Um grupo de Carpideiras no Túmulo de Ramesés
“Reencontros na travessia: a tradição das carpideiras” no teatro?
É UM DOM, O DE ENCOMENDAR ALMAS PARA O OUTRO MUNDO
Fátima Oliveira, no Jornal OTEMPO
Médica – [email protected] @oliveirafatima_
É emoção indescritível receber a proposta para uma obra sua virar peça de teatro ou filme. Além da felicidade, bate o maior medão… Aquilo que Jorge Amado explicitou tão bem: “Se você não quer sofrer com a adaptação de seu romance, meu confrade, não assista ao filme, à novela, à desgraceira…”.
E foi mais longe: “Ao escrever um romance, realizo um trabalho artesanal, sou um artesão tentando alcançar a arte literária. Quando inicio um livro, somos apenas eu, a máquina de escrever, o papel em branco. Esse caráter artesanal desaparece quando o romance é adaptado: cinema, rádio, televisão são o oposto do artesanato, são da indústria e do comércio, o produto a ser oferecido, a ser visto ou ouvido (e não lido) deve corresponder a exigências do mercado”.
Tão logo “Reencontros na Travessia: A tradição das carpideiras” (Mazza Edições, 2008) foi publicado, recebi duas propostas para o livro virar filme que só se interessavam em filmar as carpideiras. Ambos disseram que a presença delas no livro era cinematográfica. Tesei. Ora, meu livro conta uma história na qual as carpideiras, que possuem uma história anterior ao cristianismo, são parte destacada, mas não estão penduradas num lustre – embora as vejamos hoje como parte do catolicismo popular, elas significam muito mais. Carpir é um dom!
Algumas vezes, fiquei arrependida de o meu livro não ter sido filmado. O arrependimento não era tão poderoso diante do fato de que a obra continuava sendo minha. E, de novo, Jorge Amado vinha em meu auxílio: “As adaptações são sempre uma violência contra o autor”. E eu voltava a ser feliz. Por outro lado, compartilho da opinião de que uma obra literária pode ser apresentada em vários formatos, sobretudo teatro, cinema e televisão. De modo que mantive a abertura para ouvir propostas.
Foi de mente aberta que ouvi de Adélia Carvalho, dramaturga, e Ana Jardim, historiadora e produtora, da Companhia Teatral As Medeias, sobre o desejo delas de transformar “Reencontros na Travessia: A tradição das carpideiras” numa peça de teatro. Apenas disse-lhes que imaginava ver no teatro o que o livro conta: uma história de amor. “De Cacá e Pablo. E, nela, muitas outras histórias de amor serão desvendadas, tendo como lastro a vida da tia Lali, uma carpideira sertaneja que, nas palavras de Cacá, foi `uma das mulheres mais interessantes que conheci em minha vida. Negra, pobre e solteirona por opção, tia Lali não foi enterrada, foi plantada. E a força de sua fé fertilizará este chão´.
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Através do amor de Cacá e Pablo, vislumbraremos a história de inúmeras mulheres anônimas que, desde tempos imemoriais, têm como missão reverenciar os mortos, por meio de louvores dos cantos chamados de incelências (orações cantadas nas sentinelas) no sertão brasileiro.
Longe de serem beatas encurvadas pelo peso da ideia do pecado, são mulheres por inteiro. Livres. Ouça a carpideira Socorrinha: `Mas não pense que a mulherzada vive assim sem um consolo. Não pode! Ninguém aguenta. A carne pede. Ou tem um homem que todo mundo sabe, ou tem um homem ou uma mulher incubada. Sem responder ao que o corpo pede, é que não se fica. Isso eu te garanto. Carinho faz parte da vida´ (…) Ser carpideira é um dom, o de chorar e de cantar incelências para encomendar almas para o outro mundo, pois a morte para as carpideiras também integra a visão filosófica de que, sendo a vida uma travessia, a morte também é parte da travessia, já que viver é sempre um estar indo…”.
Comentários
Berenice
Fátima eubem posso imaginar a emoção e a aflição que devem dar. Quero ver a tia Lali, a Cacá e o Pablo no teatro
Alice Matos
Oi Fátima, uma alegria enorme e reconhecimento de sua obra
Gerson Carneiro
Assistia uma palestra do Ariano Suassuna em que ele falava sobre esse tema.
Ele disse que foi procurado por alguém que desejava traduzir “O Auto da Compadecida”, e a tal pessoa chegou ao absurdo de pedir para ele mudar o nome do personagem “João Grilo” pois, a tal pessoa alegava que só traduzia obra cujos nomes dos personagens pudesser ser facilmente traduzidos para o Inglês. E deu como exemplo o nome “Martin” que pode ser usado tanto para tradução para o Inglês como para o Francês.
Óbvio que restou ao Ariano mostrar-lhe a porta de saída.
Tempos depois, traduziram “O Auto da Compadecida” e João Grilo ganhou o nome de John Cricket, em Inglês, e John Grillon, em Francês.
“Horrível, né”, Ariano Suassuna.
Magda Viana Areias
Oi Fátima, uma obra literária que vai pro teatro, pro cinema ou pra TV tem um significado especial pra quem a escreveu. Parabéns.
Mari
Fátima Oliveira, eu também fiquei muito feliz. Teu livro é belo. No teatro com certeza vai arrasar. Vc merece.
Urbano
Jorge Amado, eis um baiano de primeira linha. Pro balde, o bom é tóim malvadeza… Com uma cabecinha apertada dessa, nem sei como escreveu o que escreveu.
Magda Viana Areias
Olá Urbano, não entendi o seu comentário. Talvez seja burrice minha mesmo. Mas quem é a figura a quem você se refere quando diz “Com uma cabecinha apertada dessa, nem sei como escreveu o que escreveu”? Eis a parte que não entendi. Poderia explicar? Obrigada!
Urbano
Olá Magda. Olhe direitinho e você terá a resposta. Obrigado, Magda.
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