econômico que todos os presidentes que o sucederam beijam-lhe as mãos. Até hoje.
Sua forma de agir é a convencional: aloca, aqui e ali, seus representantes em postos do Estado, com capacidade de decisão sobre os destinos de montantes expressivos de recursos públicos. Entre outros, é protegido de Sarney o engenheiro José Muniz Lopes, atual diretor da Eletrobras, que já presidiu a holding e as suas subsidiárias Eletronorte e Chesf. Muniz é um dos mais longevos funcionários da cúpula do setor – em 89 já presidia a Eletronorte – e um histórico defensor da megahidrelétrica Belo Monte (orçada em R$ 24 bilhões, dos quais 22 bilhões são fornecidos pelo BNDES), desde quando ela se chamava Kararaô, nos anos 1980.
É mais ou menos com esse modo de operar que muitas imbricações entre capital privado e dimensões do Estado brasileiro se perpetuam desde a queda de Goulart, que foi deposto, simbolicamente, poucos dias após divulgar no histórico comício da Central do Brasil a série de medidas que apontavam para alguma distribuição da riqueza no Brasil. Na Central, Jango listou algumas mudanças – estatização da cadeia produtiva do petróleo, reforma agrária à beira de rodovias, limites à remessa de lucros etc -, mas caiu por não querer perceber que não tinha suficiente apoio econômico e político para fazê-lo. E, porque, também, não observou que àquela altura empresários e oficiais de alta patente já fechavam suas conexões para incluir o Brasil definitivamente, e de forma subalterna, nas franjas do capitalismo internacional.
É por esta razão, provavelmente, que as elites brasileiras cometeram o crime de lesa-pátria de permitir que navios da IV frota da Marinha dos EUA estacionassem na costa brasileira, para entrar em ação em caso de fracasso dos militares golpistas. Anos depois, a IV frota teve suas atividades suspensas, mas foi retomada há poucos anos, porque Cuba permanecia como problema maior para os EUA na América Latina, Hugo Chávez recuperava o controle sobre o petróleo da Venezuela, que em boa medida alimenta a petroquímica estadunidense, e, talvez, porque há muito os técnicos já aventavam a hipótese, confirmada há pouco mais de cinco anos, de existirem enormes reservas de óleo na costa brasileira.
Toda essa história ainda está por ser incluída numa agenda de debates nacionais. Precisamos conhecer nomes e sobrenomes daqueles que, fardados ou não, contribuíram para aprofundar um modelo econômico que sempre manteve o Brasil em um infeliz lugar entre as piores distribuições de renda do planeta.
Nesse sentido, abrir arquivos não trará à tona apenas os nomes dos responsáveis pelas bárbaras torturas que abateram muitos e muitas patriotas, nem servira somente como exercício diletante de recuperação da história. Escancarar documentos oficiais mostrará quem, no governo, de fato cometeu crimes de lesa-pátria e se articulou com interesses empresariais, do Brasil e de outros países, para garantir uma economia baseada, até hoje, na extrema extração de mais-valia.
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Tomem-se como exemplos alguns casos históricos, cujos personagens não saem das primeiras páginas. Um deles ganha notoriedade articulando o empresariado brasileiro ainda no planejamento do golpe. É o economista Delfim Netto, titular de vários Ministérios da ditadura, e um dos principais negociadores da dívida externa brasileira (aliás, por que até hoje não foi realizada a auditoria da dívida, como determina a Constituição de 1988?). Delfim é uma eminência desde 64 e até hoje desfruta da intimidade de presidentes e presidenta – na terça (8), até almoçou com Dilma Roussef.
Talvez Delfim também pudesse, na Comissão Nacional da Verdade (CNV), no Congresso ou em algum fórum público corajoso o suficiente para convocá-lo, revelar quais foram os termos da enorme contratação de dívida externa feita pelo Brasil para construir a usina Binacional Itaipu, uma obra tão impactante sob qualquer ângulo que se olhe, que só se viabilizou porque tanto aqui quanto no Paraguai vigoravam ditadores ferozes. A propósito, o Brasil tem em Itaipu a oportunidade histórica de desfazer enorme injustiça histórica contra o povo paraguaio, que não tem autonomia para decidir por si o que fazer com a totalidade da energia produzida por Itaipu. Rever o tratado de Itaipu para garantir os benefícios equânimes da produção de energia para ambos os países é um dever do Brasil. Mesmo que o Itamaraty se oponha.
Voltando a Delfim: se de fato ele fosse convocado, certamente estaria a caráter para esclarecer, como apontam os trabalhos da CNV, qual foi o papel que no golpe e na ditadura tiveram os maiores grupos econômicos (e de suas entidades, como a Fiesp e a Febraban), na repressão política e o que eles ganharam dos governos militares em troca do financiamento aos sistemas policiais paralelos como a Operação Bandeirantes.
A lista de eventos históricos que precisam ser finalmente contados é extensa e urgente, se o Brasil quiser se redimir diante de sua própria sociedade e projetar um presente e um futuro mais justos. A ética e a justiça históricas exigem que compreendamos a horrível inflexão econômica que houve no Brasil em 1964 e seus reflexos até os dias atuais.
*Jornalista, coordenador do Instituto Mais Democracia – transparência e controle cidadão de governos e empresas
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Comentários
JORGE
Concordo em gênero, número e grau com o autor.
O Brasil e o povo brasileiro merecem que a história seja escrita para cidadãos politizados.
Chega de histórias de engodo como Tiradentes, Canudos, Zumbi dos Palmares e tantas outras contadas para boi dormir.
Um país independente merece ter um povo independente. Que se explodam as Redes Nacionais de Comunicação. E mais, a ditadura udenomitar continua viva no Judiciário, nos meios de comunicação e no Ministério Público. Filho de peixe, peixinho é.
O Brasil é bonito demais e não merece a imbecilização que vê todos os dias, de A a Z.
Um abraço.
Simas Sampaio
As elite agora é nóis, companhero.
Mardones
Mais vergonhoso é o Brasil assistir a justiça nos seus vizinhos e isso ser prontamente ignorado por ‘jornalistas’, ‘políticos’, ‘intelectuais’ e ‘artistas’ que hoje dão a vida por um minuto no PIG.
Moacir Moreira
Em 1985, a gerência militar deu lugar à gerência civil, menos truculenta, mas ambas compromissadas com o envio de lucros para a matriz imperial.
FrancoAtirador
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Na Ditadura Militar (1964-1985) engavetavam-se pessoas;
Depois, na década de 1990, passaram a engavetar processos;
Agora, no início do século 21, engavetam-se comissões…
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H. Back™
Daqui a uns tempos engavetarão o nossa soberania. Prefiro ser engavetado pelos Estados Unidos. rs
Valmont
O tema do artigo é tão rico que daria um grande livro. Nesse livro, não poderia faltar um enorme capítulo sobre O PILAR INTOCÁVEL DA DITADURA: A REDE GOEBBELS DE MANIPULAÇÃO.
O plim-plim que soa até hoje em milhões de lares é como um estigma incessante dos anos de chumbo, tempos em que o Cidadão Kane tupiniquim ajudou a instalar essa gigantesca máquina de controle e manipulação da informação, a serviço dos senhores do norte.
Muito acima de delfins e sarneys, os marinhos são a parte mais bem-sucedida dessa ditadura que permanece até hoje arraigada como um pilar central no seio da sociedade brasileira. Valendo-se de todos os recursos tecnológicos que as telecomunicação alcançaram no mundo, os “big brothers” permanecem incólumes no comando, submetendo milhões de brasileiros aos caprichos do capital transnacional e à sua monárquica vontade.
Enquanto houver marinhos e rede goebbels nos bastidores do poder, não haverá democracia real no Brasil.
J. Gilberto
É muito bom encontrar a boa e fundamentada escrita que conheci nos anos 90. Pense em elabora uma série de artigos sobre as privatizações dos anos 80/90 para que os mais novos possam conhecer os embates contra o autoritarismos implantados nas empresas estatais que são resquicios da ditadura. Até hoje pendura-se este resquicios na Petrobrás. Há tempo que não lhe vejo nas rodas de samba do Rio para uma boa gelada.
Abraço
Gilberto
Carlos Tautz
Oi, Gilberto, sim, diminui muito minhas idas ao samba, porque o trabalho e a família exigem cada vez mais a minha presença. Mas, é só não marcar que a gente se encontra. Um abraço forte e frtaerno, Tautz
francisco pereira neto
Enquanto a Comissão da Verdade fica patinando para, só e apenas, saber o que aconteceu na ditadura de 64, sem ter a autorização do STF que anistiou a Lei da Anistia, como bem diz PHA, para poder apontar os assassinos conhecidos e ainda vivos, e denunciá-los para serem julgados, eu tenho as minhas convicções do que ocorreu naqueles tempos e o que poderia ser feito para que não acontecesse aquele desastre para o país.
Faltou para Jango, Brizola e todos aqueles que participavam do governo, maior sabedoria e serem menos afoitos como foi Brizola ao estatizar a ITT, quando governava o RS. Não vamos discutir os méritos das ação.
Estão disponíveis na internet muitos vídeos que tanto Kennedy quanto Lyndom Johnson, não conheciam Jango e nem Brizola e muito menos o que eles pensavam sobre as políticas que queriam implementar.
As versões que eles recebiam do que se passava no país eram apenas do embaixador Lincoln Gordon, o maior brazilianista da época, que estava mancomunado com os empresário nacionais e estrangeiros, associações, como Fiesp, imprensa, Folha, Globo, Estadão e distorcia tudo para que o governo dos EUA interviesse, pois segundo ele, eram todos comunistas.
Nesse material, está claro que, se não me engano, Johnson chegou a dizer que não iria permitir que se instalasse uma China na América Latina.
Tudo isso num contexto que envolvia a revolução vitoriosa de Cuba, a crises dos mísseis que Kennedy teve que agir e quase leva o mundo numa guerra nuclear.
A condecoração de Che Guevara pelo então presidente Jânio Quadros e sete meses depois de assumir a presidência, renucia.
Faltou para Jango ir conversar pessoalmente com o governo dos EUA, principalmente com Kennedy, e expor as suas intenções.
Naquele momento, poderia ceder os anéis para não perder os dedos, porque o ambiente mundial polarizado com a guerra fria, os norte americanos iriam querer garantias e fé nos compromissos do governo brasileiro.
No meu entender faltou traquejo político para poder superar aquela situação e pedir imediatamente a substituição do embaixador norte Lincoln Gordon.
Faltou o governo Jango, pelo menos, amanssar a direita udenista e a elite raivosa que se exacerbou no governo Vargas, de onde saiu Jango como ministro do Trabalho para virar presidente, depois do passa moleque que Jânio aplicou na UDN, se achando que finalmente tinha chegado ao poder.
Moacir Moreira
Nao existe diálogo com os ianques.
Ou é do jeito deles ou não é.
Veja o que fizeram com o finado Kadaffi.
francisco pereira neto
Tem sim Moacir. Lula é exemplo disso.
A bem da verdade é que tinha aqui como embaixador ianque, um traste, bandido chamado Lincoln Gordon. E todo mundo do governo Jango aceitaram esse vagabundo conspirador.
J.Carlos
A precipitação de vários golpes na América Latina causando danos à economia dos países golpeados, inspirados e executados pelos EUA, estão detalhadamente narrados nos livro “Fórmula para o caos”, do historiador Moniz Bandeira. Tudo com base em documentos estadunidenses recentemente liberados e disponíveis na George Washington University.
Nei Glades de Francisco
Gostaria de receber, se possível via e-mail, informações sobre o envolvimento de Antonio Carlos Magalhães, ACM,no golpe de 64 e como ele aumentou sua fortuna a partir deste momento e por sua participação.
Horridus Bendegó
A mais recente vítima dessa “economia política” da ditadura que ainda vige foi o jovem paulista Vitor Hugo, assassinado por um menor desvalido social, genuína criatura desse apartheid que aqui alimenta tragédias!
Criminosos de lesa a pátria!!!
Noé
Nenhum governo pós-ditadura teve coragem suficiente para botar o dedo na ferida. Esperava-se que o PT fizesse isso, como aliás acenava ao povo que faria caso chegasse ao poder. Frustração geral. Nem mesmo a reforma agrária tiveram coragem para realizar. A Dilma se enganjou na resistência à ditadura, sendo até presa e torturada, pra quê afinal!!!
Fabio Passos
Nao ha duvida.
Nossa historia continua escondida. Muitos dos patrocinadores e financiadores da ditadura permanecem nas sombras. Conhecemos os retrocessos sociais que ainda hoje comprometem nosso desenvolvimento… mas temos o direito de saber em detalhes como a direita construiu o desastre.
Julio Silveira
A cidadania desvinculada mas critica tem de se conformar. Entra governo sai governo das mais diferentes escolas de samba ideologicas, e esses intocaveis são mantidos como necessários para dar sustentação politica.
Ora, sustentação politica, governantes se submetem face o controle burocratico que esses elementos detem em instituições que deveriam ser democraticas, que deveriam ser oxigenadas para permitir a lisura e a liberdade politica de governos comprometidos com seus discursos. Fazemos de conta que acreditamos estarmos numa democracia, afinal o povo elegeu essa gente.
mineiro
o lula fez tudo para o brasil ou quase tudo , mas borrou nas calças quando o assunto é regulaçao de imprensa e os crimes cometidos pela ditadura maldita do brasil. imagina se esse poste de pres.vai fazer alguma coisa, se ela janta com a imprensa golpista , mantem no ministerio ministros da laia como ze cardoso tucano , o imbecil do hibernardo e demorou quase um milhao de anos para mandar para rua , min.como o jombim. e é a principal opositora da regulaçao de imprensa , e da comissao da verdade. essa pres. infilizmente é a fhc de saias. ela mais parece uma margaret thatcher do que uma cristina kirchner. dessa pres. nos so podemos esperar , é beijar a mao de traidores como o sarney da vida, a imprensa golpista e os eua . e o perigo maior ela nao ta nem ai , que o golpe de estado desses coleguinhas dela. pres.traidora .
J Souza
Reforma agrária no Brasil?… Só com uma sangrenta guerra civil!
Leonardo
Engraçado que quando se retoma estes fatos trágicos tramados por uma minoria de políticos, militares e empresários golpistas, traidores e mercenários, ninguém leva a sério, falo de eleitores a políticos. Parece que está tudo bem assim, continuemos mandando futuros presidentes beijarem as mãos do Sarney e dos que virão!
Cada dia que passa creio numa opinião de um amigo de trabalho que diz – “O brasil (cidadãos comuns) só vai cair na real e se mexer para mudar está realidade imposta desde o golpe militar quando nos atingir uma grande crise social”
Getúlio e Goulart são gaúchos imortais que tiveram a coragem e honradez perante o povo que representavam (adjetivos escassos na grande maioria dos políticos da atualidade) de tentar impor os interesses nacionais em detrimento aos estrangeiros, apesar de terem sido vencidos pelos mesmos lacaios golpistas de hoje que atuam na mídia, política, empresariado e militares saudosistas que paralisam a opinião e mobilização pública.
Fernando
Amigo,
Tenho ambos presidentes citados por covardes. Um resolveu pelo suicídio invés de encarar os fuzis,abandonando a luta e a nós. Outro fugiu quando mais precisavamos de liderança. Sua fuga fez com que o povo brasileiro da época perdesse o rumo. Tentou-se resposta depois através de alguns que resolveram desafiar, não fugindo como tantos “fhc´s” fizeram, mas os ditadores já estavam postados. Acho que fujões devem ser esquecidos.
Ivo Herzog: A Copa do Mundo é nossa, não dele – Viomundo – O que você não vê na mídia
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Urbano
Apropriadamente é feito aroma de curva, não se acaba nunca.
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